segunda-feira, 30 de julho de 2012

Batman e o poder da promessa

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No post anterior sobre o Batman, falei sobre sua motivação para ter dedicado toda sua vida, desde criança, em torna-se um herói e combater a criminalidade em Gotham e além. Com alguma dose de reflexão, mostrei que ele pode mais ser classificado como alguém que pune os bandidos do que alguém que simplesmente está atrás de uma vingança pessoal, alguém que ainda, no fundo corre atrás do assassino de seus pais. No entanto, acho que, na mesma linha do que Randall M. Jensen disse num capítulo do livro Batman e a Filosofia, o simples desejo de punir não é suficiente para Batman fazer o que faz. O que será esse componente a mais, então? 

 Como você já deve ter percebido através do título, esse elemento é a promessa que Bruce Wayne fez diante dos cadáveres de seus pais, diante do chão ensanguentado do beco. Nesse momento, além de o jovem garoto estar, provavelmente, nutrindo um forte ódio e desejo de levar à justiça (ou fazê-la ele mesmo) o assassino de sua família, ele começa a perceber que aquele faz parte de um problema muito maior, como só uma onda em todo um oceano de outras ondas ainda maiores e brutais. 

Assim, é como se Bruce adquirisse um novo centro de gravidade para que sua vida possa girar de novo, substituindo o anterior que, como é normal na vida de toda criança, era seus pais. Assim, um pouco mais velho, ele viaja e adquire conhecimento e técnicas marciais para voltar a Gotham e dar o que ela merece. Mas, se pensarmos bem, quando prometemos algo, prometemos a alguém. E essa promessa geralmente é feita tendo em vista a possibilidade de essa pessoa – a quem a promessa foi feita – reconhecer seu cumprimento ou falha. Será que o Homem Morcego faz a promessa a seus pais? A grande questão é que eles estão mortos agora, portanto, será a promessa do herói realmente válida de alguma forma? 

A resposta disso depende, sobretudo, do que pensamos sobre a morte. Epicuro, filósofo grego, tem idéias interessantes sobre o tema. Para ele, vida e morte são dois pólos que nunca se sobrepõem. Isso significa que não existe motivo para nós temermos a morte de forma alguma, afinal, estamos vivos, assim, a morte não se faz presente. Também, quando morrermos, a vida não estará presente, logo, qualquer chance de sofrermos e/ou sentirmos dor perante esse fato inexorável também não existirá. Assim, aproveite a vida, o momento presente. 

Essa visão do filósofo Epicuro tem como base a concepção de que tanto o prazer quanto a dor só são possíveis através das experiências de sentido, que existem graças ao nosso corpo e seus órgãos sensoriais, por exemplo. Como para ele quando morremos nosso corpo de esvai em pedaços e nada sobrevive, só podemos ter essas experiências se estivermos vivos. 

Nesse sentido, Batman fica em maus lençóis. Se seus pais morreram, de acordo com Epicuro nenhuma promessa poderá ser feita a eles, primeiramente, porque eles não poderão ouví-la e, segundo, eles não poderão contribuir para o final de toda promessa que é quando a quem ela se dirige tem o poder de contemplar seu resultado, alegrando-se ou decepcionando-se com ele. Mas nem tudo está perdido ainda. Parece que Aristóteles oferece uma opção bem mais reconfortante para nosso herói encapuzado. 

Para o filósofo, não há a necessidade de alguém dar sentido a um ato para que ele possa ser considerado bom ou ruim, prazeroso ou doloroso. Considere por um momento a traição. Esse é um gesto abstrato que pode envolver namorados ou amigos, familiares e etc. O fato de você ser traído necessita do seu conhecimento do caso para que esse seja um ato reprovável e causador de sofrimento? Não. A atitude de trair em si já é ruim, mas considere também a reputação. O que as pessoas pensariam de você pelas costas ao saberem que sua namorada agiu dessa forma? 

Assim, Aristóteles mostra que o sentimento do indivíduo sobre a dor e o prazer não é uma parte essencial da equação. Não precisamos, em suma, estar conscientes de uma traição para que esta gere consequências dolorosas para nós. O mesmo pensamento pode ser aplicado aos mortos. Não precisa existir uma vida pós-morte para que a pessoa morta seja violada de alguma forma. 

Agora, conseguimos o gancho necessário para voltar ao Batman e reconsiderar positivamente sua promessa. Ao longo de sua história, não importa qual versão, o herói mascarado vem dando dicas de que a promessa que ele faz é bem no estilo aristotélico de ser. 

No filme Batman Begins, por exemplo, o pai de Bruce aparece como um médico bilionário que presta serviços à Gotham através de seus dotes médicos e, também, de obras que ajudam a integrar a estrutura da cidade, oferecendo oportunidades para a população de baixa renda, que é bem numerosa. De certa forma, é esse legado que Batman carrega, mas de uma forma diferente. 

Todos esses atos contribuem para o cumprimento de sua promessa e, ao mesmo tempo, para honrar a memória de seus pais. Afinal de conta, se nos guiarmos pelo pensamento aristotélico, a única possibilidade que temos de mobilizar os mortos de alguma forma é, no fundo, através de sua reputação, de sua memória. E podemos dizer que Batman é o exímio cumpridor de promessas, tanto que talvez seja essa característica que sirva de centro gravitacional para sua tão temida incorruptibilidade e compromisso em levar os maus elementos à justiça.