Freud: até hoje discute-se muito se sua criação - a psicanálise - é mesmo psicologia ou um ramo independente. O fato de ser possível virar psicanalista sem graduação em psicologia é sugestivo, não? |
Estou já terminando meu curso de psicologia, e nesses quase
5 anos venho convivendo com diversos mitos sobre o que o psicólogo faz e,
principalmente, no que concerne à minha situação atual, sobre o que estudam. De
certa forma, entendo que para quem está de fora tais temas possam soar um tanto
misteriosos – e, de fato, passei por isso ao ficar matutando sobre o que afinal
eu iria ver na faculdade, na época do vestibular. Mesmo assim, apesar de
equívocos naturais, aparecem alguns que são difíceis de engolir pela própria
falta de bom senso.
O psicólogo dos amigos
Um dos que eu mais ouvi do início da graduação até o
presente momento, é o equívoco cometido pelos indivíduos que me perguntam o
que, afinal, um psicólogo faz num consultório. “Para que serve um psicólogo, se
para ficar ouvindo meus problemas eu tenho meus amigos?”. Essa pergunta vem,
mais cedo ou mais tarde, direta ou indiretamente.
Esse mito, em muito, deve-se aos próprios filmes e programas
de TV que retratam o psicólogo como um sujeito calado, com expressão blasé, em que balançar a cabeça é o
máximo de sua expressão emocional. Primeiro, devemos raciocinar e perceber que
o material sobre o qual um psicólogo clínico trabalha é o paciente (ou cliente)
que fornece. Assim, faz-se necessário uma boa escuta por parte do profissional,
e um paciente que também esteja disposto a falar sobre o que o leva ao local. A
partir daí, dependendo da abordagem teórica do psicólogo, ele fará conexões,
interpretações, podendo até ensinar ao sujeito técnicas para que ele lide com
seus próprios conflitos – esse último item não é cumprido por todas as
abordagens clínicas, mas a que sei que pratica isso é a terapia
cognitivo-comportamental (TCC).
Portanto, sim, se fosse só para falar sem parar e obter um
ombro e um ouvido amigo, você teria amigos – cujos serviços são gratuitos
(Ficou curioso? In Treatment, uma
série da HBO, é ótima e mostra muito bem o ambiente de terapia)
Ajuda em tempos de seca
Outro elemento desencadeador de certo desgosto em mim são as
“demandas” que chegam para mim quando conto para alguém que estudo psicologia.
Por que desgosto? Porque enquanto estudantes de medicina recebem perguntas
curiosas sobre o organismo humano e doenças, estudantes de direito dão
instruções sobre como não ser enganado ou dar o troco numa empresa antiética
que violou seus direitos, eu ouço coisas como: “Ih, você é psicólogo! Poxa,
estou num dilema com minha namorada, espero que possa me ajudar...”, “Ah, meu
namorado apresenta tais e tais características...você acha que ele está me
traindo?”, “Cara, to numa seca danada, como faço pra arrumar uma namorada?”.
Reconheço que ser requisitado para tais situações é uma
honra, afinal, dilemas da vida pessoal geralmente são revelados aos melhores
amigos, sábios e mestres. Mas muitas dessas pessoas me procuram sob as
prerrogativas erradas! Muitas o fazem simplesmente porque acham que eu devo
lotar minha grade horária com disciplinas como “Como reconhecer se seu parceiro
é um pilantra”, “terapia de casais I” ou, ainda, “Passando de ficante para
namorado II”. Mais esdrúxulo ainda é quando explico que eu não aprendo
psicologia clínica, mas psicologia geral, e o indivíduo insiste, dizendo que eu
posso ajudá-lo com os conhecimentos básicos sobre psicologia clínica que eu
devo aprender.
