Algumas situações me deixam de cabelos em pé. Não vou bater
o martelo dizendo que trata-se de uma cultura típica do Brasil, nem mesmo dos
cariocas. Pode até ser, mas agora não importa, pois em maior ou menor grau,
raciocínios como os que eu citarei existem pelo mundo todo, certamente. Indo
direto ao ponto: por que as pessoas não conseguem entender que muitas vezes
aquilo que é ordenado que elas façam – direta ou indiretamente por uma ameaça
de punição – é para o próprio bem delas e dos que estão ao redor?
Isso me deixa muito indignado. Um exemplo clássico, para
você visualizar logo o que quero transmitir, é o cinto de segurança. Existe
periodicamente propaganda maciça em cima disso, e ainda existem as sinalizações
pelas estradas e os guardas prontos para darem multas. Mesmo assim, parece que
os cidadãos não entendem que aquilo é um serviço que visa preservar a vida e
bem-estar de todos. Às vezes, parece que o sujeito está matutando que na
verdade existe um super-vilão inimigo da paz e da liberdade, bolando planos
maquiavélicos para nos tirar do sério, e seu mais recente plano é o maldito
cinto. Sério, sejam coerentes: essa é uma medida de segurança para os
motoristas e passageiros dos veículos, não tem motivo real para sermos
antipáticos à tal regulamento, a não ser que o motivo seja nossos próprios egos
não querendo ser curvar à uma regra imposta pelo Estado.
Há poucos dias, uma pessoa que estimo muito soltou um
comentário que achei um tanto impertinente e que reproduz a exata confusão que
expus acima. Ela dizia que em certo estabelecimento, os alunos eram privados de
entrar em sala de aula se chegassem atrasados. Completou dizendo que era como
voltar ao jardim de infância. Antes de analisar a regra do estabelecimento que
ela criticara, vamos pensar na comparação com o jardim e o que ocorre nesta
etapa de nossas vidas.
Os professores que dão aula para essas turminhas devem
começar a introduzir às crianças os hábitos de uma boa vida em sociedade,
principalmente em termos de meios urbanos. Um desses hábitos é a pontualidade.
Conforme envelhecemos, vamos adquirindo cada vez mais afazeres que necessitam
que organizemos bem nossa agenda, ou o dia-a-dia se tornará um caos! Imagine um
pai que trabalha e faz faculdade. Ele deve acordar em determinado horário para
que consiga se alimentar e se arrumar à tempo de levar o filho ao colégio. E
esse compromisso, por sua vez, vai definir se sua chegada no trabalho ou
faculdade em seguida se dará no horário correto. Nosso cotidiano, num mundo
como o que vivemos, vira uma teia onde cada ocorrência é determinada por uma
quantidade incrível de causas, tornando-se quase impossível determinar todas
elas. Então, devemos honrar a pontualidade. É como aquele jogo de dominó, em
que se apenas uma pecinha cair, todas as outras tombam em seguida.
Agora, pense no professor de uma universidade. Se o pai
mencionado não conseguir se organizar, vai chegar atrasado sempre, vai entrar
na classe, correndo o risco de atrapalhar a linha de raciocínio do professor
que já iniciou a aula e o próprio aluno se prejudicará, pois pegará o bonde
andando (matéria pela metade). Desse modo, acho que qualquer instituição tem o
forte dever de criar esse tipo de regrinha anti-atraso.
Se você acha todo esse papo de pontualidade um hábito
insuportável – a virtude dos entediados, como dizem alguns caras-de-pau – é
porque, justamente, você não conseguiu transformar essa virtude num hábito,
falha cuja qual pode estar lá no jardim de infância mesmo ou em algum
acontecimento posterior que pode ter destreinado essa sua habilidade adquirida
no período correto.
Como alguns posts aqui e aqui já denunciam, eu sou
praticante de uma arte marcial tradicional japonesa, o aikido. Os japoneses
costumam ser disciplinados em todos os sentidos, inclusive no de manter a
pontualidade. Como pratico uma arte marcial própria dessa cultura, seria
esperado que copiássemos a disciplina também nesse sentido. Mas não podemos
copiar totalmente (pensando na federação à qual sou filiado, a FACERJ) porque
os alunos não chegam na hora nem nos exames de faixa. Eles eram sempre marcados
para começar cerca de 8 horas da manhã, entretanto, agora é pedido que
cheguemos esse horário mas todos já esperam que vá começar em torno de 9 horas.
Por que isso? Porque quando o cronograma era respeitado à risca pela
organização, as pessoas se atrasavam. Assim, quem é pontual paga o preço, pois
deve ficar sentado, esperando em torno de 1 hora para que as atividades
finalmente comecem.
Como já deve ter ficado límpido e transparente, o que o
hábito de usar o cinto de segurança e de ser pontual tem em comum, primeiro, é
que os dois são hábitos. Em segundo lugar, os dois são atitudes que deveriam
brotar naturalmente de cada um de nós depois de certo tempo de prática, pois só
tem a beneficiar a nós mesmos e à todos que estão ao redor. Não vejo como ser
assim pode fazer as pessoas saírem perdendo.