segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A jornada heróica de Bilbo

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Ler O Hobbit foi uma das mais inesperadas aventuras das quais já participei. Digo dessa forma pois é exatamente assim que o leitor se sente, tendo Bilbo como o personagem que vai conhecendo um mundo enorme e cheio de desafios, de coisas desconhecidas e perigosas - tão leigo quanto a Terra Média quanto nós. 

Quem está familiarizado com A Jornada do Herói, de Joseph Campbell, sabe muito bem que Bilbo Bolseiro é um herói, aquele que vivia uma vida pacata, comum e recebeu um chamado à aventura. Em algumas histórias esse chamado aparece como sendo um sonho estranho, uma visita inesperada como a de Gandalf ou mesmo um fruto de reflexão pessoal mais apurada.
Assim como todos os leitores, o hobbit inicialmente resiste a dar atenção àquilo tudo (um mago e um monte de anões invadindo sua residência aconchegante e calma). É a pergunta que todos nos fazemos em situações parecidas: “por que diabos vou sair daqui e correr riscos se posso ficar onde estou? Em time que está ganhando não se mexe.”A última frase é verdadeira, de fato; mas não é sempre. A vida necessita de movimento, pois só podemos crescer saindo do lugar. Aliás, acho que a questão não é só o crescimento no sentido de um avanço necessariamente para o melhor, mas o movimento em si; necessitamos explorar coisas novas. Ter novas experiências, diga-se de passagem, não implica necessariamente em embarcar numa viagem incerta com pessoas praticamente desconhecidas. O que importa é essencialmente interior. É o quanto o processo nos modifica, é o quanto as dificuldades concernentes a ele nos muda. Portanto, essa viagem pode ser feita no sofá da sua casa, lendo um livro cujo o qual você dizia para todos desde o Ensino Médio que nunca leria; continuando-a logo depois, talvez, tentando escrever um texto por sua própria conta e risco, ou abrindo aquele negócio que você sempre teve dinheiro seguro para iniciá-lo mas sempre teve medo.

Continuando o percurso universal pelo qual Bilbo passara ao encontro de si mesmo, percebemos que medos e a inseguranças são fortes no sujeito. Entretanto, ele finalmente aceita a aventura.  São muitos obstáculos, e algumas vezes ele se lamenta e pensa que seria melhor estar no conforto do Condado, por vezes pensa até em desistir. Mas conforme a superação vem, sua vontade aumenta exponencialmente, tornando-se corajoso e respeitado entre os anões. Gandalf também fica admirado, apesar de ter sido o único que desde antes de comunicar algo ao Bolseiro, sabia de seu potencial.

Aliás, quando estamos falando de potencial, estamos nos referindo a alguma coisa que não está revelada, mas que podemos descobrir; só precisamos de um contexto adequado e de bastante coragem.

Quando a aventura vê seu fim, percebemos que na verdade ela só está começando mais uma vez. Agora ele pode voltar realizado, modificado – e por que não, ressuscitado como um novo ser – para o lugar de onde veio (Lá e cá de volta outra vez). E ao voltar para quele lugar comum, de onde veio também como um homem comum, percebe que nada parece mais como era antigamente. Sua visão está renovada e por isso tudo parece que está diferente. Sua missão agora é viver de forma a honrar essas lições aprendidas e transmitir isso a outros. Essa pode ser a parte mais complicada da jornada de um herói, pois nenhum daqueles que nunca tiveram a experiência que o herói teve poderá compreender verdadeiramente o que ele ensina. Tudo parecerá intelectual demais, artificial demais, e como diria um mestre zen-budista, se você intelectualiza o viver, você mata a vida – é como querer estudar o vento prendendo-o num pote, pois então será ar, não vento. Por isso o como viver necessita da experiência por si mesma, e isso poucos possuem, mas todos podem possuir.