Todos conhecem aqueles folhetinhos que vira e mexe um
testemunha de jeová coloca na nossa caixa de correio ou nos entrega na rua.
Esses papéis contem fragmentos da visão religiosa que eles possuem sobre
determinado assunto, mas, não sei se é por causa do pouco espaço ou se é por
causa do público majoritário ao qual eles se dirigem (sem muita condição de
compreender textos muito técnicos e complexos) ou se é porque a visão de quem
os escreve é estreita mesmo, mas esses textos apresentam visões tão ingênuas
que não sei como alguém pode levar aquilo à sério. Um dia desses um desses foi
deixado na minha caixa de correio. Dependendo do assunto (e do meu humor no
dia) eu dou uma olhada, apesar de os raciocínios simplistas e deturpados quase
sempre me impedirem de ir até o final. Dessa vez, eu li um pequeno folheto
sobre Quem é Jeová?.
Os dizeres começam narrando uma parte da exploração do
Camboja pelo explorador francês Henri Mouhot. Lá ele encontra o templo Angkor
Wat e se maravilha com o maior monumento religioso do planeta. Então é dito
que, apesar de ser uma estrutura construída há centenas de anos atrás, Mouhot
não teve dúvidas de que aquilo tinha sido obra humana, um projeto humano.
Daí, ocorre um salto
em que o autor do livreto dos testemunhas de Jeová, fala que a Bíblia, “um
livro de sabedoria escrito séculos atrás” (nisso ele estava certo), chegou a um
raciocínio similar, declarando: “Cada
casa, naturalmente, é construída por alguém, mas quem construiu todas as coisas
é Deus.” (Hebreus 3:4). Depois argumenta que nem todos os cientistas concordam
que as obras da natureza são diferentes das do homem. Aí, obviamente,
antecipando uma possível refutação. Em seguida, para dar um ar de autoridade,
cita a fala de um “professor-adjunto de Bioquímica da Universidade de Lehigh,
Pensilvânia, EUA”: “os sistemas bioquímicos não são sistemas inanimados”. E
prossegue dizendo que, hoje, os cientistas conseguem projetar “mudanças básicas
em organismos vivos através de métodos como a engenharia genética. Assim, tanto
as coisas animadas como as inanimadas podem ser ‘construídas’!”. Daí, todos
muito felizes concluem que o próprio mundo natural é fruto de um...adivinhem o
que....PROJETO!
O engraçado é que eu lembro que quando os cientistas estavam
longe de conseguirem recriar a vida ou seja o que for que está presente na
natureza, como compostos inanimados, os religiosos afirmavam coisas como: “Ah, tá vendo? O homem não pode recriar a
natureza porque só quem tem esse poder é Deus! Viu!? Isso prova que Deus
existe!” . Agora que o homem demonstrou esse poder, os religiosos afirmam que isso é prova de que
a natureza manifesta indícios de que foi projetada por Deus, assim como o homem
consegue projetá-la. Isso deixa claro, como sempre, o jogo de “cara eu ganho, coroa vc perde” do qual
os crentes sempre se aproveitam.
Quem é Javé, segundo eles?
Mas quem é esse projetista que criou a natureza? - nos
pergunta o autor do folheto. Claro, a resposta é Deus, dito lá como Jeová: “No
princípio Deus criou os céus e a terra” (Gênesis 1:1). Claro, para um religioso
essa resposta satisfaz. O problema está no fato de que é simplesmente aceito
que um ser superior, Jeová, tenha criado tudo de uma forma misteriosa, falando
ou, sei lá, estalando os dedos. Aqui acho que cabe uma comparação com as
religiões orientais, que possuem diferenças básicas para o pensamento
Ocidental. Lá, também é dito que Deus criou o Céu e a Terra, talvez não
exatamente dessa forma, mas as pessoas não ignoravam as descobertas da ciência.
E isso ocorre porque lá existe a consciência de que a palavra “Deus” (como é
traduzida aqui) se refere a uma idéia, que tem a ver com a nossa harmonia com o
Universo, com a consciência de que somos parte dele e não algo separado. Lá não
existe a visão que pretensiosamente quer se fazer científica, ou seja, factual,
física. Como eu já disse aqui em outros posts (O Homem Mitológico, por exemplo)
http://nerdworkingbr.blogspot.com/2011/05/o-homem-mitologico.html , os
orientais talvez tenham conservado mais fielmente a intenção ada mitologia, que
é a de oferecer significado ao mundo, e não de oferecer uma explicação factual
pra o como o mundo é como é. O como é tarefa da ciência, o porquê, que é subjetivo, é de
responsabilidade do mito. Para as religiões Ocidentais, parece que não existe
diferença entre os dois ou então, é como se a mitologia fosse explicitamente a
resposta para o como.
