Fonte: Esse texto foi publicado por mim na Revista Livre Pensamento Volume 1. Fique atento às próximas edições!
Esse é um
belo exemplo da inteligência acurada desses animais. Ou, ainda mais que isso, é
um indício de que eles tem o que alguns pesquisadores sustentam ser um atributo
unicamente humano: a empatia. Como Lolita soube que o gesto de apontar para seu
ventre sugeria que o primatólogo queria ver seu filhote? E mais: como ela sabia
que “mostrar” seu filhote significava exibir seu rosto? A empatia pode ser
definida como a capacidade de reconhecer a intenção dos outros, é a chamada teoria
da mente. Mas essa habilidade também implica em sentirmos o que os outros estão
sentindo também. Isso pode ser notado nos exemplos mais cotidianos possíveis.
Quem nunca ficou tenso vendo um filme de terror em que percebemos a tensão dos
personagens do filme e acabamos ficando no mesmo estado? Quem nunca se
emocionou (mesmo sem derramar lágrimas) assistindo a um filme de drama? Algumas
experiências mostram a empatia aplicada também à ações humanas. Em um desses, o
pesquisador, na frente de um bebê, tenta colocar uma argola em seu dedo da mão,
mas quando a argola chega perto do dedo, ele deixa que ela caia e reinicia o
processo. Depois de um tempo repetindo isso, ele deixa que o bebê pegue a
argola. O que ele faz? Pega e coloca no dedo do pesquisador, mostrando que
mesmo um bebê já consegue perceber a intenção dos outros.
Por muito
tempo o ser humano foi tido como o único animal capaz de desenvolver a
moralidade. Até hoje algumas pessoas pensam no que há de mais humano do que a
própria moralidade, ou a caridade, a preocupação com o próximo sem que seja
exigido algo em troca. Alguns usam esse fato até para pregarem contra a Teoria
da Evolução, por acharem que a evolução só consegue gerar indivíduos egoístas e
competitivos. Bom, parece que nossos parentes mais próximos, chimpanzés e
bonobos, estão nos mostrando que a bondade humana, tão apregoada pelas
religiões, tem raízes mais profundas do que imaginávamos.
Lolita, uma
bonobo muito simpática, não encontrava o pesquisador Franz de Waal há 11 anos.
Quando ele foi visitá-la numa colônia em um zoológico, ela logo foi correndo em
direção a ele emitindo gritinhos e outros grunhidos que ela não costuma exibir
para estranhos. O primatólogo descobriu que ela estava grávida e logo ficou
ansioso para ver seu filhotinho. E lá estava ela, sentada com uma bola de pelo
(seu filhote) no colo. Franz apontou para seu ventre e logo depois a primata
pegou o filhote pelas mãos e girou-o de forma que sua face ficasse visível para
o observador humano. O pequeno macaquinho começou a grunhir e fazer
caretas porque os filhotes odeiam se
separar da barriga quente de suas mães.
Outro belo
exemplo é o bonobo Kidogo, que é um doente cardíaco e por isso é um macho
crescido, porém, fraco, inseguro e sem energia. Ao ser transferido para a
colônia do Zoológico de Milwaukee, kidogo ficou confuso com a mudança e não
reconhecia os comandos dos tratadores, não sabiam para onde tinha que ir.
Depois de um tempo, outros bonobos interferiram. Eles pegavam Kidogo pela mão e
o conduziam até os locais indicados. Quando ele se perdia, gritava aflito e
outros vinham socorrê-lo.
Aparentemente,
diriam alguns, esses relatos revelariam contradições na Teoria da Evolução
porque agir dessa maneira solidária não tratia nenhum benefício em termos da
sobrevivência do mais apto. Há duas teorias que explicam esse comportamento: a
primeira diz que a empatia, que é a responsável pela solidariedade e
cooperação, surgiu como um mecanismo que nos permite ajudar os seres
aparentados geneticamente conosco, assim, preservando também os nossos genes contidos
em outros indivíduos da família. A segunda teoria pode ser traduzido como
simplesmente “uma mão lava a outra”. Isto é, ajudamos aquele cara ali agora
para que no futuro possamos ser ajudados por ele.
