quinta-feira, 8 de março de 2012

Fim dos Crucifixos no TJ-RS: Brasil, Um Estado Laico de Fato?

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Esta semana o TJ- RS aprovou o pedido da Liga Brasileira de Lésbicas, Marcha Mundial das Mulheres e outros grupos, que pleiteavam a retirada de símbolos religiosos, como crucifixos e outros, dos prédios da Justiça. Tal decisão não deveria soar como algo absurdo e nem causar tanta comoção – a não ser que seja pelo fato de finalmente ter sido tomada uma medida compatível com a laicidade do Estado. No entanto, blogueiros argumentam deses perados contra a chamada “opressão” de tal medida, como o blogueiro da Veja, Reinaldo Azevedo. Li seu post e resolvi fazer uma crítica aqui em cima dos argumentos que ele usa para achar esse episódio um ato contra a laicidade do Estado e um absurdo contra a história do nosso país. Os trechos em negrito são dele e, logo abaixo, consta a minha crítica.


O estado brasileiro é laico, sim, mas não é oficialmente ateu ou anti-religioso. E vai uma grande diferença entre uma coisa e outra. A República brasileira não professa um credo, mas não persegue crenças e crentes. Que dias estes que estamos vivendo!

Primeiramente, está certo, o Estado brasileiro não é ateu, é laico. Isso significa que não existe defesa de nenhuma crença específica por parte dos órgãos públicos. Assim, não deve existir nenhuma simbologia religiosa em tais espaços, nem crucifixos, nem Budas, nem estrelas de Davi, nem nada do tipo. E isso não é um ato antirreligioso ou de ódio, é simplesmente um ato de respeito. Imagine que um judeu chegue no seu local de trabalho e seja obrigado a conviver com uma cruz, símbolo de uma religião que não é a sua e, pelo contrário, simboliza uma teologia contra aquilo que ele acredita. É verdade que algumas pessoas não ligariam nem um pouco para isso, mas também tenho certeza que outras se sentiriam incomodadas. Para evitar esse tipo de apoio implícito a alguma religião, é melhor que nenhuma referência exista ali. Não sei se isso seria constitucional, mas seria melhor, como outra opção, que TODAS as religiões fossem representadas ali, então. Dessa forma, não haveria predileção por uma em detrimento de outras.
O cristianismo está profundamente enraizado na história e na cultura do Brasil.

Sim, existe um legado histórico que une o Brasil ao Cristianismo, especialmente ao catolicismo. Não há como negar. Mas o que isso tem a ver com o assunto? Significaria, por acaso, que, por causa disso, o Cristianismo herdou uma espécie de privilégio em relação às demais? Ou significa que sua simbologia pode ser exibida sem que, necessariamente, seja feita a invocação do conteúdo religioso, mas sim do seu significado histórico? Bom, não sei se faz sentido, até porque, se formos optar por essa lógica, teríamos também que homenagear a mitologia indígena, afinal, eles são os verdadeiros nativos do nosso território e, como tais, fazem parte da sua história.

Os crucifixos não estão em tribunais e outras repartições para excluir, humilhar, discriminar, impor um valor ou qualquer coisa do gênero. Ao contrário até: basta ater-se aos fundamentos dessa fé, mesmo quem não tem fé, para constatar que os valores éticos que ela reúne constituem o fundamento — eis a verdade — da moderna democracia. Sim, meus queridos, foi o cristianismo que inventou a igualdade entre os homens.

Há um erro aí. Não foi, certamente, o Cristianismo que inventou a igualdade entre os homens. Se por trás desse argumento está o fato de o Novo Testamento pregar a compaixão e o amor ágape, mesmo assim, não podemos dizer que o Cristianismo foi o primeiro a pregar esse tipo de coisa. O Budismo, quase meio milênio antes do nascimento de Jesus, já pregava a compaixão não só entre todos os homens, mas entre todos os seres sencientes.
Enquanto perdurar o espaço,
Enquanto perdurar um ser sensível,
Até então, que eu possa perdurar também
E dissipar as misérias do mundo

Verso da obra do autor budista Shantideva
Por que a Liga Brasileira das Lésbicas  (...)  não pede a demolição da Catedral de Brasília, plantada na Esplanada dos Ministérios? Por que não pede que o Rio ponha abaixo o Cristo Redentor? Urge mudar o nome de São Paulo, de Santa Catarina, do Espírito Santo, de São Luís, de centenas de cidades brasileiras que refletem a óbvia importância que o cristianismo, especialmente o catolicismo, teve entre nós.

