domingo, 15 de abril de 2012

Os Diagnósticos Psiquiátricos Realmente Estigmatizam os Pacientes?

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Diagnósticos psiquiátricos parecem estar na moda, é verdade. Até mesmo leigos se arriscam na classificação descompromissada de amigos e familiares. É comum lermos em sites, jornais e revistas, termos como depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar, psicopatia, psicose e etc. Parece que eles entraram no mundo pop para ficar. Esse fenômeno parece que dá mais força para os críticos do uso dessa terminologia, pregarem que os diagnósticos são os verdadeiros causadores do preconceito e da discriminação dirigida a essas pessoas. Mas será que é mesmo? Hoje, acadêmicos e alunos insistem na militância contra esse sistema de classificação. O mais certo a ser feito seria procurar algum embasamento sólido para essa oposição mas, dentro das universidades parece que se formou uma nova onda de “politicamente correto”, em que é proibido duvidar dos seus efeitos maléficos. É cult e revolucionário ser contra qualquer coisa que tenha origem na psiquiatria, mesmo que não se tenha base alguma para isso. É como duvidar que o aquecimento global é causado por nós, mesmo que dúzias de evidências nos mostre que, no mínimo, devemos rever essa opinião mais criticamente. Mas, enfim, será mesmo que os opositores estão certos em julgar as classificações psiquiátricas como rótulos que servem mais para estigmatizar o doente perante a família e a sociedade? 


Desde meados do século XX, a idéia de que rótulos psiquiátricos são prejudiciais para os pacientes ronda o meio médico e acadêmico. Por muito tempo, essa argumentação foi feita sem base em evidências, mas, nos anos 70 esse grupo de opositores pareceu receber uma arma e tanto. Tudo começou com uma pergunta feita por Robert Rosenhan (1973), professor de psicologia e direito: Como você se sentiria se seus amigos soubessem que você sofre de esquizofrenia paranoide? Essa questão é uma referência clara a sua opinião de que as classificações psiquiátricas estigmatizam os pacientes perante a sociedade, criando preconceito e discriminação. Como solução, Rosenhan defendia que, ao invés de, por exemplo, “depressão maior”, deveriam ser usados termos descritivos objetivos do comportamento do paciente, algo como: o paciente está profundamente triste, possui falta de apetitie, anedonia e etc. 

Robert Spitzer (1976) propôs uma abordagem diferente do problema. Sugeriu que ao invés de perguntarmos como o paciente se sentiria se todos soubessem que ele era um esquizofrênico paranóico, por exemplo, perguntou como se sentiria se as pessoas soubessem que ele tinha mania de perseguição, crença de que as pessoas ao redor querem prejudicá-lo. De acordo com sua hipótese, o que estigmatizaria as pessoas seria não os rótulos em si, mas os comportamentos esdrúxulos aos quais eles se refeririam. O que seria mais estigmatizador, então, seriam os sintomas, não um simples nome atribuído ao seu conjunto. 

 Os pseudopacientes
Em 1973, Rosenhan ofereceu o argumento que seria a base (e o calcanhar de Aquiles, como você verá depois) para as críticas que viriam nos anos seguintes relacionados ao mau uso dos diagnósticos. Rosenhan e mais 7 pessoas se apresentaram a diversos hospitais psiquiátricos como se fossem pacientes psiquiátricos, alegando ouvirem alucinações auditivas bizarras, como as palavras “baque”, “oco” e “vazio”. No final das contas, os 8 pseudopacientes foram internados, em que um deles recebeu o diagnóstico de transtorno bipolar e os outros, de esquizofrenia. A intenção de Rosenhan era mostrar que os rótulos são prejudiciais e fundamentam atitudes de descaso e preconceito contra os doentes.
Logo que foram internados, eles deixaram de fingir que estavam apresentando os tais sintomas, esperando que aguém percebesse e desse alta. Após algum tempo, todos os pseudopacientes foram classificados em sua ficha como “em remissão”, ou seja, os sintomas tinham ou estavam desaparecendo, e foram liberados. Rosenhan usou esses resultados para argumentar que os rótulos psiquiátricos tinham embasado uma atitude preconceituosa para com eles, afinal, nenhum deles foi considerado curado de suas condições, mesmo sem apresentar mais os pseudossintomas. 

