Nas pequenas
e nas grandes coisas da vida cotidiana, ao me relacionar com as pessoas,
percebo que a maioria delas tem um enorme temor em relação ao saber. Mas nem
sempre esse temor vem do fato de que elas tem preguiça de aprender, ou acham
que o conhecimento sobre determinada coisa (atualmente existe a tendência deachar que a única forma de conhecimento importante é aquela que promoveferramentas para a vida profissional) é desinteressante, mas do pensamento de que são incapazes de compreender os
conhecimentos em toda sua complexidade. Claro, estou falando especificamente do
conhecimento científico – tanto da área de humanas quanto das naturais e
físicas – que atualmente é aquele que predomina na investigação do Universo
como um todo. Pode parecer otimismo da minha parte, mas essas pessoas não tem
motivos para permanecerem temorosas.
A base da
física moderna foi fundada por Isaac Newton, um gênio para seu tempo, que
dedicou sua vida quase que exclusivamente ao entendimento das leis fundamentais
do Universo. No entanto, mesmo sem nenhuma especialidade e mesmo sem ser um
gênio, qualquer aluno do Ensino Médio hoje em dia tem mais conhecimento sobre o
mundo que nos cerca do que Newton possuía. A culpa não era bem de Isaac Newton,
mas sim da época mesmo. A produção científica que temos nos dias atuais cresce
em nível exponencial, assim como a oportunidade de ter acesso a esses
conhecimentos. Esse já seria um motivo para que as pessoas permanecessem
otimistas quanto à sua capacidade de aprender? Não sei, talvez dependa de cada
um, mas esse é um indício de que, pelo menos, o meio em que vivemos fornece caminhos
suficientes para tal tarefa.
Essa produção
de conhecimento em larga escala também se reflete no mundo acadêmico – e se
origina nele - através do surgimento de cada vez áreas de especialização. Um
professor meu de antropologia disse logo na primeira aula que o primeiro passo
para nos tornarmos ignorantes sobre tudo era a especialização: antes da
faculdade, podemos saber um pouquinho sobre tudo; quando entramos na
universidade, começamos a saber um pouco mais sobre pouca coisa; na
pós-graduação, sabemos muito a respeito de pouca coisa e no final da nossa vida
acadêmica, sabemos tudo sobre nada - brincava esse professor. Essa piada
reflete uma verdade hoje: precisamos nos especializar cada vez mais sobre
determinado assunto e isso diminui nossas possibilidades de ter um conhecimento
amplo e generalista. Por exemplo, um biólogo certamente achará que está lendo
grego caso se depare com um artigo sobre física. E a coisa ainda piora quando
pensamos que talvez um biólogo especializado em, digamos, imunologia, não vá
saber bulhufas de botânica.
Isso nos trás
a um inimigo declarado do conhecimento científico de qualidade: a ignorância. É
horrível, por exemplo, quando vou conversar com uma pessoa e ela me solta o
mais manjado e inconveniente mito da neurociência: só usamos 10% de nossa
capacidade cerebral. Isso é ignorância, no sentido de que falta a essa pessoa,
o conhecimento correto sobre o assunto.
Não obstante,
a ignorância tem um papel muito mais fundamental do que nós pensamos.
Existe um
comercial de TV – não lembro sobre o que era – que termina dizendo que o que
move o mundo não são as respostas e sim as perguntas. Está certíssimo. A
pergunta é a manifestação máxima de nossa ignorância, indicando que não sabemos
sobre algo. O próprio conhecimento científico é guiado não pelas respostas mas
pelas perguntas, pela ignorância humana.
Em melhores
palavras, deve existir um equilíbrio
dinâmico entre a ignorância e o conhecimento. É como se fosse uma roda
girando: a obtenção de conhecimento faz com que novas perguntas surjam; novas
respostas são encontradas para elas, e estas, suscitarão ainda mais
questionamentos. É dessa forma que
chegamos ao patamar atual de conhecimento. Em outra analogia, é como se
fosse um jogo de xadrez ou damas: como o jogo progredirá se não existirem
lacunas no tabuleiro? É preciso haver espaço para se movimentar, para avançar.
Eu já andava
pensando sobre isso casualmente, mas ainda não tinha “ajeitado” o assunto na
minha cabeça ao ponto de conseguir escrever ou falar organizadamente. Tive esse
lampejo após ler o artigo de Stuart Firestein na Scientific American Brasil.
Ele me fez chegar a essa conclusão sobre a relação entre conhecimento e
ignorância e como isso está inserido num ambiente tão abarrotado de novas
informações e de oportunidade de acessá-las como o atual. Portanto, a mensagem
que fica é que as pessoas não devem temer a ignorância que nos leva a
questionar e chegar a novas conclusões, o
que verdadeiramente devemos temer é a apatia da evitação de qualquer confronto intelectual
que nos leve à reflexão.