Historicamente,
quem é Javé?
Os textos
religiosos sempre mostram a face mais devocional de Deus, ou seja, nada mais
mostram do que a perspectiva da crença. Mas, historicamente, como nasceram
essas concepções aceitas hoje por cristãos e judeus?
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Baal em estilo romano |
Ao que os
indícios arqueológicos disponíveis até agora indicam, o famoso Javé, ou Jeová,
tem origem numa mistura de conceitos de povos diferentes. Na própria Bíblia,
por incrível que pareça, há sinais disso. Em alguns poemas da Bíblia dão a
entender que Javé era uma divindade de regiões chamadas Teiman e Paran. Essas
eram regiões desérticas que ficavam para além das fronteiras dos autores do
Antigo Testamento, localizados em Canaã, hoje o que corresponde à Israel, Síria
e Líbano. Não há certeza de quais lugares correspondem a esses hoje, já que os
nomes vão mudando no decorrer dos séculos. "Mas arqueólogos supõem
que essa região seja no noroeste da atual Arábia Saudita", diz Mark Smith,
professor de estudos bíblicos da Universidade de Nova York. Essas regiões já
eram disputadíssimas há milênios, e eram divididas por povos diferentes
(isralitas, hititas, jebedeus), com crenças diferentes, apesar de culturas
parecidas. Inclusive, reverenciavam o mesmo panteão de deuses, mas Javé ainda
não era um deles. “Outra evidência disso é a associação de seu nome com os
chamados shasu. Shasu é um termo egípcio que significa "nômade" ou
"beduíno". Algumas inscrições egípcias mencionam um ‘Javé dos Shasu’.”
Então, uma possibilidade é que tribos do deserto, adoradoras de Javé, tenham se
incorporado à tribo dos israelitas, levando consigo a crença no novo deus.
Assim, mais um deus foi incorporado à mitologia dos cananeus.
Há o pai dos deuses e dos homens, o idoso, bondoso e barbudo El; sua esposa, Asherah, deusa da vegetação e da fertilidade; a filha dos dois, Anat, feroz deusa do amor; e o filho adotivo do casal, Baal, deus da guerra e da tempestade que morre, ressuscita e derrota as divindades malignas Yamm (o Mar) e Mot (a Morte).
Vale lembrar também, que os cananeus eram henoteístas, isto é, eram politeístas,
mas cada unidade, que pode ser uma tribo, era adoradora de um deus específico,
apesar de não negar a existência dos outros. É como no hinduísmo, onde existem
várias tribos reconhecendo a existência de milhões de deuses, mas cada uma
adora especificamente um deles. Assim, alguns estudiosos acham que a tribo dos
israelitas eram adoradores do deus El, já que o próprio nome “israel” possui o
nome da divindade incorporado; um nome chamado de teofórico, segundo Airton José da Silva, professor de Antigo
Testamento da Arquidiocese de Ribeirão Preto.
A Ascensão de Javé
Como vimos, Javé não era o que podemos chamar de deus
central na mitologia cananeia. Mas aos poucos o deus barbudo parece ter ido
tomando lugar cada vez mais destacado na mitologia e nas tribos d região. Prova
disso é o Salmo 82, na Bíblia. Ali, somos apresentados a uma espécie de “conselho
jedi” divino, onde Javé já é apresentado como o deus único.
"Deus se levanta no conselho divino,/em meio aos deuses ele julga:/"Até quando vocês julgarão injustamente,/sustentando a causa dos injustos? (...) "Eu declaro: embora vocês sejam deuses,/e todos filhos do Altíssimo,/morrerão como qualquer homem".
Mas, não esqueçamos do
deus guerreiro da mitologia cananéia, Baal. Segundo Mark Smith e outros
especialistas, Javé acaba se baalizando, vrindo uma mistura de El, como visto,
e Baal, com predominância do segundo.
- As evidências dessa relação são numerosas. A primeira é
que ambos são relacionados a fogo, terremotos, vulcões, tempestades e ambos são
guerreiros invencíveis, além de habitarem montanhas: Baal habita o lendário
monte Zafon, Javé, no Sinai.
