sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Divagações sobre uma cultura ébria

Festa baconiana, do deus Baco, padroeiro das bebidas. Qualquer semelhança com o mundo real não é mera coincidência
Permanece um mistério o motivo pelo qual a bebida alcoólica é celebrada como uma espécie de ambrosia (a antiga comida sagrada dos deuses do Olimpo), ou talvez seja só resistência em aceitar os motivos frívolos pelos quais são adoradas.

Tenho uma baixa tolerância a bêbados – a seus vários tipos, na verdade. Não consigo dizer com tanta certeza o porquê, mas talvez tenha algo a ver com a criação artificial do tal ar agradável que todos eles exalam.

A meu ver, o álcool não deixa ninguém divertido, a não ser que estejamos falando de um indivíduo no início de um estado ‘pré-ébrico’, pois aí o desamarrar das rédeas do autocontrole pode torna-lo mais falante, mais capaz de fazer piadas etc. Mas chega um momento, aquele em que a pessoa começa a beber como um peixe, em que todos o veem como o grande protagonista de um grande circo psicodélico, mas preferem fingir que está tudo ok. No fundo, os bêbados é quem mandam. Ai de quem falar mal deles.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

"Ano Novo de novo não"


Qual seria o problema com datas que, aparentemente, só envolve cozinha farta, presentes e comemorações? Essa é a pergunta com a qual me confronto há muitos anos, porque às vezes nem eu sei direito a resposta. A única coisa que sei com certeza é que não acho o fim de ano uma época convidativa – sinto isso em minhas entranhas toda vez que a Ivete Sangalo começa a anunciar o Natal dos supermercados Guanabara, ou que a Leader Magazine começa a anunciar que já é Natal, vários meses antes de dezembro.

Quando olho para a tv, vejo artistas contratados para fazer o que fazem de melhor: atuar. Dão seus melhores sorrisinhos e fingem que o mero ato de desejar coisas boas uns aos outros vai esconder o fato de que nada que façamos vai fazer o próximo ano ser da forma como queremos. Se conte em agir conscientemente, mas sem esquecer que a imprevisibilidade faz parte do cerne mais profundo do que chamamos de vida. Esse costume positivista (me refiro, num neologismo, à prática do pensar positivo de maneira ingênua, não à corrente filosófica que moldou o pensamento científico e artístico por anos) me lembra muito uma comunidade dos tempos áureos do Orkut, onde os participantes se dedicavam exclusivamente a postar desejos e pensamentos bondosos para o comentador imediatamente acima. Isso foi na época da febre de fanfarronices como O Segredo e livrecos sobre Lei da Atração, que tentavam dar um ar científico e filosoficamente sério a mero senso comum.

Voltando ao tema do fazer em oposição ao mero desejar preguiçoso, a questão é a relevância do que se faz. As pessoas tratam o “Ano Novo” ou o “Natal” como entidades dotadas de vontade própria, de um humor rascante que depende de ser agradado o máximo possível a partir do fim do segundo semestre. Caso contrário, o temível e poderoso Ano Novo devorará a todos com sua enorme bocarra, como Cronos devorou seus filhos.

É como eu disse, tudo depende do que fazemos. Se deixássemos vivas todas as reflexões (mesmo as mais superficiais e enlatadas) que fazemos nessas datas, o mundo não ia ser tão ruim quanto é a maior parte do tempo. Sei que esse é um viés que todo indivíduo traz consigo, por mais que saiba a verdade estatística da coisa, mas a verdade é que o mundo não é ruim a maior parte do tempo, senão já teríamos nos aniquilado desde que algumas potências adquiriram suas mais novas bombas nucleares; sei também que vivemos tempos bem mais pacíficos do que é capaz de experienciar nossa mera percepção subjetiva do espaço e do tempo. Viver em tribos sem uma lei imparcial, dependendo da palavra de cada indivíduo não deveria ser mole - era como participar de Game of Thrones, só que de verdade - sem contar os cadáveres devolvendo seus nutrientes à terra bem pertinho de nós, como medusas imóveis e tão assustadoras quanto as sibilantes da mitologia grega.