Essas duas
teorias podem ser verdadeiras, mas elas nos falam dos motivos evolutivos que
fizeram essas características se conservarem nos animais de hoje, e não dos
motivos presentes na mente de cada um (mesmo que seja um animal não-humano)
para que esses atos sejam realizados. Precisamos de motivos que ajam no aqui e
agora para explicar isso.
Certamente,
os bonobos que ajudaram Kidogo não estavam interessados em favores futuros de
um animal enfraquecido e necessitado de cuidados como ele. Também não imagino o
motivo pelo qual uma fêmea de gorila pegou o menino que tinha caído dentro de
sua jaula no zoológico, colocou-o no colo, como se estivesse embalando-o, e
depois, gentil e cuidadosamente entregou-o para os tratadores que foram
resgatá-lo (ela agiu de maneira bem parecida com os bonobos quando algum filhote
cai num rio e é resgatado). Veja o caso que ocorreu em 2004, na cidade de
Roseville, Califórnia. Um labrador preto pulou na frente de um menino, seu
dono, e levou uma piaca de cascavel em seu lugar. O que estimularia ali,
naquele momento, o cão a fazer isso? A decidir arriscar a sua vida pela de seu
dono? Com certeza não foi a expectativa de uma futura retribuição de favores. É
como, também, no exemplo do século XX, dado pela psicólogo russa Nadia
Ladygina-Kahts, que criava Yoni, um jovem chimpanzé. Ele era indisciplinado,
sempre fazia questão de desobedecer Nadia. Um dia, ele foi para cima do telhado
e não saía de lá por nada. Então a psicóloga apelou:
Se finjo chorar, fechando os olhos e gemendo, Yoni imediatamente pára a brincadeira ou qualquer outra atividade e vem correndo. Chega todo agitado e preocupado dos lugares mais remotos da casa, como o telhado ou o teto de sua jaula, de onde eu não consegui trá-lo apesar de meus persistentes chamados e súplicas. Ele corre à minha volta, como se procurasse quem me fez mal; olha meu rosto, pega minha bochecha com carinho na palma da mão, toca suavemente meu rosto com um dedo, como se tentasse entender o que está acontecendo.
É muito
interessante percebermos que até as ações humanas mais nobres parecem ter algum
tipo de equivalência em animais não-humanos, revelando a ancestralidade dessas
potencialidades. Dessa forma, podemos até mesmo arranjar meios contundentes de
questionar a clássica idéia do senso comum, de que foi a religião que sempre
colocou juízo na humanidade. Quando somos estimulados a fazer o bem ao próximo
sem exigir algo em troca, estamos fazendo nada mais do que fazendo valer algo
que já faz parte do repertório de habilidades humanas e que se não fosse a
religião, com certeza iríamos arrumar outros motivos para justificar isso.
sebastiao · 705 semanas atrás
Felipe C Novaes 57p · 705 semanas atrás
André Rabelo · 688 semanas atrás
obrigado por indicar este texto, eu não havia lido ainda! Legal vc discutir este tema que muito me interessa como vc sabe. Por estar muito familiarizado com esta literatura, não posso deixar de fazer uma pequena ressalva:
"A empatia pode ser definida como a capacidade de reconhecer a intenção dos outros, é a chamada teoria da mente."
Não é desta maneira que a linha de pesquisa atual sobre empatia tem compreendido este conceito. Empatia é uma coisa, teoria da mente é outra, duas capacidades cognitivas diferentes e relativamente independentes. Para autores importantes como a Tania Singer, "teoria da mente" está diretamente relacionado à capacidade de identificar crenças e estados mentais em outros, enquanto empatia está relacionada com uma capacidade de identificar estados afetivos em outros e ter reações afetivas em consequência. Existem evidências neurocientíficas e psicopatológicas que justificam esta distinção teórica. Outra referência importante para conhecer melhor esta literatura é o próprio de Waal que vc cita no texto. A discussão ainda está rolando e o que se observa é que existem evidências claras que indicam uma distinção necessária entre estes conceitos. Abaixo, seguem algumas recomendações de leitura para se aprofundar na discussão da pesquisa em empatia (tenho os artigos em pdf, qualquer coisa é só pedir!):
de Vignemont , F. and Singer , T. ( 2006 ). The empathic brain: How, when and why? Trends in Cognitive Sciences, 10, 435 – 441.
