quarta-feira, 16 de maio de 2012

A capitalização da religião no Brasil

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Eliane Brum, colunista da Revista Época, escreveu um excelente texto intitulado A dura vida dos ateus em um Brasil cada vez mais evangélico. Ela conta a história de uma jornalista que pega um taxi e acaba entrando numa conversa com o motorista, que revela ser evangélico. A revelação em si do taxista é interessante pois ela acontece quando ele comenta que precisa ler mais para melhor seu português e que morre de vontade de ler é a Bíblia. 


 A realidade literária no Brasil  
Isso nos revela uma realidade muito comum no Brasil. Se acessarmos qualquer lista disponível na internet sobre os livros mais lidos no Brasil, encontraremos títulos de autores como Augusto Cury (um psicólogo com afirmações duvidosas e livros que fazem metade da população achar que psicologia é sinônimo de auto-ajuda), livros espíritas e religiosos em geral. Mas tal ação nem é necessária, basta prestarmos atenção nos passageiros de ônibus. Geralmente, os livros que estão em suas mãos são de auto-ajuda ou alguma obra de ficção qualquer. Não que obras de ficção sejam ruins, mas valorizo a idéia de contrabalançarmos a leitura desses livros com livros de divulgação científica, por exemplo. Isso nos faria um povo mais cético e menos enganável, e também mais conscientes em vários níveis. Mas fico otimista por ver que existem muitos livros de qualidade como top nas listas de livros mais lidos da Veja

 A Capitalização da Religião

 

Essa realidade literária no Brasil está conectada de certa forma com o crescimento da religião no país, principalmente das igrejas evangélicas. Vivemos uma época em que não basta ser bom, ético, amoroso e respeitar e amar o próximo, é preciso crer em Jesus, dizem os evangélicos. Acredito que essa seja a visão do cristianismo como um todo desde sempre, mas com o molde de culto das religiões evangélicas, esse conceito está tomando novos contornos.

 
Pelo menos parte dessa nova tendência aumenta por causa da incorporação da lógica capitalista na religião. Para sermos bons e respeitarmos o próximo não precisamos ir numa igreja e participar de cultos, mas para crer em Jesus essa é uma atividade fundamental, e esse é visto como o dever número um do crente. A Igreja acaba sendo vista como um tipo de órgão que oferece serviços em troca de retribuições – o dízimo. A estrutura das igrejas precisa ser mantida de alguma forma, e essa forma é através do dinheiro, afinal, é esse o motor no mundo capitalista. E para ter esse motor, é preciso ter uma boa quantidade de fiéis contribuindo, freqüentando. E o fiel, por sua vez, só vai regularmente aos cultos se tiver algo que o atraia ali, logicamente. Para essa lógica ser mantida as igrejas precisam oferecer serviços, como óleos “vindos diretos de Israel”, relíquias sagradas, sessões de libertação e etc.  Nas palavras de Eliane:

É preciso que os fiéis estejam dentro das igrejas – e elas estão sempre de portas abertas – para consumir um dos muitos produtos milagrosos ou para serem consumidos por doações em dinheiro ou em espécie. O templo é um shopping da fé, com as vantagens e as desvantagens que isso implica.

Os ateus como ameaça 

Nesse contexto, acaba que o ateísmo passa a ser o inimigo número 1. Os ateus, ao contrário de pessoas adeptas de outras crenças, são muito mais difíceis de serem convencidos e convertidos, daí, eles tem que ser demonizados para que os fiéis não sejam contaminados com a dúvida ateísta.

 

A Igreja Católica (nunca tinha pensado nisso, mas o artigo da Eliane acabou me fazendo pensar que há lógica no argumento) parece ser bem mais amena com relação ao ateísmo. Para manter sua multidão de fiéis, investe em estratégias mais conservadoras, como manter a tradição milenar que veio construindo ao longo dos séculos. No entanto, parece também usar a estratégia engenhosa de manter outra frente empregando meios pop de conversão, não muito diferente da sua contra-parte protestante.
Como uma espécie de vanguarda, que contém o avanço das tropas “inimigas” lá na frente sem comprometer a integridade do exército que se mantém mais atrás, padres pop star como Marcelo Rossi e movimentos como a Canção Nova têm sido estratégicos para reduzir a sangria de fiéis para as neopentecostais. Não fosse esse tipo de abordagem mais agressiva e possivelmente já existiria uma porção ainda maior de evangélicos no país.

Como efeito, está cada vez mais difícil ser ateu no Brasil. O termo em si soa como algo estranho já de cara, aos ouvidos de um religioso. A associação mais comum é que a religião é o que nos dota de amor, boas ações e sentimentos, então, se uma pessoa é atéia, ela não nutre nenhum desses sentimentos. Isso é uma falácia anciã. Claro que existe muito religioso que se difere desse grupo e que tem uma visão tolerante e compreensiva, mas eu acho que esses são minoria ou, talvez, os radicais sejam tão intensos em seu discurso que acabam dando a impressão de que são maioria. Encerro esse post com mais um parágrafo do artigo de Brum.
Tenho muitos amigos ateus. E eles me contam que têm evitado se apresentar dessa maneira porque a reação é cada vez mais hostil. Por enquanto, a reação é como a do taxista: “Deus me livre!”. Mas percebem que o cerco se aperta e, a qualquer momento, temem que alguém possa empunhar um punhado de dentes de alho diante deles ou iniciar um exorcismo ali mesmo, no sinal fechado ou na padaria da esquina. Acuados, têm preferido declarar-se “agnósticos”. Com sorte, parte dos crentes pode ficar em dúvida e pensar que é alguma igreja nova.