sábado, 23 de julho de 2011

Quem é Javé?

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Todos conhecem aqueles folhetinhos que vira e mexe um testemunha de jeová coloca na nossa caixa de correio ou nos entrega na rua. Esses papéis contem fragmentos da visão religiosa que eles possuem sobre determinado assunto, mas, não sei se é por causa do pouco espaço ou se é por causa do público majoritário ao qual eles se dirigem (sem muita condição de compreender textos muito técnicos e complexos) ou se é porque a visão de quem os escreve é estreita mesmo, mas esses textos apresentam visões tão ingênuas que não sei como alguém pode levar aquilo à sério. Um dia desses um desses foi deixado na minha caixa de correio. Dependendo do assunto (e do meu humor no dia) eu dou uma olhada, apesar de os raciocínios simplistas e deturpados quase sempre me impedirem de ir até o final. Dessa vez, eu li um pequeno folheto sobre Quem é Jeová?.



Os dizeres começam narrando uma parte da exploração do Camboja pelo explorador francês Henri Mouhot. Lá ele encontra o templo Angkor Wat e se maravilha com o maior monumento religioso do planeta. Então é dito que, apesar de ser uma estrutura construída há centenas de anos atrás, Mouhot não teve dúvidas de que aquilo tinha sido obra humana, um projeto humano.


 Daí, ocorre um salto em que o autor do livreto dos testemunhas de Jeová, fala que a Bíblia, “um livro de sabedoria escrito séculos atrás” (nisso ele estava certo), chegou a um raciocínio similar, declarando:  “Cada casa, naturalmente, é construída por alguém, mas quem construiu todas as coisas é Deus.” (Hebreus 3:4). Depois argumenta que nem todos os cientistas concordam que as obras da natureza são diferentes das do homem. Aí, obviamente, antecipando uma possível refutação. Em seguida, para dar um ar de autoridade, cita a fala de um “professor-adjunto de Bioquímica da Universidade de Lehigh, Pensilvânia, EUA”: “os sistemas bioquímicos não são sistemas inanimados”. E prossegue dizendo que, hoje, os cientistas conseguem projetar “mudanças básicas em organismos vivos através de métodos como a engenharia genética. Assim, tanto as coisas animadas como as inanimadas podem ser ‘construídas’!”. Daí, todos muito felizes concluem que o próprio mundo natural é fruto de um...adivinhem o que....PROJETO! 


O engraçado é que eu lembro que quando os cientistas estavam longe de conseguirem recriar a vida ou seja o que for que está presente na natureza, como compostos inanimados, os religiosos afirmavam coisas como: “Ah, tá vendo? O homem não pode recriar a natureza porque só quem tem esse poder é Deus! Viu!? Isso prova que Deus existe!” . Agora que o homem demonstrou esse poder,  os religiosos afirmam que isso é prova de que a natureza manifesta indícios de que foi projetada por Deus, assim como o homem consegue projetá-la. Isso deixa claro, como sempre, o jogo de “cara eu ganho, coroa vc perde” do qual os crentes sempre se aproveitam. 

Quem é Javé, segundo eles?

Mas quem é esse projetista que criou a natureza? - nos pergunta o autor do folheto. Claro, a resposta é Deus, dito lá como Jeová: “No princípio Deus criou os céus e a terra” (Gênesis 1:1). Claro, para um religioso essa resposta satisfaz. O problema está no fato de que é simplesmente aceito que um ser superior, Jeová, tenha criado tudo de uma forma misteriosa, falando ou, sei lá, estalando os dedos. Aqui acho que cabe uma comparação com as religiões orientais, que possuem diferenças básicas para o pensamento Ocidental. Lá, também é dito que Deus criou o Céu e a Terra, talvez não exatamente dessa forma, mas as pessoas não ignoravam as descobertas da ciência. E isso ocorre porque lá existe a consciência de que a palavra “Deus” (como é traduzida aqui) se refere a uma idéia, que tem a ver com a nossa harmonia com o Universo, com a consciência de que somos parte dele e não algo separado. Lá não existe a visão que pretensiosamente quer se fazer científica, ou seja, factual, física. Como eu já disse aqui em outros posts (O Homem Mitológico, por exemplo) http://nerdworkingbr.blogspot.com/2011/05/o-homem-mitologico.html , os orientais talvez tenham conservado mais fielmente a intenção ada mitologia, que é a de oferecer significado ao mundo, e não de oferecer uma explicação factual pra o como o mundo é como é. O como é tarefa da ciência, o porquê, que é subjetivo, é de responsabilidade do mito. Para as religiões Ocidentais, parece que não existe diferença entre os dois ou então, é como se a mitologia fosse explicitamente a resposta para o como


Historicamente, quem é Javé?
Os textos religiosos sempre mostram a face mais devocional de Deus, ou seja, nada mais mostram do que a perspectiva da crença. Mas, historicamente, como nasceram essas concepções aceitas hoje por cristãos e judeus? 


