terça-feira, 2 de abril de 2013

"Quem vê cara, vê coração": uma possível forma de identificar criminosos violentos

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Há algum tempo escrevo artigos sobre neurociência das emoções e expressões faciais para o Ibralc (Instituto Brasileiro de Linguagem Corporal). Em dos mais recentes textos, abordei a possibilidade de inferirmos se um sujeito é psicopata, somente através da observação da face neutra. Segundo o estudo no qual me embasei, a estrutura esquelético-muscular da face poderia revelar algo sobre isso.

O post foi polêmico, muitas pessoas mencionaram que seria um retorno à frenologia, à Lombroso, mas o que tentei explicar é que eu tinha me baseado em um estudo, não era eu quem estava afirmando aquilo. E, além disso, o próprio autor do estudo em questão ressalta que trata-se de um experimento pioneiro, e que seus resultados deveriam ser replicados por outras pesquisas.
Como acho o assunto instigante e parece que o público também achou, resolvi escrever um texto sobre um artigo publicado em 2011 no Journal of Social, Evolutionary and Cultural Psychology, que é uma revisão um tanto breve sobre a temática, bem como a apresentação de dois estudos empíricos (um dos leitores do Ibralc, inclusive, que me indicou a leitura desse texto).

Desde os tempos de Lombroso, da frenologia e da fisiognomia, que o assunto não está muito sob holofotes. O principal motivo para isso foi o julgamento popular de que tais técnicas e conceitos, tomados como uma profusão de preconceitos e discriminações. Ainda hoje esses e outros tópicos do conhecimento são tratados assim, apesar de nem sempre isso ser fruto de julgamento adequado.

As últimas tentativas de se estudar o tema partiram de Bond et al, em 1994, Hassin & Trope em 2000 e Berry & Finch Wero em 1993. Esses pesquisadores realizaram testes empíricos na tentativa de encontrar resultados confiáveis de que era possível inferir através da análise da face por sujeitos comuns (não-especialistas) se o indivíduo cuja face mostrada era um criminoso ou não e em qual tipo se encaixava (estuprador, ladrão, assassino, assaltante e etc).

Muitas diferenças metodológicas fizeram com que questões em aberto permanecessem com os resultados dessas pesquisas. Nessa brecha, Jeffrey Valla e seus colegas decidiram produzir seus próprios experimentos.

A arquitetura do estudo era parecida com a citada anteriormente: os participantes deveriam dinstinguir as faces apresentadas, em criminosos e não-criminosos; se fossem criminosos, classificariam entre violentos ou não-violentos; depois, em sub-tipos (assassinos, estupradores, ladrões, sequestradores, drogados, trapaceiros e assaltantes).
Algumas das fotos de rostos usados no estudo

Nesse estudo piloto, 44 participantes classificaram 32 faces retiradas de um catálogo chamado “NimStim” (Tottenham, 2007). Metade era de criminosos, outra, de não-criminosos. Para medir se uma outra variável estava interferindo na classificação dos rostos, que não os próprios rostos, os pesquisadores introduziram outra classificação: a atratividade.

Estudos mostram que indivíduos tidos como mais bonitos são menos vistos como prováveis criminosos, então, se neste estudo os sujeitos vistos como mais prováveis de cometer um crime tivessem recebido classificações inferiores de beleza, indicaria que o fator decisivo na distinção entre criminoso e não-criminoso não foi causada pela estrutura facial em si, mas sim pela beleza atribuída a elas.

Os resultados, no geral, foram bem compatíveis com as previsões dos autores. Os participantes conseguiram avaliar muito acuradamente as faces em não-criminosos e criminosos. No entanto, o índice de acerto foi baixo na especificação do crime. Ainda mais curioso foi o resultado das classificações das fotos de criminosos estupradores: a face desses indivíduos foi avaliada em especial pelas mulheres como sendo inofensiva, muito improvável de ser a face de um criminoso.

A mesma equipe, posteriormente, realizou o estudo principal, que contou com um número menor de participantes (36). A metodologia não teve muitas diferenças importantes em relação ao piloto (para maiores detalhes, consulte o estudo cuja referência está no fim do artigo).

Em relação aos resultados, uns conservaram-se, outros, não. Um que divergiu foi a classificação entre criminosos violentos e não-violentos. No primeiro experimento, as duas categorias foram julgadas como igualmente prováveis de cometer crimes violentos. Neste segundo, os violentos foram vistos como menos prováveis cometedores desses crimes do que os que eram de fato não-violentos. A dificuldade de mulheres identificarem estupradores permaneceu, assim como a falta de refinamento na classificação específica de cada tipo de criminoso.

