Nos anos 70,
o psicólogo Paul Ekman começou a investigar se as expressões faciais seriam
universais ou se eram simplesmente um produto cultural. Desde então,
contrariando sua própria tese inicial – de que seriam relativos ao contexto
social - , Ekman concluiu que existe uma boa quantidade de evidências para
deduzir que trata-se de uma característica universal. Apesar disso,
pesquisadores discordando nunca faltaram. Um dos focos dessa crítica é a
alegação de que o sorriso não se referiria sempre à emoção da alegria (O que é emoção?), mas
também a emoções negativas (Birdwhistell, 1970) dependendo da cultura em
questão. Não obstante, em parceria com Davidson, Ekman promove um interessante
estudo para verificar a afirmação de um contemporâneo de Darwin – o neurologista
Duchenne - , de que na verdade haveriam vários tipos de sorriso mas que um
seria o legítimo da emoção alegria. Este estudodemonstraria se a hipótese de
Duchenne está realmente correta à nível neurológico, o que também fornecerá um
importante insight para pensarmos a opinião de Birdwhistell (Ekman &
Davidson, 1993).
No século
XIX, o neurologista francês Duchenne, através de vários estudos com pacientes
psiquiátricos, tentou mapear toda a musculatura facial responsável por cada uma
das expressões de emoções que podemos emitir. Para a emoção alegria, a
expressão facial correspondente é muito óbvia: o sorriso. No entanto, segundo
sua pesquisa, não existiria somente um tipo de sorriso, mas inúmeros tipos. Um
desses tipos somente seria o sorriso legítimo, realmente correspondente à
reação emocional natural, os outros teriam uma natureza social, como aquele que
damos quando passamos na rua e vimos alguém conhecido; não necessariamente nos
sentimos alegres naquele momento, mas é educado e gentil expressar tal gesto.
Segundo o francês, os músculos envolvidos nessa expressão legítima da alegria
seriam os orbicularis oculi e o zigomático maior. Os outros tipos de
sorriso não teriam esse componente essencial que é a contração do orbicularis.
Um
antropólogo do início do século passado, chamado Birdwhistell, parece
não ter lido os trabalhos de Duchenne, afinal, conjecturou que o fato de
exibirmos sorrisos mesmo em situações cuja emoção em questão não seria a da
alegria, provaria o caráter relativo das expressões faciais, fato esse que
seria explicado muito bem pelo trabalho de Duchenne.
Em 1993, Ekman e o neurocientista Richard Davidson, fizeram
o primeiro de inúmeros estudos que iriam ver como esse dilema se reflete no
cérebro, o que poderia fortalecer a hipótese da universalidade ou a
relativista. Estudantes do curso de psicologia da Universidade de Wisconsin se
voluntariaram para participar do estudo, em que cada um deles entrava numa sala
vazia e pequena, com uma toca cheia de eletrodos e seguiam as intruções do
pesquisador, que eram: para medir a atividade do sorriso Duchenne, era
solicitado que levantassem suas bochechas (o que acabaria fazendo os orbicularis a se contraírem). Para
servir de controle, outra etapa era levantarem os lábios para o alto, como nos
sorrisos sociais mesmo. A posição dessa musculatura tinha que ser sustentada
por 20 segundos. A atividade do lobo frontal medial, frontal lateral, anterior
temporal, central, posterior temporal, parietal e occipital foi medida através
de EEG (eletroencefalograma).
O EEG
mostrou que a atividade de ondas alfa era menor no sorriso Duchenne e bem mais
intensa em outros sorrisos; sabendo que intensas ondas alfa significam menor
ativação cerebral e vice-versa. No sorriso Duchenne, havia ativação bem
inferior das ondas alfas em comparação com os outros sorrisos, quando analisada
a região anterior da região temporal. Isso significa que o sorriso legítimo
provocou uma ativação cerebral muito maior das regiões relacionadas às emoções
positivas do que os sorrisos sociais.
Ekman e Davidson
ainda cogitaram a hipótese de essa diferença ocorrer por causas motoras,
afinal, o número de músculos envolvidos no sorriso legítimo é maior que nos
sociais. Para testar essa hipótese, também realizaram o EEG em voluntários
solicitados a mimetizarem a expressão de raiva por 20 segundos. Essa expressão
envolve a ação de mais músculos que a dos dois sorrisos. Os resultados
mostraram que a ativação da região anterior do lobo temporal não foi diferente
no lado esquerdo nem no direito, comparando com a expressão de alegria, ou
seja, não houve uma maior ativação cerebral por causa do maior recrutamento de
músculos para produzir a expressão de raiva. Assim, foi assumido que a ativação
diferencial no lobo esquerdo em relação ao sorriso Duchenne deveu-se à sua
natureza emocional mesmo, não à parte muscular/motora.
Esses
achados nos levam a concluir que a hipótese de Duchenne estava certa, sobre
fazer uma diferenciação entre diversos tipos de sorrisos. E outra coisa também
interessante é que como os voluntários do estudo não estavam naturalmente produzindo
esses sorrisos, não estavam, pelo menos inicialmente, sentindo realmente
alegria. Todavia, mesmo assim, a simples imitação de uma expressão de uma
emoção básica fez com que o cérebro reagisse diferente. Isso nos leva a supor
que a modificação do nosso comportamento pode realmente ser um ponto de partida
para modificar estados emocionais.
Referências
Referências
- Birdwhistell. R. (1970). Kinesics and Context. Philadelphia. PA. University of Pennsylvania Press.
- Duchenne, B. (1862). Mechanisme de la physionomie humaine ou analyse eletrophysiologique de l’ expression des passions. Paris: Bailliére: Duchenne, B. (1990) The Mechanism of Human Facial Expression or an Electro-physiological Analysis of the expression of the emotions (trans. A. Cuthbertson). New York: Cambridge University Press.
- Ekman, P. & Davidson, R. J. (1993) Voluntary Smiling Changes Regional Brain Activity, Psychological Science.
Beatriz Lannes · 650 semanas atrás
Felipe C Novaes 57p · 650 semanas atrás