- Na mitologia de Canaã, Baal é que derrota o deus do mar, Yamm.
No Antigo Testamento, o mesmo episódio é contado, e adivinha quem ganha a
batalha no ugar de Baal? Javé.
Uma das diferenças é que para os cananitas, seus deuses,
inclusive Baal, só agiam no passado mítico do povo, assim como na maioria das
mitologias ocidentais, inclusive. Para a tribo dos israelitas, não. Javé também
agia no presente do povo. É literalmente
o senhor dos exércitos de Israel, aquele que comanda seus exércios em troca da
adoração do povo.
Javé Veio Pra Ficar
Mas, com o tempo, por questões políticas que podem ficar
claras lendo a bibliografia indicada, Josias, o Rei de Judá, acabou proibindo a
adoração de outros deus que não Javé. Na época, Javé provavelmente era o deus
mais popular do panteão, principalmente porque ele era o deus guerreiro do
local, e Israel vivia se metendo em confusão. Mas um problema nasceu dessa
situação. Javé começou a compor a personalidade do novo deus nascido: Javé. Mas
essa incorporação só se deu considerando a face guerreira de Baal. O deus
também era aquele responsável pela colheita, e com a proibição da adoração de
outros deus que não Javé, os israelitas ficaram sem ter uma divindade secundária
para regar suas plantinhas. Então, alguns israelitas vez ou outra apelavam para
a adoração de Baal. E na própria Bíblia também encontramos esses dados. Quem
não se lembra de Moisés furioso quando volta do Monte Sinai e vê o seu povo
adorando um bezerro de ouro? Pois é, o bezerro era o símbolo de Baal.
É sempre um choque de realidade acompanharmos a história de
figuras religiosas tão naturais em nosso tempo que parece até que elas sempre
existiram da forma como são hoje. Mas a verdade é que até os deuses das
mitologias e religiões ao redor do mundo tem suas próprias histórias ligadas
aos fatos históricos relacionados aos povos criadores da crença. Até o deus
judaico-cristão tem sua história e, quem diria, só existe por causa de crenças
anteriores que posteriormente foram combatidas pelos próprio judeus.
Bibliografia Consultada:
http://super.abril.com.br/religiao/deus-biografia-610975.shtml
Horley Rodrigues · 715 semanas atrás
É... sei que você se interessa pela História, mas não é historiador, então, lá vai uma dica,
não acredite em tudo que ler antes de investigar a veracidade dos fatos!!
Como sempre, observo em seus comentários fragmentos de textos colhidos de
pesquisadores que formaram conceitos a partir de interpretações particulares, uma vez
que não há consenso entre os pesquisadores a respeito do surgimento das religiões ou
(como preferir) dos mitos.
Horley Rodrigues · 715 semanas atrás
Como esse espaço é pequeno para uma discussão mais aprofundada, sugiro que
possamos discutir isso em alguma grupo do Café. Que tal História da Bíblia?
De antemão posso assegurar que todos esses questionamentos tem resposta, o
que falta é um conhecimento realmente aprofundado da Bíblia. (...) JEOVÁ TEM ORIGEM NUMA MISTURA DE CONCEITOS DE POVOS DIFERENTES(...) rs rs rs
De toda forma quero parabenizá-lo pelo post. Estou sempre vasculhando seu blog.
Felipe C Novaes 57p · 715 semanas atrás
Bom, de qualquer forma, os paralelos elucidados por esse ponto de vista são inegáveis.
E não me surpreende muito o fato de podermos encontrar elementos de divindades de povos de regiões próximas com o próprio Javé, afinal, esse tipo de fenômeno é algo encontrado por toda a mitologia. Regiões próximas sempre acabam se influenciando culturalmente. Bom, se quiser abrir um tópico sobre esse assunto lá na comunidade, fique à vontade. Caso vc não o faça, depois eu dou uma passada lá.
Grande abraço! Continue acompanhando e manifestando suas discordâncias.
chimas · 714 semanas atrás
Gostei muito dos temas aqui abordados!
Adicionei aqui nos favoritos!
Tô seguindo!
Segue o meu também ae, valeu? http://downloads-e-outras-bugigangas.blogspot.com...
Sucesso com o blog ae!
Felipe C Novaes 57p · 714 semanas atrás