quarta-feira, 25 de abril de 2012

Super-Homem: O Homem da Submissão Autoconquistada

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“Nenhum homem de dons elevados se agrada com algo inferior ou medíocre. Uma visão de grande conquista o chama e o faz erguer-se.” Sêneca – citada em The Stoic Art of Living

"O herói é o homem da submissão autoconquistada" Joseph Campbell - O Herói de Mil Faces 
O ano de 2012 parece ser dos quadrinhos e de seus fãs. Na próxima semana o tão esperado The Avengers estréia, mas nos próximos meses outros heróis nos aguardam: BatmanThe Dark Knight Rises e, ano que vem, The Man of Steel. São personagens diferentes, com histórias diferentes e personalidades distintas, mas algo que todos podem notar é que os heróis – ou melhor, super-heróis – sempre parecem estar agindo motivados por ideais superiores como o bem e a justiça. Com todos esses filmes vindo por aí, me veio à cabeça que haveria algum ou vários motivos específicos que fizessem com que sujeitos super-poderosos resolvessem lutar por causas morais superiores. No nosso mundo, especialmente em nossa época, está meio difícil encararmos com naturalidade iniciativas desse tipo, já que é frequente as notícias de corrupção na política, isto é, no meio de pessoas que possuem determinado poder e que usam-no egoistamente. Por que deveríamos acreditar, afinal, que alguém como o Super-Homem, por exemplo, faria o bem? Por que o poder não o corrompeu? Ao mesmo tempo poderíamos refletir e concluir que – como alguns de fato fazem – pessoas – mesmo fictícias – como Clark Kent, não podem ser heróis, tão pouco super-heróis, justamente por serem super-poderosas. Então, será que realmente existem razões para chamar essas pessoas de heróis? 

Super-heróis realmente são heróis?
Dê uma olhada em qualquer dicionário  no termo herói e você encontrará algo como isto:
herói (he-rói)
s. m.
Nome dado pelos gregos aos grandes homens divinizados.
Aquele que se distingue por seu valor ou por suas ações extraordinárias, principalmente por feitos brilhantes durante a guerra.
Principal personagem de uma obra literária (poema, romance, peça de teatro etc.) ou cinematográfica.
Principal personagem de uma aventura, de um acontecimento. 
O primeiro significado reflete a noção grega antiga dos heróis. Eles eram homens responsáveis por feitos extraordinários, o que tinha a ver com habilidades também extraordinárias herdadas de sua origem divina. Isso pode ser usado para pensar nos heróis que são apresentados a nós no mundo de hoje. Thor é um ser divino que encontrou aqui na Terra sua redenção, pois era egoísta e arrogante em Asgard, sua terra natal. Desde então, ele dedica seus dias a tentar salvar a Terra, ao lado dos outros Vingadores, das mais poderosas – e perigosas – ameaças. O Homem de Ferro (clique aqui e aqui se quiser comprar) é um bilionário e gênio que, apesar de sua arrogância e narcisismo, tenta usar sua armadura indestrutível em favor dos fracos e oprimidos. A mesma coisa serve para o Homem-Aranha, que ganhou singulares habilidades ao ser picado por uma aranha radioativa (ou geneticamente modificada, segundo versões atuais) nos últimos anos de sua adolescência. Assim como os outros, ele resolveu ultrapassar seus limites individuais e utilizar essas habilidades para servir a um propósito maior, quando poderia optar em simplesmente usar seus poderes para ser popular no colégio e conquistar garotas. Talvez o mais clássico de todos esses seja o Super-Homem, um ser de outro planeta que foi mandado para Terra ainda bebê por seu pai, enquanto seu planeta de origem – Krypton – era destruído. Apesar de estarmos prestes a assistir ao fenômeno Os Vingadores, resolvi fazer uma análise sobre o Super-Homem, por ser um dos mais conhecidos e também por ser só um, o que manterá esse texto menor.

 É inegável que o Super-Homem seja super, mas há aqueles que possam dizer que ele não é herói. O motivo é simples: os heróis são aqueles capazes de “ações extraordinárias”, mas, se olharmos de certo ângulo, quão extraordinário seria para Clark Kent salvar um banco de um assalto se ele nem mesmo pode ser ferido por uma bala? Para ele é como tirar doce de criança. Em outras palavras, não há nada de incrível nisso pois não há sacrifício. Conclusão: o Homem de Aço, assim como os outros da turma dos poderosos, não são heróis de verdade.

