sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A Reinterpretação dos Sonhos

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Desde sempre humanidade se questionou sobre os sonhos. Em época em que tudo era interpretado de uma perspectiva mítica, religiosa, sagrada e mística os sonhos eram vistos como profecias reveladas aos homens pelos deuses, como projeções astrais e/ou mensagens, avisos. De fato, a experiência onírica é fascinante sob seus diversos aspectos e visões. Até o século passado o sonho era visto como uma manifestação do inconsciente, realizando desejos reprimidos e questões mal elaboradas pela consciência.  Hoje contamos com instrumentos e métodos mais eficientes para investigarmos os sonhos, e a neurociência é o principal pilar desta nova época. Ela tem lançado luz sobre o que realmente são os sonhos e qual o papel dele no nosso cérebro, como espécie. Agora, fique de olhos bem abertos e embarque nessa viagem.

SONHOS NA ANTIGUIDADE

Artemidoro e Ambrósio, que viveram entre os séculos 2 e 5, já haviam escrito sobre os sonhos, inclusive, em um de seus escritos aparecia um personagem bem conhecido da história: Alexandre, O Grande. Em 332 a.C., Alexandre tentava invadir a cidade fenícia de Tiro. Apesar da supremacia de seu exército, eles estavam inseguros e com problemas de incentivo para continuar a missão e finalmente invadir a cidade.Até que um dia Alexandre, O Grande, teve um sonho, em que um sátiro dançava sobre seu escudo. Intrigado com o sonho, foi buscar ajuda de um guia espiritual que acompanhava sua tropa. O guia analisou o sonho e concluiu que este significava vitória certa das tropas de Alexandre caso invadissem Tiro. O método usado pelo guru foi simples: desmembrou a palavra sátiro em sa Turo, que significa “Tiro é sua”. Pronto, Alexandre e sua tropa foram confiantes, invadiram e dominaram a cidade fenícia. Esse é um exemplo bem antigo de como os sonhos tinham já um certo papel e despertavam a curiosidade na Antiguidade. Freud escreveu esse relato em seu livro A Interpretação dos Sonhos. Aristóteles, no séc. 4 a.C., também já refletia sobre o tema, acertando até quanto ao fato de que os movimentos corporais de certas fases do sono tinham relações com os sonhos. 
Sátiro

Todos os relatos e reflexões antigas sobre os sonhos refletiam uma preocupação comum na época: os sonhos eram revelações sobrenaturais, sendo assim, o que eles significavam? Quem ou o que os mandava? A própria mitologia grega delegava a responsabilidade dos sonhos aos filhos de Hypnos, deus do sono, que por sua vez era irmão gêmeo de Tanatos, deus da morte. Um dos filhos de Hypnos era Morfeu, que trazia os sonhos aos homens. Tribos xamânicas consideravam o sonho uma parte da realidade e não uma experiência ilusória provocada pela própria mente ou por um deus. Segundos esses povos, os sonhos nada mais são do que as experiências do espírito ao sair do corpo durante o sono. Como exemplo de sonhos sendo mensagens divinas, temos o capítulo 41 do Gênesis, em que José se apresenta ao faraó como um intermediário entre Deus e o homem após ter um sonho que decifrado, ele crê, revelaria alguma mensagem sobre o futuro do império egípcio. Esse estilo mitológico de ver os sonhos demoraria mais quase 2000 anos para ser enfraquecido, ou seja, para que a razão assumisse as reflexões, e mais ainda para que a investigação passasse a ser feita sob os moldes do método científico.

O SÉC. XIX E O SONHO SOB ANÁLISE RACIONAL

O séc., XIX foi marcado pelas teorizações sobre os sonhos, mas que diferentemente das dos séculos anteriores, eram racionais, não procuravam amparo em explicações que envolviam deuses, espíritos, mensagens a serem decifradas. O primeiro a ousar lançar outra visão sobre o assunto foi Charles Darwin, em seu livro A Descendência do Homem, onde afirma que não só os homens passam por essas singulares experiências durante o sono, mas também os outros animais são capazes disso, o que significaria que eles tem uma capacidade de abstração e imaginação próximas às nossas. E Darwin intuiu de maneira correta, pois já se sabe que provavelmente os outros animais, como répteis, aves e mamíferos, conseguem passar pela experiência onírica. Isso ficou óbvio para Darwin quando ele percebeu que os outros animais também mexem os olhos, os membros e emitem sons em determinado estágio do sono, assim como nós.

