Regras, regras, regras!
Se tem regras não é zen.
Elas me deixam LOUCO!
Se tem regras não é zen.
Elas me deixam LOUCO!
~Comentário em Ser Zen ou Praticar Zen
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Shunryu Suzuki Roshi |
Se
observarmos bem a nós mesmos, nossa mente também é assim. Nossa mente de
macaco, como diria Suzuki Roshi:
...."quando você não acredita no significado da prática que está fazendo neste momento, nada pode ser feito. Está às voltas com o objetivo, com a sua mente de macaco. Está sempre procurando por algo sem saber o que está fazendo. Se você quer ver uma coisa, deve abrir os olhos."... ~Texto de Shunryu Suzuki, extraído do livro "Mente ZEN, mente de principiante"
A nossa
mente nunca fica parada, sempre está procurando algo para perscrutar. É como se
fosse um esquilo ou um cão, permanentemente farejando tudo à volta.
Isso é
lamentável, pois funcionando dessa forma estamos boicotando nossa própria
capacidade de aproveitar os momentos, de estarmos presentes
verdadeiramente. Pode parecer besteira, mas a atenção plena aplicada a cada coisa que fazemos é
importantíssima. E
existem formas de cultivar isso.
Toda a
cultura japonesa, com todo seu minimalismo e ênfase aos detalhes, é um solo fértil
para o desenvolvimento dessas faculdades. As artes marciais japonesas
assimilaram todo esse costume, ajudando a formar – e sendo influenciado pelo já
existente – todo o corpo de práticas no sentido de nos fazer valorizar cada
segundo – afinal, para um samurai, um milésimo de segundo era o suficiente para
ser cortado pó uma afiada katana.
Os rituais e a formalidade
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Bruce Lee |
Os rituais
são muitas vezes subestimados pela cultura ocidental. Podem ser considerados
elementos estritamente religiosos (o que desagrada a quem não tem uma ou a quemé adepto de religião contrária ao ritual proposto) ou protocolo sem sentido, mero “enchimento de linguiça”. Essas práticas
planejadas estão presentes em nosso dia-a-dia mais do que pensamos. Da cerveja
às sextas-feiras depois do trabalho ao futebol dos domingos, tudo isso se
praticado frequentemente vira ritual, por mais laico que seja. E tudo que é
ritualizado é também um hábito que pode transbordar para outras esferas da
vida.
É o caso da
etiqueta japonesa, extremamente rigorosa para nós ocidentais. Mas não julgue como
fúteis essas práticas, elas tem um propósito teórico que pode ser belamente
funcional. É o caso do cultivo da perfeição em cada simples atividade
cotidiana, por intermédio da prática da atenção.
‘Drink your tea slowly and reverently, as if it is the axis on which the world earth revolves – slowly, evenly, without rushing toward the future. Live the actual moment.’ ~Thich Nhat Hanh
‘Walk as if you are kissing the Earth with your feet.’ ~Thich Nhat Hahn
Para a mente
bem treinada, tomar chá, caminhar e lavar o carro podem ser atividades que nos despertam, que nos dão a oportunidade de ver onde
nossa mente está.
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Dojo Central da Facerj - referência na prática do aikido |
A arte
marcial como Caminho (Do)
As artes marciais são um dos caminhos que levam a isso. Quando se entra no
dojo, temos de realizar uma série de atos ritualísticos (cumprimentar a foto do
Ueshiba, o sensei e aquele que está guiando o aquecimento, no caso de se chegar
atrasado). Um japonês diria, ainda, que a prática da arte marcial começa antes
mesmo de se pisar no tatame. É do lado de fora, quando tiramos nossos calçados.
O modo como os posicionamos revela o estado da nossa mente. Se estiverem todos
desordenados, é como nossa mente estará.
Durante a execução das técnicas, a atenção também deve ser mantida. Se
tomarmos o aikido como referência, isto deve ser feito de forma ainda mais
acurada. A complexidade da arte fica evidente na sutileza e simultânea precisão
de cada técnica. É tudo muito leve, mas também muito poderoso se feito de
maneira correta. E a maneira mais correta de fazer é esta, focado, atentamente.
Cada posição que o corpo assume, cada modificação que isso causa no corpo
daquele que recebe o golpe (uke).
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Takamatsu Toshitsugu - mestre de ninjutsu |
Se fôssemos japoneses, acrescentaríamos algo: não falar. Uma das
peculiaridades da didática nipônica é que devemos aprender a técnica sendo uke, enquanto o tori está executando-a. Morihei Ueshiba, fundador do aikido,
ensinava assim. Grandes ícones de outras artes marciais como Takamatsu Toshitsugu, mestre de ninjutsu,
aprenderam tudo o que sabiam assim também. Este último diz que ficou por anos
sendo jogado de um lado por outro por seu mestre. Tudo o que ele fazia era
isso, além de falar pouco durante as aulas, saindo de sua boca somente esporros
e exortações à disciplina. Isso facilitava à emergência dessa capacidade de penetrar
no agora. E mais importante, - para aqueles que não querem apenas desenvolver isso, mas também as propriedades do despertar típicas da prática budista – não falar nos mantém longe do simulacro dualista
da realidade à qual estamos mergulhados desde que nascemos e aprendemos a
categorizar as coisas, o que causa a maioria dos problemas em nossa vida.
Outro ponto válido estimulado pela prática do aikido é a respiração. Respirar todos nós conseguimos, mas respirar
corretamente é uma raridade. Na maioria das vezes, interrompemos nossa
respiração normal e a prendemos sem nem mesmo perceber.
Desenvolvendo a atenção
plena como descrevi antes, com pouco tempo de prática, nos tornamos capazes de
perceber que ao acessar nosso e-mail interrompemos o inspirar e expirar. Podemos chamar isso informalmente de "apneia por e-mail". E como toda apneia,
provavelmente ela traz malefícios.
Na prática
da arte marcial, se quisermos fazer direito, temos que saber a hora certa de
puxar o ar para dentro e de expirá-lo. Isso tem que ser feito levando-se em
conta toda a movimentação que se está fazendo. Quando for esquivar, quando for
dar um kime, tudo isso deve se feito
em conjunto com o ato de respirar.
“Todas essas coisas, o arco, a flecha, o alvo e eu estamos enredados de tal maneira que não consigo separá-las. E até o desejo de fazê-lo desapareceu. Porque, quando seguro o arco e disparo, tudo fica tão claro, tão unívoco, tão ridiculamente simples.” ~Eugen Herrigel em A arte cavalheiresca do arqueiro zen