Todo fim de ano é a mesma coisa: o Natal e o Ano Novo fazem
todos se felicitarem, aplaudir fogos, comprarem grandes perus de Natal e ceiar
com amigos e familiares. Além disso, uma verdadeira onda de altruísmo e
amabilidade parece perpassar a todos. Eu sempre me pergunto de onde vem tal
coisa e qual a sua veracidade e, ainda, se indagar sobre isso é válido ou não.
Se formos realistas e dermos uma boa lembrada em todo o ano,
veremos que a maior parte dele não é preenchida por toda essa alegria e
entusiasmo com o próximo. Somos mal educados, temos má vontade, não temos
paciência para aturar velhos costumes que se repetem, pecuinhas, ranhetices e
etc. Claro, o bom e velho amor também aparece, assim como outros bons
sentimentos. Não sou pessimista nesse sentido.
Natal e Ano
Novo é todo dia
E exatamente
por não sê-lo é que eu pergunto: por que
não somos capazes de preservar mesmo por 24hs todos os votos feitos no fim de
ano? Por que reservar somente tais datas para ficar com a família de bom
grado? O que vem na minha cabeça é o chamado materialismo espiritual – termo que vi pela primeira vez em um dos
posts no blog do Monge Gensho.
É como se o capitalismo tivesse tragado para si todo o nosso
tempo e motivação. Assim como hoje precisamos levar uma vida organizada, sempre
de olho no relógio, com hora para comer, tomar banho, chegar e sair de casa,
trabalhar, obter lazer, parece que temos também que ter uma hora específica
para emanarmos bondade, altruísmo e gentileza. Mesmo que isso ocorra por poucas
horas do ano.
Ao tornar esses atos mais uns dos afazeres programados da
nossa lista, a espontaneidade se perde totalmente, bem como a verdadeira raiz
de tais atos. Não estou falando isso porque sou um indivíduo super sentimental
e sociável, mas porque não é preciso mostrar emoções de forma descontrolada nem
sair por aí falando com qualquer estranho para ter uma vida emocional e saber o
que são emoções e como vivê-las. E isso tudo é uma espécie de espiritualidade
distorcida, por isso o termo materialismo espiritual.
Materialismo
espiritual na religião também
A mesma
coisa é a religião propriamente dita. Cristãos vão à missa todo domingo ou
mesmo todos os dias, mas a impressão que tenho é que eles trabalham numa
empresa e tem que ir lá bater ponto. É uma espécie de troca: “eu vou à missa no
mínimo invariavelmente todos os domingos e recebo a Salvação em troca. Mas,
peraí, o que é mesmo essa tal Salvação?”. É mais ou menos isso. As pessoas se
veem na obrigação de ter um momento específico para se dedicar à religião, à
espiritualidade, seja lá como você queira chamar. Mas não conseguem entender
que trata-se de colocar isso em prática diariamente, não reservar umas horinhas
de algum dia para virar beato.
A mesma coisa é nos atos de solidariedade. Só para sair do
pé dos cristãos, citarei pessoas de outras religiões, como certos budistas. Já
vi budistas animados por aí em fazer certo ato de caridade ou de compaixão
porque isso diminuiria o karma ruim ou aumentaria o bom, não lembro direito. Se
essas pessoas compreendessem mesmo a religião que praticam – assim como
qualquer um que pratica uma religião – saberiam que não há ação meritória. Se
você faz algo visando o resultado, visando o mérito que está, supostamente,
conquistando, então não há mérito realmente. Há somente uma relação comercial,
um escambo. Quando fizer o bem sem querer querer fazer o bem, ou melhor, sem
querer nada, isso sim será um ato correto. Do mesmo modo, devemos não mais
achar que devemos marcar dias específicos para sermos de uma forma ou de outra.
Adotemos a mudança que queremos somente no fim do ano, para todos os dias (O que não quer dizer de uma hora para outra assumir uma postura santificada. Cuidado para não julgar como hipocrisia o válido esforço para mudar a si mesmo, que ocorre gradualmente - leia mais sobre isso aqui)