Freud
A Interpretação dos Sonhos, livro escrito por Freud, certamente mais conhecido do que o referido livro de Darwin, representou um marco na história por representar uma ampla gama de conclusões sobre o assunto, muitas delas bem polêmicas o que garantiu ainda mais a expansão de suas idéias. Para Freud, os sonhos são uma válvula de escape para nossa mente, na tentativa de realizar desejos, ou informações, reprimidos (ou recalcados, na linguagem dos psicanalistas). Dessa forma, um homem que possuísse uma amante, por exemplo, poderia sonhar não com ele e a mulher, necessariamente, mas o sonho poderia conter a cortina do lugar onde os dois se encontram. Ou ainda, no caso real que deu origem ao que mais tarde viraria a psicanálise: o médico Breuer, amigo de Freud, lidava com uma paciente chamada Bertha, que manifestava sintomas histéricos. Breuer se sentia atraído pela paciente. Freud mais tarde interpretou a atração do médico por Bertha, como uma manifestação inconsciente de algo reprimido há muito tempo pela sua consciência: o Complexo de Édipo. Ou seja, para Freud, todos os homens, em sua tenra infância, desenvolvem esse Complexo, que é o desejo de matar o pai para ficar com a mãe, por quem são apaixonados. Freud chegou a essa conclusão à respeito de Breuer, dentre outra coisas, porque a mãe de seu amigo se chamava justamente Bertha, mesmo nome da paciente com quem se apaixonou. Portanto, apesar de o exemplo não ser sobre um sonho, ele mostra como algo recalcado em nosso inconsciente pode se revelar como um aspecto simbólico parcial do que realmente está reprimido, nesse caso, o nome.

A CIÊNCIA DOS SONHOS

 Os períodos anteriores à era da neurociência eram marcados por investigações puramente racionais ou com demasiada dose de hipóteses que não eram testadas de maneira como é feita atualmente, através do rigoroso método científico. Hoje muitas pesquisas apontam para algo que já é considerado um fato sobre os sonhos: a relação entre sonhos e memória. O sonho ocorre num estado do sono denominado sono REM, da sigla que em inglês significa “movimento rápido dos olhos”. Esse estado está ligado ao processamento e armazenamento das memórias que foram geradas antes do dono, ou seja, é no sono REM que o nosso cérebro seleciona as memórias úteis e exclui as inúteis, e no caso das úteis, as transfere da memória de curto prazo (hipocampo) para a de longo prazo. Agora o sonho é um tema bastante presente em pesquisas por todo o mundo, e novas idéias e fatos à cera do tema estão surgindo.

O psicólogo Antti Revonsuo diz que os sonhos são essenciais para a sobrevivência, um dos motivos pelos quais a seleção natural preservou essa característica. Segundo ele, o sonho é um modo de nos preparar para acordar, de passar por situações que de certa forma nos previnem de certas situações. A idéia recebe críticas, mas isso explicaria o porquê de os sonhos se passarem na forma de imagens aleatórias em certos enredos. Estima-se que a experiência onírica tenha se desenvolvido há 140 milhões de anos, quando começaram a aparecer os primeiros mamíferos e aves, espécies que possuem o estágio de sono REM (o das aves é mais curto que o dos mamíferos).

Bom, agora a questão que mais intriga os cientistas é o conteúdo dos sonhos. Será que sua concatenação é aleatória? Enquanto isso, outros se concentram em perceber se é possível controlarmos esse conteúdo. Alguns psicólogos e cientistas acham que sim, mas através de mentalizações, meditações, ou seja, técnicas pouco objetivas. Isso acaba despertando uma idéia bem familiar: Matrix. É isso mesmo, não está longe de virar realidade simuladores usados justamente para o propósito que Antti Revonsuo deu para os sonhos: nos treinar para o mundo real. O irônico é que uma das coisas mais fascinantes e misteriosas atualmente para a ciência, seja, no futuro, uma das apostas que vai gerar tecnologias antes inimagináveis; tecnologias estas que nos permitam aprender coisas em segundos, treinar para uma guerra sem sair da cadeira, treinar para uma apresentação de trabalho...e quem sabe, criar um mundo virtual indiferenciável do real. Será que a Matrix está próxima?

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