Eliane
Brum, colunista da Revista Época, escreveu um excelente texto intitulado A dura vida dos ateus em um Brasil cada vez mais evangélico. Ela conta a história de uma jornalista que pega um taxi e acaba entrando numa
conversa com o motorista, que revela ser evangélico. A revelação em si do
taxista é interessante pois ela acontece quando ele comenta que precisa ler
mais para melhor seu português e que morre de vontade de ler é a Bíblia.
A realidade literária
no Brasil
Isso
nos revela uma realidade muito comum no Brasil. Se acessarmos qualquer lista
disponível na internet sobre os livros mais lidos no Brasil, encontraremos
títulos de autores como Augusto Cury (um psicólogo com afirmações duvidosas e
livros que fazem metade da população achar que psicologia é sinônimo de
auto-ajuda), livros espíritas e religiosos em geral. Mas tal ação nem é
necessária, basta prestarmos atenção nos passageiros de ônibus. Geralmente, os
livros que estão em suas mãos são de auto-ajuda ou alguma obra de ficção
qualquer. Não que obras de ficção sejam ruins, mas valorizo a idéia de
contrabalançarmos a leitura desses livros com livros de divulgação científica,
por exemplo. Isso nos faria um povo mais cético e menos enganável, e também mais conscientes em vários níveis. Mas fico otimista por ver que existem muitos livros de qualidade
como top nas listas de livros mais lidos da Veja.
A Capitalização da Religião
Essa realidade literária no Brasil está conectada de certa forma com o crescimento da religião no país, principalmente das igrejas evangélicas. Vivemos uma época em que não basta ser bom, ético, amoroso e respeitar e amar o próximo, é preciso crer em Jesus, dizem os evangélicos. Acredito que essa seja a visão do cristianismo como um todo desde sempre, mas com o molde de culto das religiões evangélicas, esse conceito está tomando novos contornos.
Pelo menos parte dessa nova
tendência aumenta por causa da incorporação da lógica capitalista na religião. Para
sermos bons e respeitarmos o próximo não precisamos ir numa igreja e participar
de cultos, mas para crer em Jesus essa é uma atividade fundamental, e esse é
visto como o dever número um do crente. A Igreja acaba sendo vista como um tipo
de órgão que oferece serviços em troca de retribuições – o dízimo. A estrutura
das igrejas precisa ser mantida de alguma forma, e essa forma é através do
dinheiro, afinal, é esse o motor no mundo capitalista. E para ter esse motor, é
preciso ter uma boa quantidade de fiéis contribuindo, freqüentando. E o fiel,
por sua vez, só vai regularmente aos cultos se tiver algo que o atraia ali,
logicamente. Para essa lógica ser mantida as igrejas precisam oferecer
serviços, como óleos “vindos diretos de Israel”, relíquias sagradas, sessões de
libertação e etc. Nas palavras de
Eliane:
Os ateus como ameaçaÉ preciso que os fiéis estejam dentro das igrejas – e elas estão sempre de portas abertas – para consumir um dos muitos produtos milagrosos ou para serem consumidos por doações em dinheiro ou em espécie. O templo é um shopping da fé, com as vantagens e as desvantagens que isso implica.
Nesse contexto, acaba que o ateísmo passa a ser o inimigo número 1. Os ateus, ao contrário de pessoas adeptas de outras crenças, são muito mais difíceis de serem convencidos e convertidos, daí, eles tem que ser demonizados para que os fiéis não sejam contaminados com a dúvida ateísta.
Como
uma espécie de vanguarda, que contém o avanço das tropas “inimigas” lá na
frente sem comprometer a integridade do exército que se mantém mais atrás,
padres pop star como Marcelo Rossi e movimentos como a Canção Nova têm sido
estratégicos para reduzir a sangria de fiéis para as neopentecostais. Não fosse
esse tipo de abordagem mais agressiva e possivelmente já existiria uma porção
ainda maior de evangélicos no país.
Tenho muitos amigos ateus. E eles me contam que têm evitado se apresentar dessa maneira porque a reação é cada vez mais hostil. Por enquanto, a reação é como a do taxista: “Deus me livre!”. Mas percebem que o cerco se aperta e, a qualquer momento, temem que alguém possa empunhar um punhado de dentes de alho diante deles ou iniciar um exorcismo ali mesmo, no sinal fechado ou na padaria da esquina. Acuados, têm preferido declarar-se “agnósticos”. Com sorte, parte dos crentes pode ficar em dúvida e pensar que é alguma igreja nova.