sexta-feira, 12 de julho de 2013

O Homem de Aço não é o suficiente

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“É fácil”, ele dizia.
“Espalhe só algumas sementes de cada vez.
Distribua igualmente no sulcos.
Deixe espaço entre elas.”
Meu pai sabia que nem todas vingariam,
Mas queria dar a cada uma a chance de crescer.
Superman – Paz na Terra

O que os heróis poderiam fazer realmente por nós? Se eles fossem uma realidade, será que só existiriam para enviar super-vilões para prisões especiais de máxima segurança – de onde fogem com frequência – ou fariam algo para não só podar as ervas daninhas do mundo, mas para se certificar de que elas não mais nascessem? E mais: será que podemos falar de alguém perfeito moralmente num mundo banhado pela imperfeição?

 Essa segunda pergunta é um dilema que vivenciamos cotidianamente. Esses atuais tempos de manifestações nas ruas de todo o país é prova de que estamos cansados de jogar água apenas nas chamas, nunca atingindo o foco das labaredas. Em nível mundial, a fome é uma dessas coisas que não sabemos muito bem se é consequência de causas mais profundas ou se ela em si é uma dessas causas profundas que acaba servindo de alimento [trocadilho não intencional] para outros males, como a violência.

A fome como questão
Em Paz na Terra, HQ escrita por Paul Dini e desenhada magistralmente por Alex Ross [leia Por que os heróis tem que ser odiados?, onde cito outras HQs ilustradas por ele], Metrópolis está às vésperas do Natal e reflete sobre as comemorações da época. Vê que temos muitos motivos para comemorar, mas que também esse período faz com que nos isolemos em nossas bolhas de felicidade e não enxerguemos a dor e a necessidade alheia, como se essa visão ofuscasse nossa própria alegria. Daí, um evento em específico faz com que a fome salte a seus olhos. Ele lembra dos tempos em que seu pai ensinou que o planeta pode muito bem sustentar a vida que há nele, o problema é que os recursos não são repartidos. Comovido por esse cenário e por essas lembranças, parte numa jornada que inclui convencer o governo americano a ceder seu excedente para que o próprio Super Homem distribua ao redor do globo para os mais necessitados.

Ao longo do processo de distribuição, o homem da submissão auto-conquistada vai passando por países miseráveis, onde a população está de braços abertos esperando suas doações, e por outros onde encontra problemas bem pertinentes à nossa realidade. A questão mais relevante para este texto, é quando ele chega num país oriental onde uma tropa o aguarda de prontidão. Clark logo percebe que os militares estão sendo comandados por um ditador que tomou o governo de assalto e oprime a população. O déspota ameaça atirar no povo, caso o herói não dê toda a comida para ele, que provavelmente usará a nova oferta de alimentos para lucrar em cima dos pobres. O problema logo é “resolvido”, mas o kryptoniano sai desiludido.
"As pedras que jogam ricocheteiam ou se esfarelam em mim. Todas, porém, machucam."
Para completar, chega numa outra localidade onde um míssil é atirado contra um navio repleto de alimentos. Encaram a chegada do arauto voador como uma invasão hostil do território nacional, algo provavelmente derivado de alguma paranoia, achando que existiria algum lobby político por trás das boas ações.

A perfeição impossível de ser vista num mundo imperfeito
Lembro que perto da festa de virada de 2012 para 2013 encontrei um amigo e ele comentou que o Super Homem era perfeito tanto física quanto moralmente. O final do parágrafo anterior já denuncia parte da resposta. Eu disse na época que isso era controverso, pois mesmo que ele fosse perfeito moralmente, essa retidão seria impossível de ser vista como tal num mundo como o nosso. Provavelmente, as pessoas arranjariam teorias conspiratórias para explicar sua submissão aos valores mais elevados.

Se não fosse por alguma questão política, provavelmente coisas ainda mais mesquinhas viriam à tona, como mesmo a inveja. Como o filósofo Kierkegaard inferiu, as pessoas muitas vezes odeiam quem é moral porque na verdade odeiam que sejam lembradas de que poderiam fazer o bem mas que preferem estar confortavelmente sentadas vendo sua novela [essa parte da novela ele não falou]. É como o aluno que tira notas boas e sofre bullying por isso. O que mais motivaria essa atitude besta que não a inveja ou a tortura de ser lembrado que é possível estudar e tirar boas notas mas que ao invés disso, o sujeito prefere dedicar todo o seu tempo à outras coisas?

A lição de Paz na Terra
A moral central da graphic novel é mostrar que mesmo um mundo com um messias super poderoso e caridoso, não podemos contar só com ele para resolver todos os problemas. Não adianta termos alguém para pegar comida e distribuir pelo mundo, isso não vai acabar com a fome, que é causada pela concentração de riqueza. No máximo, a fome daquelas pessoas será aliviada por um tempo limitado. Mas a raiz do problema continuará viva. Da mesma forma, não adianta que líderes religiosos do nosso mundo ajudem aos carentes. Eles não vão por um fim aos problemas centrais da humanidade.


Mas quem disse que esse é o objetivo deles? Quem disse que é por isso que dia após dia, vendo que em grande escala suas ações não ajudam a mudar grandes coisas, eles continuam fazendo o que fazem? É porque o que vale é a mensagem, é o quão bem essa mensagem se espalha e inspira outras pessoas. Só assim real diferença será feita. E também serve como um alerta, uma sirene barulhenta e vermelha nos avisando que não podemos cair de adoração por ações grandiosas ou por quem executou essas ações. Temos de repetir esses atos, multiplicá-los.

Talvez a perfeição desses personagens reais – assim como do alter ego do jornalista Clark Kent nos quadrinhos – seja impossível de ser alcançada. Mas também pode ser que eles sejam perfeitos em suas ações imperfeitas, pois a missão nunca foi fazerem tudo sozinhos, daí a brecha para a nossa entrada triunfal como perpetuadores de tudo que eles defendem. É aquela velha história:

“Como diz o velho ditado: “Se você dá um peixe a alguém, ele come por um dia.
Se você ensina a pescar, ele tem o alimento para a vida inteira.”
Essa simples mensagem pede para que o homem evolua com sabedoria, ajude os necessitados e inspire os outros a fazer o mesmo.

Esse é o maior desafio e mais precioso presente da vida. [retirado da revista Paz na Terra]