Se você não entendeu ainda o motivo pelo qual isso
representa o início de uma melancolia mortal para mim, entenda agora. No
primeiro período, eu sou bombardeado de disciplinas obrigatórias como
Embriologia, Genética, Neuroanatomia, Filosofia I, Sociologia e etc. E isso não
muda muito nos períodos seguintes, exceto pelo fato de que muitas disciplinas
ligadas à biologia eu elimino no máximo até o terceiro período. Ainda assim,
quando começo a ter disciplinas ligadas à minha área mais explicitamente, vejo
coisas como Psicanálise, Psicologia da Motivação e Emoção, Psicologia do
Desenvolvimento, Psicologia Social e por aí vai. Viu só? Da mesma forma que um
médico não tem uma disciplina chamada “Como apalpar confortavelmente a hérnia
do seu paciente”(isso pra não fazer uma piadinha escrota sobre como o médico
aprenderia a fazer exames de próstata), nós não temos nada do tipo também. Devo ainda dizer que 90% da prática
relacionada à psicologia clínica relaciona-se com o estágio. Impossível sair
por aí dando consultas se não tiver experiência.
O mito do psicólogo extrovertido
Algo que me aconteceu numa situação de interação social num
bar me remete à próxima lenda psicológica. Estava eu um tanto quanto quieto em
meio à todos os eufóricos colegas sentados à mesa e eis que um deles vira e
fala: “Po, cara, você era pra ser o mais zoador daqui...você faz psicologia,
po!”.
Muitas pessoas tem esse estereótipo em mente, de que o aluno
de psicologia necessariamente é uma figura extrovertida, sacaneadora e
articulada. Mas não é! Tenho muitos colegas na faculdade que são tímidos na
hora de fazer apresentações para a turma, de falar com estranhos e até mesmo
com o professor. Conheço até pessoas que nem mesmo gostam de balada! Fato,
muitos alunos são tão expansivos que chega a beirar o ridículo, mas suspeito
que isso exista em qualquer curso universitário.
A lenda do psicólogo bonzinho
Acho que por último, posso citar uma expectativa emocional
que ronda a minha profissão: o psicólogo bonzinho. Lembro que no colégio onde
fiz do C.A. até o segundo ano do Ensino Médio, tinha uma psicóloga muito
sinistramente boazinha. Sim, é um termo pradoxal, mas ele é perfeito, pois ela
tinha fala mansa, sorrisinho de atendente de loja e andar de pantufas, mas vez
ou outra eu percebia que entre um risinho simpaticamente artificial e outro,
passavam expressões de raiva e às vezes até nojo pela sua face – ou mesmo
nenhuma expressão, mas a face dela neutra era tão assustadora quanto a de
raiva, talvez pelo contraste com os constantes sorrisos. Enfim, o quero
elucidar aqui é que eu mesmo, desde muito cedo, tive um estereótipo sobre
psicólogos. Imaginava-os exatamente como ela – talvez tirando as expressões
faciais de emoções negativas que ela mostrada (rs). Mas a vida foi aos poucos
me mostrando que eu estava redondamente enganado.
Os psicólogos clínicos
– aqueles dedicados à terapia – obviamente devem tentar demonstrar abertura e
empatia pelos pacientes, ou eles nunca desenvolverão uma relação de confiança
com o terapeuta. Entretanto, leigos parecem achar que TODOS os psicólogos, nas
suas mais diversas especialidades – desde neuropsicólogos até os que atuam
somente em pesquisa acadêmica – devem ser assim calminhos. Psicólogos não são
calminhos, alguns deles apenas tentam observar a si mesmos, tentar perceber
suas emoções e não agir impulsivamente. Alguns psicólogos, aliás, são até bem
estressadinhos e pessimistas quanto à nossa espécie.
Falando em pessimismo, quem foi que espalhou por aí que os
psicólogos bestas pagas para fortalecer o ego do paciente, mergulhando-o num
mar de positividade como se estivesse lendo um livro de auto-ajuda barato do
Augusto Cury? Acho que forneci uma possível resposta já no meu questionamento:
um dos grandes culpados de fato são os livros de auto-ajuda que são escritos
por psicólogos e que sempre são encontrados na prateleira de psicologia nas
livrarias. Isso deixa os depreparados muito confusos.
Pessoas vão à terapia
para serem guiadas à resolução de seus problemas, e muitas vezes à demolição de
seu egoísmo. E quando é necessário, ainda pode-se dar uma boa dose de realismo
ao paciente. Nada de consultas onde o paciente vai tomar um banho de
positividade. Isso não tem relação nenhuma com a prática terapêutica.