As relações
sociais são fenômenos complexos cheios de variáveis. Em meio a esse caos,
todavia, podemos observar pequenas regras. Elas podem ser explicadas de
diversas formas, em diversos planos, com base em fatores mais atuais ou na base
biológica, fruto da seleção natural e base para os nossos comportamentos
imersos no meio cultural. Em outras palavras, cooperação e trapaça são cernes
das relações entre os seres vivos; mas o difícil é dizer o que leva determinado
indivíduo a cooperar ou trapacear. Em nosso auxílio vem um ajudante inesperado:
a Teoria dos Jogos, que vem atuando
em cada vez mais diversificados seguimentos: Economia, Política, Sociologia e
mais recentemente na Biologia e Psicologia Evolucionista (PE).
O ser humano
tem uma natureza dual em vários sentidos. Um deles é o que nos transforma em
seres super solidários mas também em trapaceiros (Sobre essa dualidade aplicada à guerra e ao pacifismo, clique). Claro, existem diferenças
individuais, mas o fato é que podemos fazer doações, ajudar um amigo a estudar
para a prova, cooperar com um motorista cujo carro enguiçou no meio da estrada
e etc; por outro lado, podemos agir contra esses princípios cooperativos. No
trabalho, podemos burlar a coleta de dinheiro para compra de água e café e
mesmo assim usufruir desses produtos; podemos driblar o aluguel do condomínio e
mesmo assim nos aproveitarmos de seus serviços e por aí vai. O mesmo acontece
quando alguém nos faz um favor e não retribuímos. Isso nos leva a elaborar
regras precisas que regem as relações sociais:
(1) o indivíduo que coopera é beneficiado porque o indivíduo beneficiado ficar devendo favores a ele, que pode ser pago na hora ou depois; (2) o cooperador pode ser prejudicado se o outro indivíduo trapacear; (3) o trapaceiro se beneficia caso o outro agente tenha cooperado, pois vai usufruir de sua doação sem ter de desperdiçar nenhum recurso; (4) porém, caso haja dois trapaceiros, ambos sairão prejudicados.
Apreendemos
daí que a cooperação só é lucrativa quando há outros que também cooperam e que
trapacear é vantajoso num meio onde todos os outros cooperam.
A seleção
natural oferece um panorama semelhante sobre como cooperação e trapaça
beneficiam ou prejudicam dois indivíduos:
Mutualismo: quando dois indivíduos cooperam simultaneamente com ganhos reprodutivos para ambos;Altruísmo Recíproco: quando a cooperação não é simultânea, e embora os dois cooperadores tenham ganhos reprodutivos, para um deles o ganho é atingido somente somente no futuro e depende da retribuição do parceiro;Egoísmo: situação reversa de c, quando um indivíduo tira vantagem da cooperação do parceiro sem fornecer nada em troca eComportamento Vingativo: o indivíduo prejudica alguém que o prejudicou mesmo que isto cause perda da aptidão a ele.
Tendo essas
regrinhas - que surgem naturalmente das relações entre dois indivíduos - em
mente, como podemos prever o resultado dessas interações, estudar o motivo pelo
qual os indivíduos trapaceiam ou cooperam em grupos de dois ou mais
componentes? A Teoria dos Jogos tem
se mostrado uma boa ferramenta.
Teoria dos Jogos
A Teoria dos Jogos foi criada em
meados do século XX por Neumann e Morgenstern. Ela foi criada para a análise
matemática da distribuição de recursos escassos em microeconomias, mostrando
ser uma ótima ferramenta para lidar com previsões e conseqüências de decisões
tomadas tendo como base a decisão de outro(s) indivíduo(s). E esses componentes
tomadores de decisões podem ser pessoas, animais, empresas e grupos em geral.
Assim, sua aplicação é possível em diversas áreas, da economia à psicologia evolucionista.
T. dos Jogos na Psicologia
Evolucionista
Essa relação
torna-se possível devido à estreita semelhança entre os pressupostos da T. dosJogos e da seleção natural. Na primeira, a regra
máxima é que os jogadores tendem a maximizar seus ganhos e minimizar suas
perdas (teoria da utilidade),
e, na segunda, os seres vivos tendem a maximizar
suas possibilidades de se reproduzirem.
