sábado, 14 de agosto de 2010

Invasores de Corpos

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A busca pelo conhecimento do cérebro é algo fascinante. A década de noventa foi a década da neurociência e parece que a atual década também é dela. Aos poucos são desvendados os mecanismos cerebrais relacionados aos sentimentos, inclusive ao mais especial deles, o amor. Vários distúrbios intratáveis ou parcialmente tratáveis hoje encontram novas e melhores perspectivas de tratamento. Apesar de todos esses avanços, por mais paradoxal que seja, ainda não sabemos praticamente NADA sobre o cérebro, se formos comparar com a capacidade de manipulação infinitamente superior que alguns microorganismos possuem.




O gafanhoto, um animal aparentemente pouco complexo à nível comportamental, possui aversão à água. Nunca veremos um gafanhoto nadando assim como nunca veremos um gato num lago se esbaldando. Mas mesmo assim, vemos certo número de gafanhotos se jogando em lagos e rios. Aparentemente entrei em contradição, afinal, gafanhotos NUNCA entram na água, certo? Errado. Assim que o corpo do inseto toca na água, um verme, cerca de 3 vezes maior que o próprio hospedeiro, sai do seu abdome. É o Spinochordodes tellinii, que só consegue se reproduzir na água, que após fazer o gafanhoto de fantoche, mata-o.

Outro caso, muito mais bizarro, é o da vespa-joia, que transforma a barata americana em um zumbi. Essa vespa possui um ferrão certeiro primeiro atinge o gânglio torácico da barata, paralisando suas pernas e impedindo que ela reaja à segunda picada que atinge seu protocérebro (parte responsável pelas reações de luta e fuga, controlada pela ação do neurotransmissor octopamina, que age nos invertebrados). Ao suprimir a ação da octopamina o inseto fica numa espécie de estado de transe involuntário. Com a barata dominada, a vespa-joia pega a conduz pela antena, como se fosse um cachorro na coleira, e a leva para seu ninho. Lá a maquiavélica vespa bota um ovo no abdome da barata, através de uma abertura em seu exoesqueleto. Após mais ou menos 3 dias a larva sai do ovo e começa a se alimentar dos fluidos da barata, sem grandes danos vitais. Após vários dias a larva faz um buraco no corpo do inseto, onde cresce lentamente. Durante oito dias a hospedeira é escavada e suas entranhas, e depois, pedaço por pedaço, viram alimento. Assim, a larva vira um casulo e poucos dias depois surge uma nova vespa e o ciclo recomeça.
Vespa-joia guiando a barata como um cão

Existe outra espécie de vespa, ainda mais sutil, que espalha o terror nas florestas úmidas da Costa Rica: a Hymenoepimecis argyraphaga. Sua estratégia é picas a aranha Plesiometa argyra anestesiando-a por um breve períodoaté que consiga fixar seu ovo no abdome do aracnídeo. Após esse processo, a aranha volta a sua vida normal e assim permanece por vários dias. Mas do nada algo estranho acontece...suas teias não mais são tecidas de maneira simetria e estendida, da forma tradicional como conhecemos. A aranha começa a tecer sua teia de maneira a formar compactos e fortificados blocos. Isso é causado pelo veneno injetado pelas larvas da vespa, que irromperam do ovo no corpo da aranha. Após tecer esses blocos de teia, uma picada fatal é investida contra o octópode. Assim, as larvas utilizam essas teias modificadas como proteção contra todo tipo de ameaças e ainda ficam com alimento garantido já que o corpo do hospedeiro ainda está ali pronto para ser devorado.

Parasita crescendo no corpo da formiga.
Até agora vimos parasitas que agem diretamente sobre seus hospedeiros, ou seja, penetram em um inseto qualquer e o “forçam” a fazer algo. Contudo, existem alguns não tão objetivos. Antes de alcançar seu objetivo, dar origem a descendentes, eles tem um longo e arriscado caminho a percorrer. É o caso de um dos primeiros parasitas cerebrais cujo comportamento foi detalhadamente estudado: Dicrocoelium dendriticum. Esse protozoário, curiosamente, só age durante a noite. E seu hospedeiro intermediário é a formiga. Ele a infecta e como que por encanto, força-a a abandonar seu ninho (comportamento bem arriscado para as formigas, que só agem em grupo) e iniciar uma jornada até a ponta de um talo de grama. Quando finalmente ela encontra o talo, ela faz algo surpreendente: ESPERA, e espera o quanto for preciso. O que ela está esperando somente o protozoário em sua cabeça sabe. O objetivo final do Dicrocoelium dendriticum é chegar até o fígado de uma ovelha ou vaca, onde poderá se reproduzir, logo, o fato de a formiga ficar no talo, faz com que inevitavelmente em algum momento ela seja comida por esses animais. Assim, é engolido o talo, a formiga e o protozoário. E assim sua missão é cumprida.

Quando eu li pela primeira vez sobre esse tema, várias coisas se passaram pela minha cabeça. Que eu gostaria de compartilhar aqui é a seguinte: para os que acreditam em Deus, onde ele estaria nesse momento? Vou tentar ser mais claro. É comum escutar das pessoas que acreditam num Ser Superior, não necessariamente o deus judaico-cristão, que ele é bom e só criou coisas boas. A própria natureza seria uma manifestação de sua bondade moral. Pois bem, o que dizer de uma vespa que de alguma forma paralisa uma barata, coloca seus ovos no interior do corpo do hospedeiro e quando as larvas irrompem dali o devoram inteiro, aos poucos, e o pobre hospedeiro nada pode fazer para impedir isso já que está tecnicamente dopado. Será que nessa situação a barata sente algum tipo de dor? Vamos dizer que sim. Nesse caso, por que a natureza, supostamente criada por uma mente superior e infinitamente bondosa, iria criar uma espécie tão “cruel” e que é capaz de causar tanta dor e desespero à outra? Alguns vão afirmar que insetos não sentem dor. Bom, não vou dizer que isso é mentira, mas acho improvável já que os mecanismos relacionados à dor parecem ser algo bem básico à sobrevivência de qualquer ser vivo complexo. Sem dor, os seres vivos ficariam suscetíveis a quaisquer tipos de riscos. Portanto, pelo menos de uma perspectiva racional, seria coerente e inevitável que todos os seres vivos dotados de um sistema nervoso, sentissem dor.

Enfim, havendo ou não um Criador (é muito mais provável que não haja, tendo em vista o fato da Evolução) é fascinante observar como a natureza é complexa, cheia de detalhes, até mesmo naqueles seres que nós julgamos erroneamente como primitivos. 

O video abaixo é a primeira parte de uma série de documentários sobre Evolução. O capítulo do video fala sobre a evolução dos animais venenosos e aparece uma longa explicação e até um video mostrando como age a vespa-joia. 

Para assistir da segunda parte em diante, clique aqui.