
Uma renovação
nesse interesse foi promovida pelo Dalai Lama, que desde sempre manifesta uma
mente curiosa, amigável e aberta às investigações científicas sobre as práticas
budistas. Nesse sentido, ele vem contribuindo bastante desde as suas próprias explicações em entrevistas e livros até o envio de monges para laboratórios devários países para serem estudados.
Matthieu Ricard é um desses monges. Hoje ele dedica-se à ciência servindo de objeto de
estudo para ela, bem como dando dicas sobre experimentos e estudos sobre meditação, mas no passado o monge foi bem
mais ativo. Ricard nasceu em 1946 e recebeu seu doutorado em bioquímica no ano
de 1972, no Instituto Pasteur. Durante uma visita ao Himalaia, em 1967, ficou
interessado no budismo e dali em diante resolveu seguir a prática, sendo
ordenado monge no fim dos anos 70. Nesse meio tempo, vem atuando também como
intérprete francês do Dalai Lama.
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Matthieu Ricard |
Em estudo
publicado esse ano, Levenson, Ekman e Ricard (2012) realizaram experimentos que
tinham como objetivo verificar como dava-se a ativação fisiológica e facial do
monge frente à estímulos; em inglês, tal ativação é chamada startle response (resposta de
sobressalto).
Essa resposta
é aquela reação comum que temos ao estarmos distraídos fazendo alguma coisa e então
um som alto surge repentinamente. Existe todo um conjunto de características
corporais nesse caso, como o encolhimento e levantamento dos ombros, a musculatura
tensa e os movimentos de certos músculos faciais (fechar as pálpebras, por
exemplo).
A experiência
O experimento
realizado contou com a análise de dois tipos de meditação: a presença aberta e a atenção plena. A primeira trata-se de
um estilo meditativo em que o indivíduo mantem uma posição relaxada, sem foco
atencional em nada. Dessa forma, segundo os monges, encaramos qualquer estímulo
ambiental como somente mais um, sem que despertem nenhuma reação em quem está
meditando. A atenção plena é o contrário, isto é, mantem a atenção focada
intensamente em determinada imagem mental ou conceito. Porém, em ambos os casos
o sujeito está totalmente presente, de forma que pensamentos sobre passado ou
futuro não interfiram.

Em todas as
condições, um estímulo auditivo era emitido e aparelhos especializados
detectavam a frequência dos batimentos cardíacos, condutância da pele,
amplitude do pulso do dedo, e atividade somática (muscular), além da medição da
atividade dos músculos faciais, o que permitia observar, antes e depois, as expressões
faciais no momento em que o estímulo é apresentado. Os resultados do monge, que
possui 40 anos anos de prática em meditação, foram comparados com os de voluntários
(homens) que possuíam algo em torno de 12 anos de prática (com faixa etária e
nível educacional semelhantes).
Os resultados
mostraram que no modo resposta de sobressalto, todas as medições permaneceram normais, se comparadas com as do
grupo controle. As expressões faciais demonstradas também foram as esperadas,
segundo o que a literatura desse tipo de experimento mostra. Porém, Mattieu
Ricard mostrou níveis baixíssimos de contração muscular na face (AU 1, 2, 20,
43, 53) [Ekman catalogou os movimentos possíveis dos músculos da face em Unidade de Ação, os AUs]. Os pesquisadores não conseguiram
explicar o motivo dessa diferença. Talvez ele já demonstrasse tal diferença
antes de ser um praticante de meditação, ou o treinamento meditativo tenha
produzido tal diferença; de qualquer forma, essa foi uma questão deixada para
futuros estudos.
Nas outras
condições, tanto as de meditação
quanto a de distração, foi verificado
que o estilo presença aberta foi o
que mais gerou inatividade do organismo frente aos estímulos sonoros. E esses
resultados são bem compatíveis com a explicação dada pelo monge francês: é realmente
como se ele estivesse tão presente no momento que qualquer estímulo fosse só
mais um dos componentes desse momento, como se tudo fosse já esperado...sem
surpresas.
Outros resultados
A equipe de pesquisadores realizou
outros estudos com Matthieu, mas alguns ainda não foram publicados.
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Dalai Lama e outros monges ao lado de cientista em Harvard |
Em um desses experimentos, alguns vídeos
cujo tema suscitava emoções fortes eram colocados para Ricard assistir.
