sábado, 22 de dezembro de 2012

Hulk me ajudando a entender a hipocrisia

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Uma das edições da série de 5 revistas chamada 5 Ronin, que aborda uma versão alternativa da história do Hulk, me fez pensar sobre algo bem insuspeitável: sobre a hipocrisia religiosa. Não, dessa vez não estou me propondo a criticar as religiões, mas a criticar alguns críticos delas. É comum ouvirmos críticas como “Ah ele errou, não é tão caridoso assim, hipócrita!” à respeito de religiosos. No caso do budismo, que é uma religião que tem ênfase no controle da mentem é comum ouvir críticas parecidas quando um praticante perde o controle por alguma razão. E essa revista sobre o Hulk, que se passa num tempo alternativo, no Japão feudal, me fez pensar que talvez esse tipo de falha seja um motivo mais do que suficiente para a prática religiosa, ou em outras palavras, um processo natural em direção ao cumprimento de determinada meta. 

O Hulk em nós mesmos 

Na HQ do Hulk a qual me referi, o personagem recebe uma nova roupagem. Tudo se passa no Japão feudal e Bruce é um monge zen que vive tranquilamente numa montanha, cultivando seu próprio alimento num jardim, estudando e meditando. A história começa quando dois camponeses vão até o monge e pedem que ele ajude a proteger as terras de um certo grupo de homens, que está sendo ameaçada por um grupo de samurais impiedosos. Nesse momento, ficamos sabendo que não trata-se apenas de um monge, mas de um ex-guerreiro. Por isso, os camponeses pedem que ele retorne a seu antigo estilo de vida para ajudá-los. Mas Bruce (o monge, que não tem exatamente esse nome na história) recusa. 


A história segue e, de acordo com certas motivações que são despertadas no monge, ele acaba aceitando ajudar os combalidos camponeses. E o que todos vêem, em certa altura, é um homem feroz e descontrolado. A isso, soma-se o leve descontrole que ele manifesta antes da batalha, quando os homens estão indo até o seu retiro querendo arrastá-lo para o conflito. 



Será mesmo hipocrisia?

Essa história me chamou a atenção porque essa é uma situação que vemos se desenrolar muitas vezes no cotidiano. Um dia desses, num grupo de discussão sobre budismo do qual participo no facebook, um dos membros postou dizendo que acabou se irritando e descontrolando diante de uma pessoa, e ela disse algo como: “Ah, vc não é budista? Deveria ser uma pessoa mais controlada. Você não passa de um hipócrita.”


Será mesmo que esse sujeito estava certo ao chamar o praticante de hipócrita? Eu já pensei assim, mas acho que hoje já perdi boa parte do conteúdo sentimental que eu tinha ao criticar religiosos e religião, e isso me conferiu CERTA imparcialidade no julgamento de algumas coisas. Nesse caso, o crítico está certo no sentido de que o budismo realmente é uma espécie de pragmatismo dialético psicológico em que visa-se o controle da mente acima de tudo. A partir daí, mudanças mais profundas virão. E com isso atingido, obtem-se serenidade. 


Então, é até coerente esperar de um praticante budista, que se tenha a tal serenidade. Porém, pensando mais profundamente – o que não é difícil...tente – podemos perceber que um dos tipos de pessoa que procurará o budismo é exatamente a que tem problemas com o controle da mente num nível mais pronunciado. Na prática budista, ela buscará tomar as rédeas de sua mente inquieta e impulsiva. Mas, naturalmente, não vai ser no momento do início da prática que, num passe de mágica, o adepto se tornará um monge! 


É como uma terapia: não é no primeiro passo que se der para dentro do consultório que a pessoa terá todas as suas questões resolvidas. É uma questão de aprendizado, de prática, de perseverança. É como uma arte marcial também (posso dizer com propriedade, pois pratico aikido): não com um minuto de contato dos pés com o tatame que o praticante vai ter a perícia do Steven Seagal ou Jackie Chan


E digo isso não só a respeito do budismo, mas das outras religiões também. Não deve-se esperar que um cristão seja perfeito e faça tudo de bom que é pregado pela sua religião. Não pelo fato de que tenhamos que ser complacentes com o erro alheio, mas porque faz parte do próprio processo de auto-aperfeiçoamento, errar – e se corrigir.