Há algum tempo escrevo artigos sobre neurociência das emoções e expressões faciais para o Ibralc (Instituto Brasileiro de Linguagem
Corporal). Em dos mais recentes textos, abordei a possibilidade de inferirmos
se um sujeito é psicopata, somente através da observação da face neutra.
Segundo o estudo no qual me embasei, a estrutura esquelético-muscular da face
poderia revelar algo sobre isso.
O post foi polêmico, muitas pessoas mencionaram que seria um
retorno à frenologia, à Lombroso, mas o que tentei explicar é que eu tinha me
baseado em um estudo, não era eu quem estava afirmando aquilo. E, além disso, o
próprio autor do estudo em questão ressalta que trata-se de um experimento
pioneiro, e que seus resultados deveriam ser replicados por outras pesquisas.
Como acho o assunto instigante e parece que o público também
achou, resolvi escrever um texto sobre um artigo publicado em 2011 no Journal of Social, Evolutionary and Cultural
Psychology, que é uma revisão um tanto breve sobre a temática, bem como a
apresentação de dois estudos empíricos (um dos leitores do Ibralc, inclusive,
que me indicou a leitura desse texto).
Desde os tempos de Lombroso, da frenologia e da fisiognomia,
que o assunto não está muito sob holofotes. O principal motivo para isso foi o
julgamento popular de que tais técnicas e conceitos, tomados como uma profusão
de preconceitos e discriminações. Ainda hoje esses e outros tópicos do conhecimento são tratados assim,
apesar de nem sempre isso ser fruto de julgamento adequado.
As últimas tentativas de se estudar o tema partiram de Bond
et al, em 1994, Hassin & Trope em 2000 e Berry & Finch Wero em 1993. Esses
pesquisadores realizaram testes empíricos na tentativa de encontrar resultados
confiáveis de que era possível inferir através da análise da face por sujeitos
comuns (não-especialistas) se o indivíduo cuja face mostrada era um criminoso
ou não e em qual tipo se encaixava (estuprador, ladrão, assassino, assaltante e
etc).
Muitas diferenças metodológicas fizeram com que questões em
aberto permanecessem com os resultados dessas pesquisas. Nessa brecha, Jeffrey
Valla e seus colegas decidiram produzir seus próprios experimentos.
A arquitetura do estudo era parecida com a citada
anteriormente: os participantes deveriam dinstinguir as faces apresentadas, em criminosos e não-criminosos; se fossem criminosos, classificariam entre violentos ou não-violentos; depois, em sub-tipos (assassinos, estupradores,
ladrões, sequestradores, drogados, trapaceiros e assaltantes).
Algumas das fotos de rostos usados no estudo |
Nesse estudo piloto, 44 participantes classificaram 32 faces
retiradas de um catálogo chamado “NimStim” (Tottenham, 2007). Metade era de
criminosos, outra, de não-criminosos. Para medir se uma outra variável estava
interferindo na classificação dos rostos, que não os próprios rostos, os
pesquisadores introduziram outra classificação: a atratividade.
Estudos mostram que indivíduos tidos como mais bonitos são
menos vistos como prováveis criminosos, então, se neste estudo os sujeitos
vistos como mais prováveis de cometer um crime tivessem recebido classificações
inferiores de beleza, indicaria que o fator decisivo na distinção entre
criminoso e não-criminoso não foi causada pela estrutura facial em si, mas sim
pela beleza atribuída a elas.
Os resultados, no geral, foram bem compatíveis com as
previsões dos autores. Os participantes conseguiram avaliar muito acuradamente
as faces em não-criminosos e criminosos. No entanto, o índice de acerto foi baixo na especificação do crime.
Ainda mais curioso foi o resultado das classificações das fotos de criminosos
estupradores: a face desses indivíduos
foi avaliada em especial pelas mulheres como sendo inofensiva, muito improvável
de ser a face de um criminoso.
A mesma equipe, posteriormente, realizou o estudo principal,
que contou com um número menor de participantes (36). A metodologia não teve
muitas diferenças importantes em relação ao piloto (para maiores detalhes,
consulte o estudo cuja referência está no fim do artigo).
Em relação aos resultados, uns conservaram-se, outros, não.
Um que divergiu foi a classificação entre criminosos
violentos e não-violentos. No
primeiro experimento, as duas categorias foram julgadas como igualmente
prováveis de cometer crimes violentos. Neste segundo, os violentos foram vistos como menos prováveis cometedores desses
crimes do que os que eram de fato não-violentos.
A dificuldade de mulheres identificarem
estupradores permaneceu, assim como a falta de refinamento na classificação
específica de cada tipo de criminoso.
A dificuldade das mulheres em identificar os estupradores
como sujeitos violentos e criminosos, provavelmente deve-se à
habilidade desses homens de não mostrarem suas reais intenções. Eles devem ser
o mais sorrateiros possível para conquistar a confiança da mulher – ou mesmo
seguí-la sem ser notado pela rua – e realizar seu intento maquiavélico. Mas o
interessante mesmo é que o estudo não dependendia das expressões faciais em si;
todos os rostos estavam paradados e com expressão neutra.
Isto nos faz pensar
que a própria estrutura facial desses criminosos é menos temerária do que a de
outros contraventores. E isso é muito interessante. Respeitando o fato de ser
um estudo preliminar, ainda não replicado e revisto suficientemente, será que
podemos considerar forte a hipótese de a própria anatomia facial guardar
relações com a propensão à violência?
O mesmo vale para a falta de acurácia mostrada no segundo
experimento, na identificação correta dos criminosos violentos como violentos de fato.
Ao ler esse artigo, fiquei pensativo sobre o famoso ditado
popular “quem vê cara não vê coração”.
Ao contrário do estudo mostrado no artigo publicado no Ibralc, este do qual falamos aqui foi replicado,
encontrando resultados semelhantes. Então não é a excentricidade de um único
estudo, mas de no mínimo dois sugerindo podermos obter certo grau de “verdade”
no julgamento de alguém – em relação à criminalidade – pela face.
Referências
Bond, C., Berry, D., & Omar, A. (1994). The kernel of truth in judgments of deceptiveness. Basic and Applied Social Psychology, 15, 523-534.
Hassin, R., & Trope, Y. (2000). Facing faces: Studies on the cognitive aspects of physiognomy. Journal of Personality and Social Psychology, 78, 837-852.
Berry, D., & Finch Wero, J. (1993). Accuracy in face perception: A view from ecological psychology. Journal of Personality, 61, 504-518.
Valla, J. et al. (2011). THE ACCURACY OF INFERENCES ABOUT CRIMINALITY
BASED ON FACIAL APPEARANCE, Journal of Social, Evolutionary, and Cultural Psychology
www.jsecjournal.com - 2011, 5(1), 66-91.