Baal em estilo romano
Ao que os indícios arqueológicos disponíveis até agora indicam, o famoso Javé, ou Jeová, tem origem numa mistura de conceitos de povos diferentes. Na própria Bíblia, por incrível que pareça, há sinais disso. Em alguns poemas da Bíblia dão a entender que Javé era uma divindade de regiões chamadas Teiman e Paran. Essas eram regiões desérticas que ficavam para além das fronteiras dos autores do Antigo Testamento, localizados em Canaã, hoje o que corresponde à Israel, Síria e Líbano. Não há certeza de quais lugares correspondem a esses hoje, já que os nomes vão mudando no decorrer dos séculos. "Mas arqueólogos supõem que essa região seja no noroeste da atual Arábia Saudita", diz Mark Smith, professor de estudos bíblicos da Universidade de Nova York. Essas regiões já eram disputadíssimas há milênios, e eram divididas por povos diferentes (isralitas, hititas, jebedeus), com crenças diferentes, apesar de culturas parecidas. Inclusive, reverenciavam o mesmo panteão de deuses, mas Javé ainda não era um deles. “Outra evidência disso é a associação de seu nome com os chamados shasu. Shasu é um termo egípcio que significa "nômade" ou "beduíno". Algumas inscrições egípcias mencionam um ‘Javé dos Shasu’.” Então, uma possibilidade é que tribos do deserto, adoradoras de Javé, tenham se incorporado à tribo dos israelitas, levando consigo a crença no novo deus. Assim, mais um deus foi incorporado à mitologia dos cananeus.
Há o pai dos deuses e dos homens, o idoso, bondoso e barbudo El; sua esposa, Asherah, deusa da vegetação e da fertilidade; a filha dos dois, Anat, feroz deusa do amor; e o filho adotivo do casal, Baal, deus da guerra e da tempestade que morre, ressuscita e derrota as divindades malignas Yamm (o Mar) e Mot (a Morte).  
Vale lembrar também, que os cananeus eram henoteístas, isto é, eram politeístas, mas cada unidade, que pode ser uma tribo, era adoradora de um deus específico, apesar de não negar a existência dos outros. É como no hinduísmo, onde existem várias tribos reconhecendo a existência de milhões de deuses, mas cada uma adora especificamente um deles. Assim, alguns estudiosos acham que a tribo dos israelitas eram adoradores do deus El, já que o próprio nome “israel” possui o nome da divindade incorporado; um nome chamado de teofórico, segundo Airton José da Silva, professor de Antigo Testamento da Arquidiocese de Ribeirão Preto.


A Ascensão de Javé
Como vimos, Javé não era o que podemos chamar de deus central na mitologia cananeia. Mas aos poucos o deus barbudo parece ter ido tomando lugar cada vez mais destacado na mitologia e nas tribos d região. Prova disso é o Salmo 82, na Bíblia. Ali, somos apresentados a uma espécie de “conselho jedi” divino, onde Javé já é apresentado como o deus único.  
"Deus se levanta no conselho divino,/em meio aos deuses ele julga:/"Até quando vocês julgarão injustamente,/sustentando a causa dos injustos? (...) "Eu declaro: embora vocês sejam deuses,/e todos filhos do Altíssimo,/morrerão como qualquer homem".  
Mas, não esqueçamos do deus guerreiro da mitologia cananéia, Baal. Segundo Mark Smith e outros especialistas, Javé acaba se baalizando, vrindo uma mistura de El, como visto, e Baal, com predominância do segundo.

- As evidências dessa relação são numerosas. A primeira é que ambos são relacionados a fogo, terremotos, vulcões, tempestades e ambos são guerreiros invencíveis, além de habitarem montanhas: Baal habita o lendário monte Zafon, Javé, no Sinai. 

- Na mitologia de Canaã, Baal é que derrota o deus do mar, Yamm. No Antigo Testamento, o mesmo episódio é contado, e adivinha quem ganha a batalha no ugar de Baal? Javé. 

Uma das diferenças é que para os cananitas, seus deuses, inclusive Baal, só agiam no passado mítico do povo, assim como na maioria das mitologias ocidentais, inclusive. Para a tribo dos israelitas, não. Javé também agia no presente do povo.  É literalmente o senhor dos exércitos de Israel, aquele que comanda seus exércios em troca da adoração do povo. 

Javé Veio Pra Ficar
Mas, com o tempo, por questões políticas que podem ficar claras lendo a bibliografia indicada, Josias, o Rei de Judá, acabou proibindo a adoração de outros deus que não Javé. Na época, Javé provavelmente era o deus mais popular do panteão, principalmente porque ele era o deus guerreiro do local, e Israel vivia se metendo em confusão. Mas um problema nasceu dessa situação. Javé começou a compor a personalidade do novo deus nascido: Javé. Mas essa incorporação só se deu considerando a face guerreira de Baal. O deus também era aquele responsável pela colheita, e com a proibição da adoração de outros deus que não Javé, os israelitas ficaram sem ter uma divindade secundária para regar suas plantinhas. Então, alguns israelitas vez ou outra apelavam para a adoração de Baal. E na própria Bíblia também encontramos esses dados. Quem não se lembra de Moisés furioso quando volta do Monte Sinai e vê o seu povo adorando um bezerro de ouro? Pois é, o bezerro era o símbolo de Baal. 

É sempre um choque de realidade acompanharmos a história de figuras religiosas tão naturais em nosso tempo que parece até que elas sempre existiram da forma como são hoje. Mas a verdade é que até os deuses das mitologias e religiões ao redor do mundo tem suas próprias histórias ligadas aos fatos históricos relacionados aos povos criadores da crença. Até o deus judaico-cristão tem sua história e, quem diria, só existe por causa de crenças anteriores que posteriormente foram combatidas pelos próprio judeus. 

Bibliografia Consultada:

 http://super.abril.com.br/religiao/deus-biografia-610975.shtml