Eu sempre fui uma pessoa curiosa. Claro que curiosidade tem limite e eu não desejo nem nunca desejei saber tudo sobre tudo (quer dizer, até desejo, mas é impossível). Mas ainda sim eu suspeito que sou mais curioso do que a maioria das pessoas, pelo menos em relação a determinados assuntos. Essa característica fez com que cedo eu começasse a reparar que é comum que no colégio ou mesmo na faculdade algumas pessoas seguem um lema em forma de pergunta: “Pra que eu preciso saber isso?”.
Durante grande parte do período escolar eu fui interessado em Biologia. Depois de certo tempo passei também a me interessar bastante por História. Mas nessas duas fases o interesse em uma matéria específica não me impediu de ver algo de interessante nas outras. Nunca fui um prodígio em matemática mas apesar disso não deixei de admirar a linguagem dos números e saber de sua importância. Quando os números passaram a se aplicar na Física, comecei a ver um pouco mais de sentido ali e passei a compreender melhor, apesar de também não ser um gênio na matéria; até porque eu sempre achei um tédio o modo como o conhecimento de física era passado pelos professores, exaltando somente a aplicação de fórmulas em problemas matemáticos. Meus colegas resolviam aqueles problemas como máquinas de calcular, como se aquilo não tivesse nenhuma equivalência na natureza. De fato, não sei se é um problema do Brasil somente, mas em poucas aulas eu sentia que o professor incentivava uma reflexão mais profunda sobre o que estava sendo passado. As aulas eram somente uma preparação para as provas de fim de mês em que a matéria era passada de forma a facilitar nosso estudo. Isso produz uma situação em que o aluno acha que aprende, ou não se importa, e o professor acha que ensina, e também, infelizmente, às vezes também não se importa.
Richard Feynman |
O livro O Senhor Está Brincando Sr. Feynman? possui um capítulo onde são relatadas as experiências do físico americano Richard Feynman numa vinda aqui no Brasil. Os mais nacionalistas, se forem sinceros o bastante, concordarão com as críticas que o físico faz, mas suspeito que a maioria descartará tudo com aquele conveniente relativismo cultural que autoriza qualquer absurdo. O físico se queixa primeiramente dos horários dos cariocas. Ele vinha para promover uma série de palestras, mas como era época de Carnaval, os organizadores do evento comentaram a beleza da festa e logo chamaram o físico para participar de um bloco em Copacabana. A essa altura não lembro de detalhes, mas uma das palestras coincidia com um dos eventos carnavalescos e a equipe sugeriu a Feynman que abandonasse a palestra já marcada e deixasse que os alunos voltassem outro dia. Feynman achou isso um absurdo porque, segundo ele, dificilmente nas universidades dos EUA um professor trataria um compromisso com os alunos com tamanho descaso e seria tão impontual. Outra crítica é sobre os alunos brasileiros que, segundo ele, não pensam no que estão aprendendo, somente fazem as operações mecanicamente, o que dificulta o real entendimento do assunto (Física, no caso. Mas tal pensamento serve pra qualquer disciplina).
Esse ensino superficial que acaba fazendo parte do dia-a-dia das escolas brasileiras não cria um ambiente propício ao envolvimento do aluno com o saber; daí surgem perguntas como “pra que preciso saber isso?”. É realmente lamentável que o pensamento dominante seja que um engenheiro, por exemplo, não deva conhecer história, biologia ou geografia; ou que um advogado não precise conhecer física, matemática ou biologia, ou que psicólogos não devam saber nada de física. O conhecimento não é dado só para que sejamos bem sucedidos na vida profissional, mas serve também ao propósito de fundar um caráter, uma responsabilidade e, no mesmo grau de importância que os outros, uma mentalidade perante o universo, perante a vida e as relações humanas. Sim, temos que olhar para o mundo em que vivemos e temos que entendê-lo. Temos que olhar para nosso corpo e saber mais ou menos o que acontece com ele, independentemente do que fazemos para ganhar dinheiro. O Universo é como se fosse a nossa casa, temos que conhecê-la ou então nos perderemos dentro dela, não saberemos onde guardamos nossas coisas. Apesar de o conhecimento ser importante, uma atitude inicial tem que ser despertada para que se queira adquirir o conhecimento que é a curiosidade, o espanto (thauma) com o mundo. Mesmo que não se saiba algo, uma postura interessada é o que mais vale pois é ela que nos garante prosseguir na via da obtenção de conhecimento. Agora, leia a excelente resposta que o professor Ernesto Von Rückert, físico e cosmologista, deu para a pergunta inicial deste post:
Quem pergunta isto tem uma visão completamente antolhada da vida. Só pensa na utilidade prática imediata de seus saberes. É um verdadeiro bitolado. É preciso entender que o que se aprende na Educação Básica (Ensinos Fundamental e Médio) é um corpo de conhecimentos e habilidades para a vida como um todo e não para o exercício específico de nenhuma profissão. No Ensino Médio Regular Geral, que não é profissionalizante, mas preparatório para os Estudos Superiories, isto é mais nítido ainda. Toda pessoa, seja o que for fazer na vida, tem que ter conhecimentos de tudo o que é visto na Educação Básica, senão será uma pessoa ignorante e incapaz de compreender o mundo natural e social em que está inserida. Além disso, o estudo e a aprendizagem desses conteúdos, não apenas passa conhecimentos e habilidades, como também promove o necessário aprimoramento da sensibilidade, da vontade e, principalmente, da inteligência, para dar à pessoa a competência requerida para a vida adulta, seja em que atividade for. Matemática, Física, Química, Biologia, Desenho, Geografia, História, Filosofia, Sociologia, Português, Literatura, Redação, Inglês, Espanhol, Artes, Música, com todos os conteúdos e, friso de novo, habilidades desenvolvidas, constituem o cabedal mínimo exigido para que a pessoa não seja ignorante em sua atuação pessoal, social e profissional, como um portador de diploma de nível superior. Leia a resposta completa