O Cristo Redentor, assim como qualquer outro monumento religioso, não tem que ser demolido em nome da laicidade do Estado, até porque ele é um patrimônio cultural. Algo bem diferente é a simples colocação de crucifixos em prédios de órgãos públicos.

Essa polêmica em torno dos nomes dos estados e cidades realmente é algo interessante. Mas aí sim, eu acho que se aplica o raciocínio anterior, ou seja, os nomes dessas cidades sim viraram história, quase desprovidos de seus significado religioso. Eu mesmo pronuncio esses nomes tendo em mente o mesmo que tenho quando vez ou outra exclamo “ai, meu Deus...”. São termos e expressões já quase que totalmente vazias de seu significado religioso, até mesmo para os religiosos.

Os que entraram com essa ação ridícula, acatada pelo Conselho da Magistratura, agem à moda do Taliban, que destruiu, em 2001, os Budas de Bamiyan, no Afeganistão, que datavam, no mínimo, do século 7 porque consideraram que eles ofendiam a fé islâmica. No Brasil, cuida-se agora de outro fundamentalismo.

É a mesma situação, ou seja, Azevedo compara monumentos artísticos que fazem parte do patrimônio cultural de um país e até da humanidade, com simples símbolos religiosos colocados nos estabelecimentos do Estado. Não é a mesma coisa. Ao retirar um crucifixo da parede estaremos respeitando a laicidade do Estado, ao demolirmos um Buda ou o Cristo Redentor, estaremos demolindo obras de arte.

A tal liga tem agora de avançar contra a Constituição Brasileira. Afinal, Deus está lá. Vejam que sociedade de iniqüidades se construiu nos Estados Unidos, onde as pessoas ainda juram com a mão posta sobre a Bíblia. Que país ridículo é aquele capaz de cantar em seu hino: “In God is our trust”, discriminando ateus e agnósticos? O paraíso da liga é a Coréia do Norte, de onde a religião foi banida. Ou a China. Boa era a antiga União Soviética. Igualitários e sem preconceitos eram os países da Cortina de Ferro. Bacana é Cuba, sem essas frescuras com o Altíssimo… Como dizem alguns ateus do miolo mole, as religiões matam demais! Os regimes laicos, especialmente os comunistas, é que souberam proteger os homens, não é mesmo?

Confesso que não consegui entender bem a intenção de Azevedo nesse trecho, afinal de contas, os EUA realmente são uma nação hipócrita, que jura e canta hinos com a mão sobre a Bíblia e faz guerras por motivos fúteis, discriminam vários grupos e é capaz de vários outros impropérios. E sobre os países socialistas citados, eu concordo plenamente, afinal, acho que o socialismo é outro sistema econômico falido. Aliás, o socialismo prega o ateísmo, mas acaba que a maneira como foi defendido e propagado ao longo do séc. XX se assemelhou enormemente às fases mais sombrias da religião no Ocidente, como a Idade Média. Quem viu o filme 7 Anos no Tibet e/ou leu algum livro sobre a história do Tibet ou do Dalai Lama sabe o terror que a China – comandada por Mao – impôs ao Tibet e principalmente aos monges budistas. Tudo feito sob a máxima “religião é veneno”. Então, seria tolice defender o socialismo como um modelo pacífico, que fizesse as pessoas serem mais íntegras que o capitalismo.

A crítica de Azevedo acaba sendo ineficaz porque se utiliza de argumentos e analogias que não tem a ver com o com o caso em questão, como comparar destruição de Budas e do Cristo Redentor com a simples retirada de crucifixos das paredes de locais pertencentes ao Estado laico. E, ainda, falha ao colocar o Cristianismo como o centro da moralidade do mundo e peça cuja qual não pode faltar para que se haja justiça.