Acabamos de passar pela popularmente chamada semana do Papa,
do evento oficialmente intitulado Jornada Mundial da Juventude. Algumas pessoas
devem estar achando estranho eu não ter me pronunciado aqui sobre isso e essa
omissão se deve a dois motivos: o primeiro é que vi muitas pessoas pelo
facebook fazendo comentários positivos e negativos e eu sempre estava lá
opinando também, e sempre que eu mesmo postava algo, fãs e críticos também
chegavam junto no post; assim por um tempo achei desnecessário escrever algo
por aqui. O segundo e último motivo foi que achei melhor observar e pensar
claramente sobre o significado desse evento, sobre as controvérsias que gerou e
por aí vai. Não vale ser precocemente contra, devemos sempre tentar analisar a
coisa o mais imparcialmente possível.
O Papa pop e
a faminta multidão
Pois bem,
logo o que me chamou a atenção de cara foi o quanto os católicos ficaram
comovidos com a visita do sacerdote [e chefe de Estado, apesar de essa última
atribuição parte ser meio que ignorada por muitos]. Parecia que algum astro teen estava aterrizando na cidade. Muita
choradeira, muita luta para conseguir encostar no homem, fazer com que o
filhinho fosse beijado, abençoado por ele.
O Papa Francisco mostrou muita simpatia, nobreza e
humildade, o que é surpreendente para um representante de uma instituição
milionária e que não faz questão de se fazer de pobre. Mas a reação do povão me
chamou a atenção e me despertou o espírito do “será que tudo isso é necessário?”.
Afinal, trata-se apenas de um homem, por mais que carregue quilos de títulos
nas costas. Toda essa pressão dos populares espalhados pelas ruas me lembrou o
que ocorre na África, quando nasce uma criança albina. Seus pais devem lutar
para protegê-las, pois é pensado que elas são sagradas, representantes divinas,
e a multidão reivindica pedaços de seus corpos, que são arrancados à mão mesmo
se bobear; isso quando os próprios pais não cometem essa atrocidade. Toda essa
movimentação papal me lembrou muito esses episódios africanos, como se o toque
ou um pedaço do corpo do líder fossem suficientes para curar enfermidades e
consertar a cabeça de toda a gente.
Outra nota mental que surgiu foi uma fagulha de compreensão
em relação aos protestantes, quando alegam que os católicos adoram imagens e
etc. Sei que não se trata bem disso, como bem já escrevi em um texto por aqui,
mas o modo como a massa age na presença papal sugere mesmo que ele seja
admirado como algum tipo de semi-deus. Além disso, muito sinceramente, não vejo
tanto motivo assim para essa admiração, mas aí já pode ser falta de informação
minha, afinal, não sou profundo conhecedor dos sacerdotes católicos [apesar de
eu ter achado-o bastante sábio e sereno].
Causas e
métodos contraditórios
Eu costumo
me opor a muito do que essa mega instituição religiosa pensa, e acho que os
discordantes não devem se calar. Porém, toda oposição deve ser feita com
planejamento, lógica e coerência. E definitivamente esse não foi o caso da
Marcha das Vadias. Alguns
representantes do grupo se reuniram para dizer que algumas ações ocorridas
durante as manifestações não foram organizadas pela Marcha, mas por algum grupo
paralelo. Então, dirigirei minha crítica aos grupos mais radicais, quaisquer
que sejam eles. Eu pergunto: por que diabos em plena JMJ um grupo, para se
manifestar contra os ditames da Igreja, resolve quebrar imagens, pegar crucifixos
e enfiar no ânus, se despir e se beijar?
Eu entendo a proposta. Os defensores de tais atitudes com os
quais conversei dizem que essas são reações pequenas contra as ideias
ultrapassadas da Igreja, e é peixe pequeno em vista do que ela já cometeu no
passado; uma referência clara à Inquisição. Realmente, matar pessoas queimadas,
condená-las a anos de silêncio e prisão domiciliar são atitudes bem piores do
que dar umas bitocas nu na frente dos fiéis. Isso não mata nem fere ninguém.
Mas não é essa a questão envolvida na minha crítica. O problema aí é a
coerência da causa em relação ao método que eles usam para promovê-la. Ambos
estão em desacordo. Os movimentos gays e feministas sempre pregaram a igualdade
entre os gêneros e o fim do preconceito contra esses indivíduos. Dentre outras
coisas, lutavam contra o rótulo que diz que todo homossexual é promíscuo, ou
que homossexualidade é coisa do diabo. Aí, o que acontece? Num momento em que
algo bem organizado tinha toda condição de ser considerado e levado à sério, os
manifestantes simplesmente agem reforçando todo o preconceito contra os quais
eles lutam! Cansei de repetir a seguinte frase na internet: sou a favor da causa desses grupos, mas não
do método. Em resposta algumas pessoas citavam a Inquisição ou outros
absurdos perpetrados pela Igreja Católica. Ora, qual a lógica que opera aí? A
da culpabilidade perpétua? Qualquer atitude opositora será justificada por
antigos crimes e atos preconceituosos? Se for assim, vamos bater palmas para
PMs que invadem favelas matando pessoas também, afinal, eles estão atrás de
bandidos, e como eles já mataram pessoas, qualquer retaliação pode ser
desculpada.
Enfim, aprendi muito nesses últimos dias, apesar de não ido
às ruas participar de nada. Vi que existem muitos religiosos flexíveis e
críticos, e tive novos combates velados com outros que são fechados,
intransigentes e dogmáticos, apesar de sustentarem uma túnica de amabilidade e
tolerância. Percebi também que muitas pessoas que defendem as mesmas coisas que
eu, são tão dogmáticas quanto aqueles que desejam combater, mas podem nem
perceber isso pela ânsia de estarem certos ao lutarem contra a injustiça. E,
para fechar com chave de ouro, percebi que a Igreja católica se vale de uma
lógica que ilude muitas pessoas, quando se trata de o que pensar sobre os
homossexuais. O lema é: ame os homossexuais assim como qualquer um, mas reprove
seus atos. Ora, o que torna um indivíduo um homossexual? Não são seus atos
homossexuais? Não é seu desejo homossexual por indivíduos do mesmo sexo? Então,
o que exatamente se quer dizer com amar um deles sem tolerar seus atos, suas
vontades? Qual a diferença específica
entre o que um indivíduo é e o que ele faz? Também percebi que (pelos
folhetos entregues durante a JMJ), a Igreja ou seja lá qual subdivisão dela
providenciou os folhetinhos, está por fora da diferença entre aborto e métodos
contraceptivos, e que muita coisa ainda deve ser refletida, questionada mudada,
tanto de um lado quanto do outro. Especificamente sobre o Papa, por mais
conservador que ainda seja, pelo menos contribuiu mais em alguns quesitos do
que o anterior em toda sua gestão.
Em resumo: nenhum dos mundos possíveis me representa no
momento.