terça-feira, 24 de setembro de 2013

Uma lição de discriminação

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Todos deveriam assistir a este Uma Lição de Discriminação. Principalmente porque vivemos num mundo de pessoas preconceituosas [por mais que muito disso seja mimimi]. Também vivemos numa época em que explicações que vão além da história de determinado tipo de discriminação, são consideradas reforçadores destes. Por exemplo, o que seria dito se argumentassem que o comportamento preconceituoso faz parte da natureza humana?

Com certeza, para um aluno brasileiro de psicologia, no geral, isso seria um ultraje equivalente a dizer que negros são menos inteligentes que brancos. E falo isso por experiência própria. Tendemos a achar que algo errado, como a discriminação contra qualquer um, seja algo tão mal que a mera tentativa de explicar isso serviria para, na verdade, justificá-la. E a coisa só pioraria pelo emprego do termo “natureza humana”, que de tanto ser usado levianamente, hoje toda a área de Humanas olha com desconfiança [raiva] para o conceito. Tenho certeza, também, que muitos dos meus colegas estudantes de psicologia e psicólogos podem olhar para o vídeo e se ver irrompendo num ato torrencial de críticas sobre a ética envolvida no experimento, e não nas reflexões suscitadas pelo estudo em si.

O documentário Uma Lição de Discriminação se passa na França, num colégio com crianças bem novas (3º ano, seja lá o que isso signifique para nós). A professora, com a autorização da direção da escola, executa um interessante experimento. Ela separa os aluninhos em dois grupos: o de alunos mais altos, que usavam um colete, e outro, de alunos mais baixos, sem colete. Ela informava que as pessoas mais altas eram menos inteligentes que as mais baixas.

A partir dessa simples informação, os alunos mais altos se sentiram naturalmente rebaixados, e os mais baixos passaram a tratá-los mal, discriminando-os, dizendo “Ah ele é alto” em tom de xingamento. Foi interessante que quando eram chamados para executar lições no quadro negro, os mais baixos eram sempre agraciados pela professora, que os elogiava, ao passo que os alunos mais altos tinham qualquer mínimo deslize justificado pelo fato de serem altos. Vejamos: nesse estudo informal, não foram utilizadas características físicas clássicas em termos de discriminação. A altura pode até ser motivo de uma brincadeirinha aqui e ali, mas convenhamos que seria algo bem mais historicamente condicionado utilizar cor de pele ou gênero, por exemplo. Acho que foi mostrado, portanto, que o histórico de discriminação é uma condição suficientepara que haja o preconceito, mas não é algo necessário.

Outro ponto muito interessante no qual tocaram, querendo ou não, foi a questão do potencial humano relacionado ao bem ou ao mal. Teríamos o potencial para o altruísmo e para o egoísmo? Ou seríamos seres egoístas que as instituições sociais tratam de moldar para o bem?

Num momento do vídeo, a professora anuncia os privilégios que os baixos terão. Uma garotinha, chorosa, diz que não precisa de privilégios [estava triste, pois seus amigos todos eram do grupo dos altos, com colete]. Em outro trecho, no pátio, os baixos brincavam enquanto os altos, não. E um destes estava choramingando encostado numa cerca, com outros amigos sem colete perto, tentando reanimá-lo através de carinhos.

Desde pequenas essas pessoas naturalmente são capazes de desempenhar os gestos de ambas as faixas do espectro altruísmo-egoísmo. Algumas delas parecem sentir-se superiores aos outros, outras, se incomodam com essa diferenciação descabida e protestam e apoiam os injustiçados, chegando ao ponto de querer abdicar de seus poderes.

Por último, quero ressaltar que constatar que a discriminação preconceituosa surge naturalmente em nós e m outros primatas, não sugere que devamos aceitar isso. Só acrescenta mais cartas à mesa, nos dando maiores condições de entender algo tão condenável e ter meios para lutar mais eficazmente contra sua expressão.