segunda-feira, 5 de abril de 2010

"As Várias Faces de Jesus"

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Aproveitando a Páscoa, vou abordar aqui um assunto relacionado ao Cristianismo. Imaginar qual era o contexto da época entre a morte de Jesus e o surgimento da Igreja Católica certamente é algo que me deixa bastante curioso. Certamente é uma experiência reveladora, reflexiva e polêmica, imaginar como era o Cristianismo antes mesmo da elaboração da própria Bíblia.

Nos séculos II e III, vários manuscritos diferentes foram escritos.  Alguns deles estão na Bíblia, outros (a maioria) foram simplesmente excluídos, esquecidos ou mesmo queimados. Era uma época em que o Cristianismo como conhecemos hoje existia, mas existia juntamente com vários outros. Existiam várias correntes cristãs, que defendiam diferentes visões sobre a mensagem que Jesus deixou, o caminho a percorrer para alcançar a salvação e sobre a própria natureza do Deus judaico-cristão. E o mais surpreendente é que cada uma dessas diferentes correntes cristãs estava igualmente embasada em textos, assim como hoje os cristãos se sentem embasados pela Bíblia. Citarei aqui algumas dessas correntes cristãs dos séculos II e III e comentarei um tanto superficialmente sobre a cristologia que cada uma delas defendia. Espero que isso instigue o leitor a ler os livros que indicarei no final do post!


ADOCIONISTAS

Essa cristologia era seguida por uma seita formada por judeus, os ebionitas. Eles acreditavam que Jesus não nasceu de uma virgem nem era divino. Ele simplesmente era um judeu que seguia à risca as leis judaicas e no momento de seu batismo, Deus o adotou como seu filho. Em recompensa à essa disciplina, Deus teria feito Jesus ressuscitar.

DOCETAS

Essa cristologia, defendida pelo filósofo-mestre Marcião, é o extremo oposto da adocionista. Marcião seguia estritamente os escritos de Paulo. Esse grupo acreditava que a lei judaica era tão diferente dos dizeres de Jesus, que muitas vezes até a desafiava, que as duas não poderiam ter sido obra de um mesmo Deus. Dessa forma, o Deus dos judeus era o que havia criado o nosso mundo, o mundo material, enquanto Jesus tinha sido mandado por um Deus maior e realmente bondoso e misericordioso, que tinha vindo livrar o mundo do Deus egocêntrico dos judeus. Jesus nem mesmo era visto como um ser humano. Era visto como um ser totalmente divino. Então, na verdade ele não sentia dor, não tinha um corpo, não sentia fome ou sede, não sofria e não foi morto na cruz realmente. Tudo era só aparência. Não é coincidência a palavra “doceta” vir de uma palavra grega que significa “aparência”, “aquilo que parece ser”. Já que Jesus não podia morrer, já que era totalmente divino, a crucificação não passou de uma encenação de sacrifício feita para que o Deus dos judeus deixasse o mundo em paz e deixasse os humanos nas mãos do Deus que havia mandado Jesus.

SEPARACIONISTAS

O grupo de cristãos primitivos mais famosos sem dúvida é o grupo dos gnósticos. Esse talvez seja o maior grupo. Tal cristologia é defendida pelos cristãos chamados gnósticos. Segundo eles, Jesus não era nem completamente humano completamente divino, mas meio humano e meio divino. É como se Jesus fosse um ser humano normal e o Cristo tivesse se apossado dele para exercer seu ministério. Segundo os gnósticos, uma certa divindade (existiam uns 300 deuses) tinha sido excluída da camada celestial. Uma vez excluída, ela resolveu criar o mundo material e criar nós, humanos. E escolheu o povo judeu para fazer aliança. Esse Deus dos judeus, assim como o Deus segundo os docetas, era um Deus egoísta, mesquinho, possessivo e sanguinário, já que exigia sacrifícios de animais, apedrejamento como pena para vários pecados.

Segundo eles, todo ser humano teria uma centelha divina que podia ser liberada se tivesse o CONHECIMENTO secreto que possibilitasse tal coisa. Daí vem o nome “gnóstico”, da palavra grega gnosis que significa “conhecimento”. Existia um Deus supremo, mais poderoso e mais bondoso que o Deus judaico. Esse Deus mandou Cristo para exercer seu ministério através do corpo de Jesus. Dessa forma, o plano do Cristo era que o corpo de Jesus fosse sacrificado para que a centelha divina, Cristo, fosse libertada. É por isso, segundo os gnósticos, que no momento da crucificação Jesus diz antes de morrer: “Deus, Deus, por que me abandonaste?”. Ou seja, Deus,  a fagulha divina existente em nós, literalmente abandonou Jesus. Como uma forma de retribuir a fidelidade de Jesus, o Cristo ressuscitou seu corpo para que a tal fagulha divina continuasse seu ministério na Terra.

Intrigante, não? Bom, não vou comentar a fundo aqui, mas a doutrina cristã que chegou até nós com a Igreja Católica, foi a interpretação vencedora dentre essas que eu citei. É claro que esse assunto é bem mais complexo e longo, então, pra quem ficou interessado, recomendo os seguintes livros:

Os Evangelhos Gnósticos – Elaine Pagels
O Que Jesus Disse/ O Que Jesus Não Disse – Bart Ehrman
O Problema com Deus – Bart Ehrman
Evangelhos Perdidos – Bart Ehrman