As pessoas tratam o 1º de janeiro de um modo politeísta demais. É quase como se fosse uma divindade esperando por sacrifícios. Se bem que é uma mistura bem eclética de divindades esse Ano Novo. Ao mesmo tempo em que se parece com um deus tribal típico do judaísmo ou mesmo dos emotivos deuses gregos, esse aí parece querer observar os atos morais das criaturas que aqui vivem. Mas ele é pouco exigente, porque se conforma com sorrisinhos falsos ou euforia sincera, porém passageira, e também com felicitações que não passam de fórmulas já plastificadas.

Não sei se essa artificialidade sempre existiu ou se é um problema que surgiu com o capitalismo. A verdade é que eu vejo lógica mercadológica demais nisso tudo. É como um grande feirão, em que as pessoas tem uma época certa pra comprar legumes e frutas mais baratos, assim como tem uma época certa para exibirem o máximo de seu calor humano, porque no resto do ano estão preocupadas com coisas mais importantes – elas mesmas, ou o futebol, ou o salão, ou o programa de fofoca, o que no fim das contas sempre se trata de personificações do nosso ego.

Quando digo “nosso” é porque não me excluo dessa lógica como se fosse um menino dourado ou o próximo Dalai Lama. A diferença talvez esteja no fato de que eu participo desse processo consciente dele, pelo menos mais do que a maioria. Não fico arrumando desculpinhas pra manter isso e não ficar com a consciência pesada como os que falam “Ah, mas mesmo sendo passageiro é bom ter pelo menos uma data em que as pessoas se esforçam para serem boas. Melhor do que não ter nenhuma.” Preguiçosos mentais sempre argumentam nessa linha, sempre querem promover a manutenção do status quo com uma desculpa qualquer, geralmente tendo a ver com como estaríamos piores se não fosse o que fazemos agora.

Paralelamente a isso tudo tem a questão da tolerância. Me chamam de intolerante e radical por eu dizer que acho sem sentido a obrigação de ficar dando “Feliz Ano Novo”. São raras as pessoas que fazem isso tendo algum sentimento verdadeiro por trás, a maioria, por outro lado, só quer cumprir um protocolo social. Claro, não sou mal educado ao ponto de não retribuir quando me felicitam, e fico até contente quando falam coisas originais pra mim, mas ficar proliferando frases prontas como se fosse corrente de whatsapp é demais. Digamos que eu seja judeu ou chinês. A minha data de Ano Novo seria diferente, mas garanto que nenhum ocidental ia fazer festinha só porque, pra mim, é Ano Novo. Por que uma pessoa que não vê nada de divertido em comemorar essa data é obrigada a agir como se se importasse? A intolerância é minha que critico, mas deixo as pessoas comemorarem o que elas quiserem ou dos outros, que se veem no direito de me fazer lavagem cerebral?


Dizem os sábios que devemos saber a hora de enxergar como uma águia, que vê de maneira ampla o que acontece por estar de uma posição alheia, e quando enxergar como um reles primata bípede. No final das contas, minha resistência não vale de nada. As pessoas vão continuar comemorando, então, posso continuar me aborrecendo ou simplesmente tentar sentir um pouco do que as pessoas sentem e viver o momento com elas, por mais que isso seja tolice. Talvez isso seja extremamente sábio, mas ainda não cheguei a esse estágio de treino mental – se é que um dia chegarei. Entendo as datas, entendo a euforia das pessoas, mas não sinto. Talvez o treino mental desenvolva esse tipo de habilidade, proporcionando um maior controle sobre a capacidade de sentir, diminuindo o estado de refém de sensações, emoções, de coisas que ainda nem chegaram a se tornar discurso, pensamento racional.