domingo, 27 de março de 2011

As Tentações do Buda e do Cristo

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Continuando a série de posts sobre os aspectos do cristianismo que sofreram influência, ou pelo menos não são exclusivos, de outras religiões, agora vou falar um pouco sobre a tentação que Jesus sofreu no deserto. 
 
Esse evento ocorre logo depois do batismo, em que logo depois Jesus embarca em sua jornada. O primeiro passo é sua ida ao deserto, onde é tentado (ou testado...) por satã (com letra minúscula obedecendo à tradução hebraica ou maiúscula
de acordo com a grega; saiba o porquê disso lendo o post sobre A Redenção do Maior Vilão deTodos os Tempos) por 40 dias. Existe uma semelhança clara entre esse episódio e o que acontece também com Buda logo após sua estadia com os 5 mendicantes no rio, no qual se banha e parte também para sua jornada. Ainda na margem do rio Buda recebe a visita de uma donzela de um bosque próximo e recebe dela uma tigela de leite. Com as forças retomadas (Buda ainda era um monge asceta nessa época, e esses monges passam longos períodos de jejum) ele parte caminhando em direção à Árvore da Iluminação. Ali ele recebe a visita de um demônio, Mara (Desejo e Morte), o deus que produz a ilusão do mundo. O tal demônio ofereceu ao Buda toda a glória do mundo, que seria o governo de todos os reinos, bem como os prazeres que, resumidamente, Buda possuía quando ainda levava a vida de Príncipe, em que todos os males e desprazeres do mundo eram tirados de seus olhos e vivia uma vida cheia de desejo. 
Desejo e medo da morte são as tentações essenciais nesse caso. No mundo cristão, ou judaico daquela época, vemos que a primeira tentação foi econômica, ou seja, Satã joga com o fato de Jesus estar faminto, em jejum por dias. Após isso temos a tentação que envolve a busca espiritual; depois temos um teste político, em que é oferecido a Jesus o governo de todos os reinos do mundo. Isso marca uma diferença fundamental entre a visão que nasce no Levante (o local que corresponde hoje a mais ou menos o Oriente Médio) e a que existia no cenário Budista e que mais tarde veio permear toda a conceituação cristã. Vemos que no caso de Jesus e Buda temos um Salvador do Mundo, que planeja estender suas graças por toda a humanidade (apesar de eles não fazerem nem idéia do real “tamanho” da humanidade a qual eles se referiam). O Messias esperado pelos judeus, bem como as salvações citadas por outras religiões do Levante, tinha um caráter político e regional, ou seja, existe uma referência a um governo político do mundo no pensamento judaico. Enquanto no Budismo prevalece a noção de um governo mais filosófico e psicológico. 

OBS: Antes de mais nada é preciso que tenhamos discernimento sobre as discrepâncias das narrativas bíblicas. Em Mateus, Marcos e Lucas, os chamados evangelhos sinóticos Jesus parte, após o batismo, em seguida para o deserto, onde será tetado pelo Diabo. Marcos é bastante claro sobre esse fato ao afirmar que Jesus partiu imediatamente para o deserto, permanecendo lá por 40 dias. Já o evangelho de João, curiosamente, não diz uma palavra sobre a tentação de Jesus no deserto. Em João 1:29-34 está dizendo que no dia seguinte, depois de João ter batizado Jesus e ter visto a pomba incidindo sobre ele, João Batista declara que Jesus é o Cordeiro de Deus. Então, Jesus começa a reunir seus discípulos e inicia sua pregação pública. Veja: como é possível que os dois evangelhos estejam ao mesmo tempo certos se um alega que Jesus permaneceu por 40 dias no deserto, após o batismo, e outro já nos fala que João Batista viu Jesus no dia seguinte ao batismo?

As fontes bíblicas usadas aqui como referência se baseiam na Bíblia de Jerusalém , Nova edição, revista e ampliada, São Paulo: Paulus, 2002.

Fontes / Saiba Mais 

-As Máscaras de Deus: Mitologia Ocidental - Joseph Campbell

-Quem Foi Jesus? Quem Não Foi Jesus? - Bart Ehrman