Esse experimento gerou alvoroço no meio acadêmico e jornalístico, tanto para mal quanto para bem. Os críticos dos diagnósticos psiquiáricos bradavam a pesquisa o mais alto que podiam enquanto um grande grupo de acadêmicos tentava mostrar que, além da pesquisa conter inúmeros erros metodológicos e ignorar uma série de dados para compor sua conclusão, seus resultados depunham contra o próprio Robert Rosenhan. Ora, se os pseudopacientes tiveram seus sintomas classificados como “em remissão”, isso significa que as expectativas da pesquisa não tinham sido atendidas, ou seja, os médicos conseguiram sim identificar a ausência de sintomas, mesmo com a presença das classificações anteriormente. Isso era exatamente o contrário do que o autor da pesquisa estava tentando mostrar, segundo Sptizer (1976) alegou. Spitzer ainda mostrou que diagnósticos de “em remissão” eram raríssimos em instituições psiquiátricas, o que diminuía a probabilidade de se tratar de puro acaso. Assim, o mais coerente é que os médicos dos estabelecimentos de internação tenham cumprido muito bem seu papel, afinal, revelaram acurácia o bastante para perceber que os “doentes falsos” tinham deixado de apresentar os sintomas, indo contra a idéia de Rosenhan, de que os psiquiatras não saberiam diferenciar normalidade de anormalidade. 

A resistência acadêmica em aceitar evidências
 
Mesmo com a refutação bem sucedida da principal argumentação dos “contra-diagnósticos”, uma série de acadêmicos e alunos em importantes universidades continuam reproduzindo tal discurso. Por exemplo, numa discussão sobre os possíveis perigos do diagnóstico, Allan Horwitz, sociólogo, e um assistente social, Jerome Wakefield (2007), mencionaram a “vasta evidência” mostrando quão prejudiciais são os diagnósticos psiquiátricos, alegando que “leva ao estigma prejudicial” (pág. 23). O mais preocupante é que muitos livros introdutórios à psicologia (Gorenflo & McConnel, 1991) e coletâneas de estudos da área (Heiner, 2008; Henslin, 2003; Kowalski & Leary, 2004) citam o estudo de maneira acrítica, como se a interpretação dada por Rosenhan fosse absoluta. Resumindo a verborrágica oposição aos rótulos, temos a frase do psicólogo Daniel Robinson (1997), numa palestra realizado no evento Great ideas of psychology:
O que o estudo de Rosenhan deixa claro é que quando uma pessoa é diagnosticada como X, ela será tratada como X [...] porque o contexto estabeleceu que você é X você será X para sempre.
O mais insólito nisso tudo é que, nos anos 1970 mesmo, Spitzer contactou Rosenhan solicitando os dados de seu estudo para que ele os verificasse. Rosenhan concordou, porém, só entregaria os dados depois que terminasse um livro que estava escrevendo sobre o assunto. Trinta anos se passaram e os dados não apareceram. A mesma coisa aconteceu com uma pesquisadora, Lauren Slater (2004), que usou os resultados da pesquisa em um capítulo de seu livro Mente e Cérebro: dez experiências impressionantes sobre o comportamento humano (Slater, 2004). No capítulo, a pesquisadora falava sobre o estudo como se seus resultados tivessem tido validação geral e, também, como se ela mesma tivesse reproduzido esse estudo, se apresentando em várias instituições psiquiátricas com falsos sintomas. Spitzer pediu os dados de seu registro hospitalar, assim como outros pesquisadores, e Slater enrolou e não forneceu nenhum dado. Somente após uma crítica publicada pelo próprio Spitzer e outros (Spitzer, Lilienfeld & Miller, 2005), Slater (2005) deu alguma resposta. A pesquisadora disse o seguinte: “eu nunca fiz tal estudo; ele simplesmente não existe” (pág. 743).