A dificuldade das mulheres em identificar os estupradores como sujeitos violentos e criminosos, provavelmente deve-se à habilidade desses homens de não mostrarem suas reais intenções. Eles devem ser o mais sorrateiros possível para conquistar a confiança da mulher – ou mesmo seguí-la sem ser notado pela rua – e realizar seu intento maquiavélico. Mas o interessante mesmo é que o estudo não dependendia das expressões faciais em si; todos os rostos estavam paradados e com expressão neutra.

Isto nos faz pensar que a própria estrutura facial desses criminosos é menos temerária do que a de outros contraventores. E isso é muito interessante. Respeitando o fato de ser um estudo preliminar, ainda não replicado e revisto suficientemente, será que podemos considerar forte a hipótese de a própria anatomia facial guardar relações com a propensão à violência?

O mesmo vale para a falta de acurácia mostrada no segundo experimento, na identificação correta dos criminosos violentos como violentos de fato.

Ao ler esse artigo, fiquei pensativo sobre o famoso ditado popular “quem vê cara não vê coração”. Ao contrário do estudo mostrado no artigo publicado no Ibralc, este do qual falamos aqui foi replicado, encontrando resultados semelhantes. Então não é a excentricidade de um único estudo, mas de no mínimo dois sugerindo podermos obter certo grau de “verdade” no julgamento de alguém – em relação à criminalidade – pela face.

Acho que ainda assim, não precisamos tomar esses resultados como algo definitivo, mas algo que sugere que existe grandes chances de, digamos, esse ditado popular estar equivocado. 

Referências


Bond, C., Berry, D., & Omar, A. (1994). The kernel of truth in judgments of deceptiveness. Basic and Applied Social Psychology, 15, 523-534.


Hassin, R., & Trope, Y. (2000). Facing faces: Studies on the cognitive aspects of physiognomy. Journal of Personality and Social Psychology, 78, 837-852.

Berry, D., & Finch Wero, J. (1993). Accuracy in face perception: A view from ecological psychology. Journal of Personality, 61, 504-518.



Valla, J. et al. (2011). THE ACCURACY OF INFERENCES ABOUT CRIMINALITY 

BASED ON FACIAL APPEARANCE, Journal of Social, Evolutionary, and Cultural Psychology
www.jsecjournal.com - 2011, 5(1), 66-91.





Comentários (2)

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Interessantes estudos sobre o tema, Felipe! Faz temer variáveis imutáveis (como a estrutura facial) para a prática da violência. Acho que mais importante do que as características da face de um criminoso é a habilidade de uma pessoa ser capaz de identificar um possível criminoso somente com uma observação atenta. Isso poderia ser fator de autoproteção. Infelizmente, parece não ser suficiente para a detecção de um estuprador, mas talvez nos falte repertório para assumir que mesmo sob uma face aparentemente inocente pode haver uma conduta atroz. Quando me refiro a faltar repertório, é no sentido de haver pouca (ou nenhuma) discussão sobre o tema estupro. Se o tema fosse mais popularizado, talvez as pessoas levassem esse fator em conta mais do que o fazem. O que você acha? Estava sentindo falta da sua maneira ímpar de articular informações. :) Parabéns.
1 resposta · ativo 627 semanas atrás
SObre qual tema vc se refere? Sobre essas características anatômicas que supostamente podem indicar alguns tipos de sujeitos violentos?

Olha, eu acho até que esse ipo de proposta é popularizada sim...Mas de uma maneira deletéria, graças ao histórico péssimo - social e cientificamente falando - das investidas da frenologia, por exemplo. Nos acostumamos a achar que qualquer coisa que sugira algo meramente parecido não é digno de ser levado a sério, é o início de uma tentativa de discriminação em massa, eugenia e etc. Esse fantasma ainda ronda nossa vida. rs

Não que eu ache que esse estudo encerra a questão...mas acho que não seria impossível que a frenologia estivesse UM POUQUINHO correta sobre alguma coisa, sabe? Talvez até sem querer. É como eu digo num outro texto daqui (http://www.nerdworkingbr.blogspot.com.br/2013/03/asimov-ensina-ciencia-aos-pos.html), no passado quando consideravam a Terra como plana, as pessoas estavam "erradas", mas elas não eram burras, elas não passaram muito longe da "verdade, se formos ver que a curvatura da Terra é muito próxima do zero, o que sim, faz com que vários instrumentos e várias formas de observação acabem indicando que ela é plana. Matematicamente, a diferença em termo de algulação é pouca. Então, a ruptura com a Terra plana para a geóide não é tão brusca quanto pensamos. Entendeu a comparação com a frenologia? A exemplo disso, agora mais explicitamente, nós herdamos - porque se revelou um insight correto - a noção de que as áreas cerebrais, apesar de atuarem em relação umas com as outras, são responsáveis cada uma por uma função.

Então, acho que devemos ser menos turrões com relação ao assunto rs, nem que seja para termos uma reflexão de qualidade sobre ele.

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