O Dilema do Prisioneiro é um ótimo
exemplo para entender essa dinâmica. Há dois criminosos sendo interrogados
separadamente. (1) Se ambos negarem
o crime e não acusarem o colega, ou seja, se cooperarem, receberão a mesma
pena. (2) Caso um confesse e o outro
denuncie, o primeiro receberá a maior pena e o segundo ficará livre. (3) Se ambos se acusarem receberão a
mesma pena - que será maior do que a de se os dois cooperarem.
Destaco que os dois prisioneiros não
tinham conhecimento da resposta do outro.
Analisando as
opções disponíveis verifica-se que trapacear é a que oferece mais vantagens,
pois se o outro não trapacear também, quem o fizer fica livre. No entanto,
trapacear é vantajoso em condições ideais do jogo, em que nenhum dos indivíduos
se verá de novo. Em grupos – onde situações em que devemos escolher entre
cooperação ou trapaça são mais comuns – costumamos ver aquelas mesmas pessoas
várias vezes, o que cria mais uma variável não considerada pelo Enigma.
Acrescentando essa condição, competições de computador organizadas por Axelrod
e Hamilton (1981) mostraram que a cooperação passava a ser a melhor estratégia.
Esse resultado (aliado a outros estudos que mostraram os mesmos) revela que
quando temos chance de reencontrar os parceiros há maior probabilidade de
escolhermos estratégias cooperativas.
Isso se
relaciona também com o conceito de altruísmo
recíproco, em que um indivíduo coopera com outro mas a recompensa por isso é
futura. Estudos nessa área (Trivers, 1971) mostraram também que esse tipo de
interação é mais comum em grupos cujos componentes tem mais chances de se
encontrarem novamente.
O Enigma do
Prisioneiro pode também explicar, então, as doações anônimas que fazemos para
instituições de caridade, por exemplo? Qual vantagem receberíamos em termos de
favores futuros doando algo para quem nem sabe quem somos e para pessoas as
quais nós também nunca conheceremos? Seria
um furo na explicação do altruísmo recíproco?
Não. Nowak e
Sigmund (1998) exemplificaram a questão de forma surpreendente. Numa variação
do jogo do Enigma, os pesquisadores fizeram os resultados da tarefa aparecerem
numa tela a qual todos os outros jogadores tinham acesso. Os jogadores
cooperativos recebiam de volta muito mais comportamentos cooperativos mesmo de
competidores que não tinha sido beneficiados por esses jogadores em jogos
anteriores. Isso sugere que a fama é uma importante variável na equação do
altruísmo. Isso explicaria porque nós nos sentimos tão bem em doar mesmo para
desconhecidos.
A T. dosJogos é uma ferramenta universal na compreensão do comportamento social e
tomada de decisões nesses contextos, exercendo um importante papel na
compreensão também de como a seleção natural moldou a nossa mente para lidar
com problemas atuais. A tomada de decisões frente a situações que demandam
cooperação ou trapaça é regida por regras que, uma vez estudadas, podem nos
auxiliar na compreensão teórica e prática do comportamento humano, o que
possibilita a prevenção de problemas em diversos setores da vida cotidiana e
profissional, explicando também aspectos mais obscuros do nosso comportamento, como
doações anônimas e outras atitudes aparentemente sem explicações naturais.
Referências
- · Alencar, A. I. & Yamamoto, M. I. (2008). A teoria dos jogos como metodologia de investigação científica para a cooperação na perspectiva da psicologia evolucionista, PSICO, Porto Alegre, PUCRS, v. 39, n. 4, PP. 522-529
- · Axelrod, R., & Hamilton, W.D. (1981). The evolution of cooperation. Science, 211(4489), 1390-1396.
- · Nowak, M.A., & Sigmund, K. (1998). Evolution of indirect reciprocity by image scoring. Nature, 393, 573-577.
- · Trivers, R.L. (1971). The evolution of reciprocal altruism. The Quarterly Review of Biology, 46, 35-57.