segunda-feira, 14 de maio de 2012

Estereótipos: uma questão puramente cultural. Ou não.

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Estereótipos geralmente são vistos como informações equivocadas e às vezes até ofensivas. Parece que o simples fato de encaixarmos uma pessoa, ou uma característica de uma pessoa, num grupo específico é uma atitude segregadora e preconceituosa. Mas, nunca me saiu da cabeça a possibilidade (às vezes até a constatação) de certos estereótipos corresponderem à realidade. Talvez um dos estereótipos mais difundidos seja a preferência de meninos por carrinhos e objetos geralmente relacionados à mecânica, e a de meninas por bonecas, rostos e bebês (bonecos). A maioria das pessoas acharia óbvio que essas predileções se originam de convenções sociais. Bom, não é bem por aí. Uma boa quantidade de estudos com humanos echimpanzés sugere que esse dimorfismo sexual tem suas raízes na biologia - ou que, pelo menos, é uma questão cultural que tem suas raízes na biologia (Para saber mais sobre isso leia: Inato X Aprendido e Inato X Aprendido 2). 
Para testar a natureza dos estereótipos atribuídos a meninos e meninas e suas preferências de brincadeiras, 60 bebês (36 meninos e 24 meninas) foram recrutados em clínicas locais e por meio de publicações médicas. Nenhum era prematuro. O acompanhamento dessas crianças se deu por alguns meses porque a experiência iria avaliá-los em diferentes períodos: aos 3, 9 e 18 meses de vida. 

No experimento, o bebê ficava no colo da mãe a uma distância de 60 centímetros de dois monitores onde, entre eles, ficava uma câmera que registraria o tempo que cada bebê gastaria olhando para as telas. Cada um dos monitores exibia um brinquedo, de acordo com os estereótipos de gênero indicados por dois pesquisadores (Berenbaum e Snyder, 1995). Assim, quando um exibia um brinquedo masculino, o outro exibia um feminino e vice-versa.

Na segunda parte, os bebês assistiam a diversos videos de crianças de 6 e 7 anos brincando. O sexo das crianças dos videos era sempre igual ao da espectadora, e no video, as crianças apareciam brincando também de acordo com os estereótipos (Fagot e Leinbach, 1989).

Resultados
  • A partir de 3 meses, os bebês do sexo masculino tendiam a olhar mais para os rostos dos meninos
    do que as meninas.
  • Aos 9 meses, os meninos olhavam mais tempo para brinquedos ditos masculinos do que para os
    ditos femininos.
  • A partir de 9 meses, os meninos olhavam muito mais para os menininhos no vídeo que apareciam
    brincando de caubói e pulando, do que as meninas.
 
Querendo definir mais precisamente a natureza dessas preferências, se a influência maior era da cultura ou de característias biológicas, pesquisadores resolveram observar o comportamento de 100 recém-nascidos. O objetivo da pesquisa era observar como eles reagiam quando lhes era apresentado um rosto ou um móbile (objeto físico-mecânico). Os resultados mostraram que os menininhos olhavam móbiles por mais tempo do que as menininhas, que por sua vez, observavam rostos por mais tempo. Para os pesquisadores, esse experimento mostra de maneira clara a origem biológica desse dimorfismo sexual entre homens e mulheres (Conellan, Baron-Cohen, Wheelwright, Batki, Ahluwalia, 2001).

Para assegurar a validade dos resultados dessa pesquisa, em 2002 ela foi reproduzida pelos pesquisadores Lutchmaya e Baron-Cohen, com 60 bebês de 12 meses (meninos e meninas). Foram mostradas às crianças carrinhos e rostos. E, assim como no estudo anterior, meninas observaram por mais tempo os rostos e os meninos, os carrinhos.