Outro possível aspecto contraditório é que o termo super-herói soa redundante. Se o herói já é capaz de agir extraordinariamente, o que um super-herói deveria ter de fazer para ser considerado como tal? No entanto, suponho que esses problemas possam ser respondidos se levarmos em conta outro aspecto ainda mais essencial: os valores, o que, consequentemente, nos leva a considerar em nossa lista mais seriamente heróis sem poderess, como Batman.

O heroísmo depende, sobretudo, dos valores
O mundo fictício dos quadrinhos nos apresenta uma realidade onde o número de personagens super-poderosos é bem grande – às vezes temos a impressão de que eles até ultrapassam o número de indivíduos normais – mas nem todos são heróis. E o que distingue um do outro são os valores. O que faz com que Kal-El escolha servir e proteger os cidadãos da Terra se nem mesmo humano ele é e se muitas vezes os humanos até vão contra ele, interpretando mal seus atos benevolentes? Já me fiz essa pergunta várias vezes, inclusive com relação a outros personagens, e, dessa vez, Mark Waid, um quadrinista que escreveu um dos capítulos do livro Super-Heróis e a Filosofia, me ajudou a visualizar uma das respostas, enquanto Stehen Evans me inspirou com a outra. Inesperadamente, essas respostas passam pelos tortuosos caminhos da filosofia.

Waid cita um interessante texto que achou na internet:
Nosso medo mais profundo não é o de sermos inadequados. Nosso medo mais profundo é o de sermos poderosos além das medidas. O que mais nos assusta é a nossa luz, não a nossa escuridão. Quem sou eu para ser brilhante, bela, talentosa, fabulosa? Na verdade, quem você é para não ser tudo isso: Você é filho de Deus. Bancar o insignificante não presta um serviço ao mundo. Nada há de iluminado em se diminuir para os outros não se sentirem inseguros perto de você. Todos fomos feitos para brilhar, como brilham as crianças. Nós nascemos para manifestar a glória de Deus, que está dentro de nós. Não está só em algumas pessoas, mas em todas. E, quando deixamos nossa luz brilhar, inconscientemente damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo. Quando nos livramos de nosso medo, nossa presença automaticamente libera os outros. (Marianne Williamson, A Return to Love: Reflections on the Principles of a Course in Miracles, New York: Harper Collins, 1992).
Clark parece ter achado um jeito de agir de forma condizente com essas palavras. O fato de ele ser um alienígena de uma espécie cuja qual ele é o único representate vivo, faz com que ele se sinta o ser mais solitário do universo. À noite, sobrevoando Metrópolis ele olha para a imensidão do céu negro estrelado e pensa que, por mais que ele faça algo por esse mundo, ele continua sendo um extraterrestre. Ele não pertence a esse lugar, até quando ele tenta fazer o bem, seus poderes fazem qualquer um notar que ele é diferente. No entanto, onde o kryptoniano poderia encontrar motivos para se isolar e se deprimir, encontra seu antídoto, o motivo para viver plenamente e para ser, de fato, o que ele é. 

Aristóteles, explorando os motivos mais básicos que fazem a felicidade do homem, especulou muito sabiamente que um desses fundamentos é viver com excelência, o que é bastante compatível com o que Williamson diz. Kal-El faz isso de maneira sem igual, tanto é que é comparado aos escoteiros. Quando caiu na Terra, na fazenda dos Kent, o pequeno possuía apenas duas coisas. A primeira era uma espécie de Ipad mostrando em imagens e no idioma de Krypton, a história de seu povo. Eles pareciam ser mais ou menos como os terráqueos, sempre desbravando novas terras e se orgulhando de serem o que são, apesar de parecerem bem mais sábios do que nossa espécie. E sempre que chegavam a uma nova conquista, uma nova localidade, utilizavam uma bandeira azul e vermelha com uma letra parecida com um “S”, para marcar a vitória. E esse era o outro item que veio para a Terra com Clark, uma bandeira do seu povo. 