Posteriormente, deveria relatar como se deu a sua experiência emocional.
Levenson observou que pessoas não familiarizadas com a meditação, quando
respondiam a esse teste, tendiam a ser objetivas. Matthieu, ao contrário,
parecia ter uma habilidade incomum para relatar sua experiência, como se ele
estivesse tão “equilibrado” que pudesse observar “de fora” suas emoções, seu
corpo reagindo emocionalmente, sem ser levado por elas, descrevendo em riqueza
de detalhes.
Em outro
momento, quando requisitado a lembrar do último momento em sua vida em que
sentiu raiva, o monge relatou um evento ocorrido a 26 anos atrás!
Segundo
Levenson, um dos estudos mais tocantes foi o que o monge budista teve que
conversar sobre renascimento (renascimento e reencarnação não são a mesma coisa,segundo o budismo, clique aqui para saber mais) com 4 cientistas. O experimento foi
organizado do seguinte modo: dois cientistas eram selecionados de acordo com
suas boas maneiras e sutileza ao argumentarem contra idéias que não concordam,
e em outra rodada, os dois restantes conversavam com o monge, sendo que eles
não eram muito conhecidos por maneiras cavalheirescas de agir num debate
religioso. A atividade autonômica de todos era medida para detectar níveis de
estresse durante a conversa.
No primeiro
grupo, com os cientistas mais amigáveis, todos terminaram a conversa sem níveis
significativos de estresse, apesar de os dois cientistas terem variado um pouco
durante a papo, ao contrário do monge. Já no segundo grupo, Matthieu obteve os
mesmos indicadores, mas os cientistas pareciam estar com um nível de estresse
bem maior. A atividade facial de todos foi monitorada também, tendo sido
observados mais sorrisos verdadeiros no primeiro grupo. Mesmo assim, após a
experiência, mesmo os cientistas mais ranzinzas pareciam estar bastante
interessados pelo ex-acadêmico.
Conclusão
Esses
resultados são interessantíssimos; isso sem falar da própria história de
Matthieu, um bioquímico que tinha tudo para explodir em sucesso no mundo
acadêmico e que desistiu disso para viver como um monge no Nepal.
O próprio
auto-controle em relação a resposta de
sobressalto é algo notável, apesar de não acharmos isso significavo em um
primeiro momento. Isto é, se é que podemos falar em auto-controle, pois o
estímulo nem mesmo é detectado como algo a ser controlado, ele simplesmente
está ali mas a ele não é dedicada a mínima atenção especial.
Escrevendo
este texto, fui interrompido uma ou duas vezes pela minha mãe e tive uma clara resposta de sobressalto ao ser chamado por
ela – que tem a estranha habilidade de se deslocar pela casa silenciosamente
como uma ninja. Então, fico imaginando: como
alguém pode não ser afetado por essa resposta tão automática do organismo, algo
tão visceral?
Existem
amigos meus que criticam o meu fascínio por essas reações dos monges dizendo: “Seria fácil para nós fazer isso se
vivêssemos por anos isolados numa montanha, só meditando, comendo e dormindo”.
Não acho que seja o caso.
Nos nossos
momentos de solidão, vira e mexe nos pegamos ficando irritados com os
comerciais interrompendo os filmes na TV, ou com uma trombada num móvel da
casa, ou com qualquer objeto inanimado ou situação. Por que o fato de estarmos solitários
numa montanha modificaria tão fundamentalmente reações cuja origem é tão antiga
quanto nossos ancestrais hominídeos?
Além dessas
impressões um tanto pessoais, podemos ver que a meditação tem potencial para
tornar-se um ferramenta e tanto para o controle do estresse e em outros
contextos relacionados ao auto-controle, como já foi mostrado em outro post, nocontexto do auto-controle durante uma dieta.
Referência:
Levenson, R. W., Ekman, P., & Ricard, M. (2012, April 16). Meditation and the Startle
Response: A Case Study. Emotion. Advance online publication. doi: 10.1037/a0027472
Referência:
Levenson, R. W., Ekman, P., & Ricard, M. (2012, April 16). Meditation and the Startle
Response: A Case Study. Emotion. Advance online publication. doi: 10.1037/a0027472
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