Às vezes é
bom fazermos coisas diferentes das quais costumamos fazer rotineiramente. Algumas
vezes é dolorosa e incômoda a experiência, afinal, não é muito confortável
sairmos de nosso ambiente conhecido e nos aventurarmos por territórios nunca
antes explorados. Isso vale para tarefas realmente físicas e para as
psicológicas. Pois foi o que tentei fazer, me aventurei a ler Paulo Coelho,
autor para o qual sempre olhei um tanto de lado por escrever livros sobre
bruxaria, crenças em geral, esoterismo e etc, sempre que via minha mãe e meu
pai lendo seus livros – tenho quase certeza que eles tem todo.
Sempre
enxerguei o cara como um esotérico doido desses que saem por aí falando de
energias, poder do pensamento e coisas bem típicas desse pessoal – como o
indiano Amit Goswami que
insiste em falar certos impropérios sob o aval da ciência. Tenho más
experiências com isso. Entretanto, muito inesperadamente, um dos sites que tem
o podcast que eu mais gosto – o Jovem Nerd
– gravou um programa exclusivo com o autor. Achei tão inusitado que nem tive o que pensar direito – nem críticas nem
elogios, somente a curiosidade se instalou. Azaghal, Paulo Coelho e Eduardo Spohr, retirado do blog do autor |
Tentei ouvir
o mais desprovido de preconceitos possível e o resultado foi que achei ele
tudo, menos um desses esotéricos malucos e deturpadores da ciência. Assim como
Eduardo Spohr, um dos
participantes do podcast, Paulo Coelho parecia saber separar muito bem aquilo
que é objeto científico daquilo que não tem a ver com esse tipo de estudo: o
simbólico. E isso me
impressionou. Assim como Joseph Campbell
– famoso mitólogo que esbanjava erudição e sabedoria – Jung e Mircea Eliade
(estou devendo ler alguns livros desses dois últimos), o autor parecia ser bem
sábio e culto ao mesmo tempo (ficou interessado? Ouça esse podcast excelente sobre os 3 no Mitografias)
Essa foi a
centelha que me despertou para a possível utilidade de um dia pegar e ler seus
livros. Mas ainda assim, me senti um tanto resistente depois e demorei mais de
um ano para ter coragem de ler algo dele. Resolvi pedir à minha mãe que me
emprestasse sua coleção. Estava atrás de seu primeiro livro de grande
circulação: O Alquimista . Não achei então, comecei O Diário de um Mago.
De fato, me
surpreendi. O livro mantém o mesmo tom do autor: sereno, erudito e sábio – bem
que o Jovem Nerd e Azaghal falaram que para conhecê-lo bastava ler seus livros.
Claro que ele aborda muitos assuntos que para mim são uma questão de metáfora,
de simbolismo, como questões às vezes que beiram o literal – apesar de eu ter
ficado em dúvida sobre se nas partes em que demônios e espíritos aparecem, se
na verdade não trata-se tudo de uma questão psicológica mesmo, bem aos moldes
do que diriam Campbell, Jung e Eliade.
Mas, o que
me prendeu, foi a simplicidade da estrutura da narrativa, e de como isso
conseguia, ao mesmo tempo, transmitir intrincadas e vertiginosas reflexões
sobre os mais diversos assuntos. É engraçado, mas há um tempo venho tentando me
dedicar à literatura e à experiência do zen budismo, e esse livro pareceu
“materializar” em uma história de ficção muito do que eu já andava lendo,
inclusive essa simplicidade do homem comum, que é onde encontra-se a verdadeira
sabedoria. Além disso, a obra fala sobre o Caminho, algo que é bem constante na
literatura zen budista,
e que li longamente nos livros de Joseph Campbell, principalmente em O Herói de Mil Faces.
Por último,
sem me alongar tanto, gostaria de falar mais duas coisas. A primeira, é que
ouvi muitas pessoas dizerem que Paulo Coelho era plagiador. Bom, pode ser, mas o
que percebi foi que ele aborda temas clássicos em todas as mitologias e
religiões, e mesmo na filosofia grega. Isso implica no fato de que as próprias
religiões vivem se repetindo em seus temas essenciais, apesar às vezes a
metáfora não ser a mesma: como exemplo posso itar o próprio arquétipo do herói
que morre e depois renasce, seja literal ou simbolicamente, como Jesus,
Ulisses, Mitra e Hórus, só para citar alguns. Então, pela natureza do tema
abordado, essa repetição – confundido com plágio – foi natural, talvez
necessária também.
E, por
último, queria dizer uma hipótese minha. Acho que para ler Paulo Coelho é
preciso ter olhos para isso. Quero dizer que não adianta pegar o livro cheio de
idéias preconcebidas e aplicá-las ali. Por exemplo, não adianta sair dizendo
que essa história de Caminho não existe porque não foi comprovado
cientificamente, ou que as entidades que aparecem ali não existem pelo mesmo
motivo. O livro dá a entender o tempo todo que trata-se tudo de uma experiência
psicológica, e não factual, empírica no sentido de os objetos que a ciência
estuda. É uma experiência pessoal e
psicológica. Nesse sentido, acho que ler os livros do Joseph Campbell me
ajudaram muito. Aliás, eu recomendaria que todos lessem Joseph Campbell pois é
uma bela introdução à religião e, inclusive, serviria para que muitos
religiosos fundamentalistas deixassem de cometer o erro de entrar em guerra
contra a ciência em nome de seus dogmas, afinal, cada uma está destinada a uma
esfera de estudo. A religião não pode dizer nada sobre biologia ou cosmologia,
e, ao mesmo tempo, a ciência também não tem como dizer nada sobre o simbólico,
sobre o conteúdo desse tipo de experiência religiosa.