Quando o tímido jornalista resolve usar suas habilidades especiais para o bem de todos, ele assume uma identidade secreta e utiliza como disfarce um uniforme com as cores e símbolo de Krypton. Ele resolve ser aquilo que ele é e mostrar para todos, sem medo e sem hesitação. E, de certa forma, esse é o modo mais próximo e digno que ele tem de se unir à sua verdadeira família, de honrar seus iguais extintos e, ainda, de se sentir um deles. Kal-El não é um terráqueo e não tenta ser um, tem orgulho de ser outro lugar e tenta mostrar isso usando essa natureza em benefício de todos. 

Entretanto, quando não está com a cueca por cima da calça, ele é o discreto e tímido jornalista Clark Kent, mas isso de forma alguma pode ser usado na contra-mão do que já foi dito, como forma de dizer que ele tenta se esconder sob a forma de um humano. Kent faz isso principalmente para manter em segurança as pessoas que ele ama e que poderiam ser utilizadas por seus desafetos para afetar seu alter ego, O Homem de Aço. Além disso, esse é um meio que ele encontrou de poder se manter perto e socializar com as pessoas e ser encarado como um humano, para enteder o que é ser um também. É como o mito do divino que se faz humano e habita a Terra junto com os reles mortais (não estou falando só de Jesus, pois existem vários mitos pelo mundo que seguem esse arquétipo). 

Assim, acho que podemos já considerá-lo sim um herói, de fato. Ele não possui muitas fraquezas físicas as quais possam ser um impecilho para suas ações, mas certamente se sacrificar em nome de outros é sempre uma atitude louvável e digna do mais puro heroísmo. 

Valores, sacrifício e disciplina  
Em um mundo onde somente o indivíduo parece importar, o hedonismo e o desejo de poder parecem ser tendências interligadas e que são preferidas em detrimento de virtudes um dia mais exaltadas e mais praticadas que hoje. Disciplina e valores são características indispensáveis aos heróis – da ficção e da realidade – pois, o poder sozinho pode nos conduzir a caminhos tortuosos para nós e para os que estão ao nosso redor. De certa forma, antes mesmo da filosofia, a mitologia vinha mostrando essa lição há milênios. É essa a mensagem que está implícita no mito do Minotauro, por exemplo. O monstro com cabeça de touro e corpo de homem é uma consequência do grande ego do rei de Creta. Minos governava sob a bênção dos deuses, especialmente de Poseidon, com quem tinha um trato. Periodicamente, o deus mandava um touro de beleza sem igual para que o rei o sacrificasse  em homenagem à divindade. Mas Minos tinha várias cabeças de gado e, um dia, ao ver aquele imponente touro branco como uma nuvem, resolveu engambelar Poseidon. Ao invés de sacrificar o touro enviado, sacrificou um de seus próprios, que era belíssimo mas não chegava à beleza do touro divino. Feito isso, uniu o touro branco aos seus outros, certo de que tinha passado a perna no rei dos mares. No entanto, um dia, sua esposa, a rainha, viu a beleza do animal e, transformando-se numa vaca, acasalou com o bicho. Dessa relação nasceu um terrível monstro, o Minotauro, que envergonhou o rei, que pediu a Dédalo para construir um labirinto para aprisionar a criatura ali para sempre. Esse monstro, de um ponto de vista psicológico, representa o próprio ego de Minos. Outra história que retrata o risco do egocentrismo é a do mito do rei Midas, que ganhou a habilidade de transformar tudo aquilo que tocasse, em ouro. Porém, logo essa dádiva tornou-se uma maldição, pois Midas não podia mais se alimentar nem mais tocar nas pessoas, pois odo sucumbiam ao seu toque.

De certa forma, as revistas em quadrinhos e seus personagens heróicos são uma continuidade da constatação humana ao longo das eras de que o ego não é algo a ser cultivado, mas extinto, e que um dos modos de fazer isso – e também um dos reflexos do sucesso na tarefa – é se dedicar a servir ao próximo. Assim, mesmo numa época onde valores como disciplina (para usar corretamente os poderes sem ser consumido por eles) e o sacrifício são ignorados, os heróis dos quadrinhos parecem estar aí para nos mostrar que essa sabedoria ainda existe.