“É fácil”, ele dizia.
“Espalhe só algumas
sementes de cada vez.
Distribua igualmente no
sulcos.
Deixe espaço entre elas.”
Meu pai sabia que nem
todas vingariam,
Mas queria dar a cada
uma a chance de crescer.
Superman – Paz na Terra
O que os heróis
poderiam fazer realmente por nós? Se eles fossem uma realidade, será que só
existiriam para enviar super-vilões para prisões especiais de máxima segurança –
de onde fogem com frequência – ou fariam algo para não só podar as ervas
daninhas do mundo, mas para se certificar de que elas não mais nascessem? E
mais: será que podemos falar de alguém perfeito moralmente num mundo banhado
pela imperfeição?
A fome como
questão
Em Paz na Terra, HQ escrita por Paul Dini e
desenhada magistralmente por Alex Ross [leia Por que os heróis tem que ser odiados?, onde cito outras HQs ilustradas por ele], Metrópolis está às vésperas do Natal e
reflete sobre as comemorações da época. Vê que temos muitos motivos para
comemorar, mas que também esse período faz com que nos isolemos em nossas
bolhas de felicidade e não enxerguemos a dor e a necessidade alheia, como se
essa visão ofuscasse nossa própria alegria. Daí, um evento em específico faz
com que a fome salte a seus olhos. Ele lembra dos tempos em que seu pai ensinou
que o planeta pode muito bem sustentar a vida que há nele, o problema é que os
recursos não são repartidos. Comovido por esse cenário e por essas lembranças,
parte numa jornada que inclui convencer o governo americano a ceder seu
excedente para que o próprio Super Homem distribua ao redor do globo para os
mais necessitados.
Ao longo do
processo de distribuição, o homem da submissão auto-conquistada vai passando
por países miseráveis, onde a população está de braços abertos esperando suas
doações, e por outros onde encontra problemas bem pertinentes à nossa
realidade. A questão mais relevante para este texto, é quando ele chega num
país oriental onde uma tropa o aguarda de prontidão. Clark logo percebe que os
militares estão sendo comandados por um ditador que tomou o governo de assalto
e oprime a população. O déspota ameaça atirar no povo, caso o herói não dê toda
a comida para ele, que provavelmente usará a nova oferta de alimentos para
lucrar em cima dos pobres. O problema logo é “resolvido”, mas o kryptoniano sai
desiludido.
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"As pedras que jogam ricocheteiam ou se esfarelam em mim. Todas, porém, machucam." |
Para
completar, chega numa outra localidade onde um míssil é atirado contra um navio
repleto de alimentos. Encaram a chegada do arauto voador como uma invasão
hostil do território nacional, algo provavelmente derivado de alguma paranoia,
achando que existiria algum lobby
político por trás das boas ações.
A perfeição impossível
de ser vista num mundo imperfeito
Lembro que
perto da festa de virada de 2012 para 2013 encontrei um amigo e ele comentou
que o Super Homem era perfeito tanto física quanto moralmente. O final do parágrafo anterior já denuncia parte da resposta. Eu disse na época que
isso era controverso, pois mesmo que ele fosse perfeito moralmente, essa
retidão seria impossível de ser vista como tal num mundo como o nosso.
Provavelmente, as pessoas arranjariam teorias conspiratórias para explicar sua
submissão aos valores mais elevados.
Se não fosse
por alguma questão política, provavelmente coisas ainda mais mesquinhas viriam
à tona, como mesmo a inveja. Como o filósofo Kierkegaard inferiu, as pessoas
muitas vezes odeiam quem é moral porque na verdade odeiam que sejam lembradas
de que poderiam fazer o bem mas que preferem estar confortavelmente sentadas vendo sua novela [essa
parte da novela ele não falou]. É como o aluno que tira notas boas e sofre
bullying por isso. O que mais motivaria essa atitude besta que não a inveja ou
a tortura de ser lembrado que é possível estudar e tirar boas notas mas que ao
invés disso, o sujeito prefere dedicar todo o seu tempo à outras coisas?
A lição de
Paz na Terra
A moral
central da graphic novel é mostrar que mesmo um mundo com um messias super
poderoso e caridoso, não podemos contar só com ele para resolver todos os
problemas. Não adianta termos alguém para pegar comida e distribuir pelo mundo,
isso não vai acabar com a fome, que é causada pela concentração de riqueza. No
máximo, a fome daquelas pessoas será aliviada por um tempo limitado. Mas a raiz
do problema continuará viva. Da mesma forma, não adianta que líderes religiosos
do nosso mundo ajudem aos carentes. Eles não vão por um fim aos problemas
centrais da humanidade.
Mas quem
disse que esse é o objetivo deles? Quem disse que é por isso que dia após dia,
vendo que em grande escala suas ações não ajudam a mudar grandes coisas, eles
continuam fazendo o que fazem? É porque o que vale é a mensagem, é o quão bem
essa mensagem se espalha e inspira outras pessoas. Só assim real diferença será
feita. E também serve como um alerta, uma sirene barulhenta e vermelha nos
avisando que não podemos cair de adoração por ações grandiosas ou por quem
executou essas ações. Temos de repetir esses atos, multiplicá-los.
Talvez a
perfeição desses personagens reais – assim como do alter ego do jornalista
Clark Kent nos quadrinhos – seja impossível de ser alcançada. Mas também pode
ser que eles sejam perfeitos em suas ações imperfeitas, pois a missão nunca foi
fazerem tudo sozinhos, daí a brecha para a nossa entrada triunfal como
perpetuadores de tudo que eles defendem. É aquela velha história:
“Como diz o velho ditado: “Se você dá um
peixe a alguém, ele come por um dia.
Se você ensina a pescar, ele tem o alimento
para a vida inteira.”
Essa simples mensagem pede para que o homem
evolua com sabedoria, ajude os necessitados e inspire os outros a fazer o
mesmo.
Esse é o maior desafio e mais precioso
presente da vida. [retirado da revista Paz na Terra]
@leandro_lawall · 611 semanas atrás
Felipe C Novaes 57p · 611 semanas atrás
Chegou a dar uma lida no outro texto sobre o Superman? http://nerdworkingbr.blogspot.com.br/2012/04/supe...
walison · 532 semanas atrás