O ser humano é um animal social. Nossa natureza é formada tendo esse pilar como base. Isso significa que necessitamos da sensação de nos sentirmos incluídos em grupos sociais, seja ele qual for. O ser humano se agrega naturalmente (esteja atento para a diferença entre ser um animal social e ser um ser socializador). Isso faz com que tenhamos os mais bizarros comportamentos, e um dos meios onde isso é mostrado de maneira mais evidente é em eventos sociais – como festas – e em interesses cotidianos e banais – como futebol.
O que penso sobre festas
A minha
relação com festas é meio estranha. Acho válida e agradável a intenção de fazer
uma festinha de aniversário para comemorar junto com os amigos. Mas nada grande
demais. Esses eventos são a oportunidade para que as pessoas se reunam entre os
mais chegados e conversem sobre todo tipo de coisa, de preferência não de forma
superficial – apesar disso não ocorrer com frequência. Festas grandiosas, por
outro lado, facilitam menos ainda esse tipo de interação. Como deu para notar
no texto sobre introversão e extroversão, o padrão de comportamento hoje é o da extroversão, então é provável que as
conversas sejam como um telejornal, ou seja, a maior quantidade possível de
assuntos discutidos pela mínima quantidade de tempo.
Telejornal - o modelo de conversa mais utilizado |
Num espaço
onde a fala e a reflexão não são muito estimulados, abre-se espaço maior para o
tipo de interação regida pelo princípio que eu mencionei no início: o da
inclusão em grupos. Mas isso não se refere somente a grupos pequenos, mas a
todo um contexto sobre o que é socialmente aceito. Nessas festas de pouca
interação profunda, por exemplo, uma rápida andada pela pista de dança é
suficiente para notarmos que ali tem muita gente que na verdade não queria
estar ali. O modo como essas pessoas se mexem e remexem e olham para os lados
dançando é suficiente para perceber que só o que querem é fazer parte daquela
massa que está fazendo o mesmo que elas. Estão fazendo tipo.
Por que fazer
o que não queremos realmente fazer?
Naturalmente,
alguns estão realmente se divertindo, mas por que muita gente está ali fazendo
algo que não quer realmente fazer? Existem várias respostas para isso. Uma
delas é que esses indivíduos foram convencidos desde sempre de que é isso que
eles devem fazer e acabou. Devem gostar de dançar em boates e em lugares com
luzes piscantes e coloridas porque é isso que promove o divertimento. E o
divertimento é visto essencialmente (pelo menos em nossa sociedade; não sei se
sempre foi assim nem se isso se aplica a outras realidades culturais) como uma
atividade que nos faça agir sem controle, sem disciplina e sem compromisso. A dança “desregrada” de uma balada cumpre
muito bem essa tarefa, assim como o consumo de álcool.
Além dessa
pressão social de “é isso que pessoas na sua idade fazem” – que muitas vezes
age sutilmente demais para que a própria pessoa possa ver que ela está
simplesmente seguindo um padrão imposto – existe também algo menos amplo, que é
a tal vontade de se sentir incluído. Esta é uma situação que já aconteceu com
todas as crianças (exceto as autistas): você vê seu amigo fazendo alguma coisa , como tocar a campainha do vizinho e
sair correndo, e em breve você estará fazendo a mesma coisa, ou correndo junto
com ele mesmo sem ter tocado, super empolgado com a situação. Com as
“dancinhas” é a mesma coisa. Às vezes simplesmente nos sentimos coagidos
(subliminarmente, quase) a fazer o que nossos iguais estão fazendo.
Mulheres
maníacas por futebol, só que não
E isso se
reflete também em nossos interesses e atividades cotidianos. Veja a mania
nacional por futebol, por exemplo. Está certo que esse é um espote de
preferência nacional, tradicional de nossa cultura e etc (apesar de não ter
sido criado por nós). Mas também está certo que muita gente não tem motivo
algum para gostar de futebol, mas de vez enquando acessa a página de notícias
futebolísticas de algum jornal virtual só para não ficar sem ter o que falar na
rodinha de amigos. Sim, eu conheço gente que provavelmente faz isso.
Por que? Pelo
mesmo motivo pelo qual vão à balada e dançam sem estar com vontade, sem
sentir-se realmente realizado pela atividade. Ou, indo ainda mais longe: é por esses motivos acima
que muitas vezes começamos a realmente gostar de alguma coisa, mesmo quando é
questão de divertimento. Tanto é que de uma hora para outra, parece que todas
as mulheres começaram a ser fãs de futebol.
Não estudei o
assunto, confesso, mas, com base na razão somente, arrisco dizer que o ideal
feminista atual é responsável por esse súbito comportamento. Parece-me que não
é mais exigida só a igualdade de direito entre homens e mulheres, mas também
uma espécie de igualdade ontológica, como se não tivesse mais que existir
diferentes interesses entre os dois gêneros. Assim, há quase uma pressão para
que as mulheres que não curtem futebol por si mesmas, passem a gostar, afinal,
mulheres devem ser iguais aos homens. Não, não estou apelando para estereótipos, estou fazendo justamente o contrário.
Mas, calma,
não estou sendo machista, até porque acho que isso acontece entre homens
tambéme, também, é claro que tem mulheres que gostam verdadeiramente de futebol. Parece que os homens costumam ter mais interesse por futebol,
naturalmente, afinal, praticam o esporte desde cedo e tal (eu mesmo amo jogar
futebol, mas não curto ficar em frente à televisão vendo jogos). Mas é como se
houvesse uma pressão social para que todos os homens gostem do esporte, afinal,
é do que homens devem gostar – diria a grande bolha da influência social, caso
ela fosse uma.
Eu poderia
dizer algo como “Feliz daquele que se livrou desse tipo de influência!”. Mas
não direi, porque por mais que alguém tenha personalidade atenta o suficiente
pra não deixar levar pela massa na maior parte das ocasiões, ser levado nem que
seja um pouco é inerente à nossa espécie. Sempre vamos querer nos agrupar e
seguir o que nossos semelhantes estão fazendo, assim como agir de acordo com o
que encontra-se no mainstream sócio-cultural é algo difícil de não fazer. Mas
meu apelo direciona-se ao fato de que existem grupos e grupos, idéias e idéias,
comportamentos e comportamentos. Se estivermos um pouco atentos ao que estamos
fazendo, poderemos sim traçar uma linha e separar até onde estamos dispostos a
ir com a maré e, mais importante, em qual maré entraremos.
O Ministério da Saúde adverte: se você ficou ofendido(a) com esse post, seu médico deverá ser consultado.