Waal, F.B.M. (2008). Putting the altruism back in altruism: The evolution of empathy. Annual Review of Psychology, 59, 279–300.
de Waal, F.B.M. (2009). The age of empathy: Nature's lessons for a kinder society. New York: Harmony Books.
Singer, T. (2009). Understanding others: Brain mechanisms of theory of mind and empathy. In: Glimcher, P.W., Camerer, C.F., Fehr, E., and Poldrack, R.A. (eds.) Neuroeconomics: Decision Making and the Brain. New York: Academic Press, pp.249-266.
Abraço!
Felipe C Novaes 57p · 688 semanas atrás
Eu realmente não li esses artigos que vc me indicou, mas parecem muito legais.
Eu tinha definido empatia dessa forma aí no texto porque me parece que para reconhecer estados afetivos nos outros, assim como saber inferir estados mentais e coisas que concernem à teoria da mente, nós precisávamos de um mecanismo único que implica na capacidade de, no fundo, saber o que está acontecendo dentro da cabeça da outra pessoa, seja em termos emocionais ou cognitivos. Algo que eu usei pra inferir essa minha visão foi o caso dos autistas, inclusive nos espectros mais amenos como a Síndrome de Asperger. Essas pessoas tem extrema dificuldade de inferir qualquer desses estado, tanto emocionais quanto cognitivos, então, parece que eles possuem uma deficiência na teoria da mente e também na empatia - tanto é que a interpretação de expressões faciais nele é bem deficiente. Mas eu realmente não sabia que esses dois mecanismos estão embasados em dois tipos de "caminhos" neurológicos. Interessante saber. .
AH, eu li aquele artigo que vc me passou sobre memórias falsas e tal, e mais alguns que estavam na referência daquele. Muito bom o campo de estudo. E pelo que eu vi lá, existem pesquisas embasando que sim, existiria uma base neurológica que poderia nos levar a constatar se a memória em questão se trata de uma memória falsa ou verdadeira. Outros estudos já tornam essa possbilidad emenos obscura e tal. Mas foi bom me informar sobre o tema.
Mais especificamente, os estudos a favor dessa idéia mostram que as memórias reais ativam mais regiões ligadas aos sentidos, enquanto as memórias criadas, não. Já ouitras pesquisas colocam d´puvida nisso porque mostram que as áreas do cérebro ativadas no momento em que lembramos do nosso passado e planejamos o nosso futuro, são basicamente as mesmas o que levaria a uma indiferenciação cerebral nos dois casos. Os pesquisadores disseram que essa semelhança se dá provavelmente porque para plaejarmos o futuro, usamos informações do nosso passado. Mas foi bem legal saber dessa controvérsia.
Se souber de mais coisa ae me diz.
Abraço
André Rabelo · 687 semanas atrás
beleza, os artigos que recomendei vão te expor às evidências para essa dissociação entre teoria da mente e empatia, mas entendi o seu raciocínio.
O artigo que te mandei é bem interessante, eu parei no meio e não terminei ainda. Valeu por trazer este resumo sobre aquela questão que vc havia levantado, sobre a possibilidade de marcadores biológicos para distinguir memórias falsas de verdadeiras. O que eu me questiono é que mesmo as tais "memórias verdadeiras" são distorcidas constantemente ao longo de nossas vidas. À cada recuperação, podemos adicionar ou subtrair informações e consolidar novos registros. Eu estava lendo isso em algum artigo, não sei se foi nesse que eu te mandei ou outro. Existe uma natureza funcional nesta tendência de distorção da memória, gostaria de lembrar aonde que eu li isso... =b
Vamos continuar trocando as informações!
Abraço!
Felipe C Novaes 57p · 687 semanas atrás
Pelo que li no artigo que vc me mandou, essa natureza funcional na distorção das memórias é a flexibilidade de acrescentar novos eventos ao conjunto de memórias e atende também à função de excluir as memórias menos importantes. As distorções de memória no fundo são esse processo flexível, só que ele tem seu lado negativo né, quando a memória é distorcida de modo a não reproduzir fielmente o fato.
Tranquilo, cara! Qualquer coisa de novo te aviso também.
Abraço!
André Rabelo · 686 semanas atrás
Abraço!
Felipe C Novaes 57p · 686 semanas atrás
Abraço!