Para que, então, servem os diagnósticos psiquiátricos?
Em meio a essa confusão, essa seria a pergunta mais coerente a se fazer. No livro Os 50 Maiores Mitos Populares da Psicologia, existe um capítulo inteiro dedicado à questão:
 Os diagnósticos psiquiátricos desempenham papéis indispensáveis na comunicação entre os profissionais da área, para a coordenação de atividades de pesquisa em todo o mundo, para a pretação de serviços de saúde mental, para o reembolso de tratamentos pelas companhias de seguros e para o encaminhamento dos pacientes a tratamentos mais eficazes. Com certeza, ninguém acredita que o DSM seja perfeito. Devemos fazer todos os esforços possíveis para aperfeiçoar o sistema existente de classificação psiquiátrica, contudo, atacá-lo com base na suposição não comprovada de que os diagnósticos são estigmatizantes é contraproducente. (Lilienfeld et al., 2010)
 Eu não desqualifico totalmente a opinião dos críticos, mesmo eles ignorando as evidências de que estão errados. Em geral, esse grupo é formado por estudiosos que não se valem do método científico. Nesses casos, há certo desprezo pela procura e pela validade de evidências, bastando as especulações racionais. Então, se racionalmente é coerente que os rótulos sejam prejudiciais, então eles sao prejudiciais e nenhuma evidência poderá mudar isso. Talvez seja esse o mecanismo por trás da resistência em relação ao diagnóstico. De qualquer forma, as pessoas deveriam se esforçar para, pelo menos no meio acadêmico, não cair nas garras do politicamente correto, que é uma das tendências anti-intelectuais e anti-críticas da atualidade. Uma análise um pouco mais apurada dos fatos mostra que a criação de classificações para as doenças mentais é algo fundamental para que especialistas do mundo todo possam falar a mesma língua. Além disso, o meio psiquiátrico não é exatamente o culpado pelos casos de discriminação que realmente existem por aí. A estigmatização sempre existiu, antes e depois da invenção de nomes para os sintomas aberrantes que pessoas ao redor do mundo sempre manifestaram. Ainda, as classificações psiquiátricas são confidenciais, servindo para o uso somente de paciente e psiquiatra. Sendo assim, uma pessoa só tem seu diagnóstico espalhado por aí se ela mesma sair por aí espalhando. Assim, encerro querendo deixar a mensagem de que temos muito menos a temer do que a polícia do PC (politicamente correto) quer nos fazer crer. 

Referências

  • Gorenflo, D. W. & McDonnell, J. V. (1991). "The most frequently cited journal articles and authors in introductory psychology textbooks." Teaching of Psychology, 18, 8-12.
  • Heiner, R. (2008). Deviance across cultures. NY Oxford University Press. 
  • Henslin, J. M. (2003). Down to earth sociology: introductory readings (12a ed.). NY: Free Press
  • Horwitz, A. V. & Wakefield, J. C. (2007). The loss of sadness: how psychiatry transformed normal sorrow into depressive disorder. NY: Oxford University Press. 
  • Kowalski, R. M. & Leary, M. R. (2004). The interface of social and clinical psychology: key readingsin social psychology. NY: Psychology Press. 
  • Robinson, D. N. (1997). "Being sane in insane places." In: The great ideas of psychology (série em áudio). Chantilly, VA: The Teaching Company.
  • Rosenhanm D. L. (1973). "Sane: Insane" Journal of the American Medical Association, 224, 1646-1647.
  • Slater, L. (2004). Opening Skinner's box: great psychological experiments of the twentieth century. NY: W. W. Norton.
  • Slater, L. (2005). "Reply to Spitzer and collegues." Journal of Nervous and Mental Disease, 193, 743-744.
  • Spitzer, R. L. (1976). "More on pseudoscience in science and the case for psychiatric diagnosis. Archives of General Psychiatry, 33, 459-470.
  • Spitzer, R. L., Lilienfeld, S. O. & Miller, M. B. (2005). "Rosenhan revisited: the scientific credibility of Lauren Slater's pseudopatient diagnosis study." Journal of Nervous and Mental Disease, 193, 734-739.