Outros estudos parecem se relacionar com esses, convergindo para os mesmos resultados. Mas, curiosamente, são estudos com primatas não-humanos, como os chimpanzés (Pan troglodytes). Segundo os primatologistas Sonya Kahlberg, do Bates College, e Richard Wrangham, da Universidade Harvard, nos EUA, as macacas jovens, às vezes, “brincam de boneca”. Eles estudaram 68 chimpanzés que vivem em liberdade. Foi analisado como eles lidavam com gravetos e pedaços de galhos de árvores. Os animais foram acompanhados por dois anos no Parque Nacional de Kibale, em Uganda. Foi descoberto que além do uso como armas e ferramentas para buscar água, mel e cupins em cavidades profundas em buracos e troncos de árvore, eles também brincavam com os gravetos! Os primatologistas observaram que mais de 40% do tempo passado com galhos foi dedicado a brincadeiras de “casinha”, em que os galhos eram levados para lá e para cá e eram embalados nos braços das fêmeas, como se ninassem um filhote (Mente & Cérebro, 2011). E não eram só as fêmeas que usavam os gravetos para atividades lúdicas:
O exemplo mais incrível foi o de um macho de 8 anos que pegou uma pequena tora e a colocou em um ninho e ‘brincou de avião’” diz Wrangham da Universidade de Harvard ao Discovery News: “Ele deitou sobre suas costas segurando a tora sobre as palmas de seus pés e mãos, movendo-a de um lado ao outro.” (retirado e traduzido por Bule Voador http://bulevoador.haaan.com/2010/12/19374)
E prossegue:
 A brincadeira de ‘avião’ é algo que os humanos fazem com seus filhos, e as mães chimpanzés também.” E continua: “Mais tarde esse macho, Kakama, fez um pequeno ninho onde colocou a tora, antes de ir para seu próprio ninho.” (retirado e traduzido por Bule Voador)
Wrangham afirma, ainda, que os chimpanzés machos manifestavam uma nítida preferência por bolas e carrinhos quando eram apresentados a, além desses dois, potes e bonecas. As fêmeas preferiam lidar mais com os potes e com as bonecas.

Por muito tempo acreditou-se que as diferenças entre homens e mulheres eram produzidas socialmente, de forma que, se criássemos um filho dando a ele bonecas ele iria crescer com preferência por bonecas e não por brinquedos tipicamente masculinos. Não passariam de estereótipos culturais. Parece que, como acontece inúmeras vezes, a nossa razão não foi tão boa em prever cenários, tendo sido mais elucidativo aliar nossa racionalidade com a experimentação. Ainda assim, alguns estudiosos preferem ignorar essas pesquisas, alegar simplesmente que não acreditam nos resultados ou mesmo dizer que tudo não passa de construção histórica e social. Os experimentos falam por si mesmos. A cada dia que passa, Darwin se mostra mais correto, em A Expressão das Emoções nos Homens e nos Animais, quando nos diz que o homem compartilha sua natureza com os outros animais não-humanos não só em relação à anatomia, mas em relação a muitos aspectos do comportamento também. Claro que o ambiente pode modular nossas habilidades e propensões, exaltando ou neutralizando-as até certo ponto, mas nossa base evolutiva sempre fará ouvir sua voz.

Referências
  • Brincando de ser mãe: chimpanzés fêmeas tratam galhos como se fossem boneca, Mente & Cérebro, nº 221, Duetto, 2011.
  • CICCOTI, Serge, É verdade que os meninos gostam decarrinhos e as meninas, de bonecas? Experimentos essenciais de psicologia, São Paulo: Duetto Editorial, 2010.
  • VIEGAS, Jennifer; Female chimps play with stick dolls, Discovery News, 2010. http://news.discovery.com/animals/female-chimps-dolls-sticks-101220.html
  • BERENBAUM, S. A. e E. Snyder, Early hormonal influences on childhood sex-typed activity and playmate
    preferences: implications for the development of sexual orientation; Developmental Psychology; 31, págs. 1-42, 1995.
  • FAGOT, B. e M. Leinbach, The young child’s gender schema: environmental input, internal organization,
    Child Development, 60, págs. 663-672, 1989.
  • CONELLAN, J., S. Baron-Cohen, S. Wheel Wright, A. Batki. E J. Ahluwalia, Sex differences in human neonatal social perception, Infant Behavior and Development, 23, págs. 113-118, 2001.