sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A Raiz da Crença

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Para nós, ateus, seria muito confortável que a crença em deuses fosse um produto da nossa evolução cultural, como gostam de afirmar antropólogos e sociólogos, ou que fosse fruto de uma proliferação de memes, como afirmam autores como Richard Dawkins e Daniel Dennett, porque pelo menos não teríamos que conviver com o fato de que se não tomarmos cuidado podemos acabar caindo em alguma explicação espiritual ou metafísica. Mas talvez a história não seja bem assim. Existe grande grande chance de o ser humano não nascer ateu, é o que afirma o cientista Dean Hamer, que de uma vez só arrumou confusão com os beatos e com a tropa de elite das ciências sociais que repugna qualquer idéia que envolva genética e comportamento.

Dean Hamer
Dean Hamer, autor do polêmico livro O Gene de Deus, afirma que o ser humano, pelo menos a maioria de nós, já nasce predisposto à crença religiosa, que ele cita no livro como espiritualidade. E tudo se daria graças a um mecanismo bioquímico que teria como um dos principais agentes um gene chamado vmat2. “Ele estaria envolvido no transporte de uma classe de mensageiros químicos do cérebro conhecidos como monoaminas, do qual o mais famoso é a serotonina, a molécula do bem-estar. O ecstasy, o Prozac e outras drogas influenciam o humor alterando os níveis de serotonina no sistema nervoso.” 

A idéia de que a crença, ou a espiritualidade, tenha alguma base genética já era cogitada por mim desde antes de eu ler sobre o livro desse cientista, publicado em 2005. É de se espantar que as pessoas, até mesmo alguns especialistas, não achem isso óbvio dada a incidência universal do fenômeno, independentemente da cultura e do tempo. 

A nossa capacidade linguística, que também se dá graças a certos genes e áreas cerebrais como a área de Broca, foi o motor desse novo estágio, marcado pela consciência, que, consequentemente, nos fez olhar para o mundo e nos espantarmos (o thauma, como dizia Tales de Mileto). Esse espanto, que também pode ser entendido como a curiosidade natural com que o homem olha o mundo e se pergunta como ele surgiu, como sua espécie veio a existir, se há um criador de tudo e caso seja positiva a resposta, se ele tem a forma humana ou não e etc. Esses questionamentos podem enveredar por diversos lados, permanecendo tanto na esfera do questionamento sobre as causas mais observáveis quanto por um caminho que se torna um labirinto na medida em que nos perdemos em questões metafísicas. Esse fenômeno seria de natureza social somente? Acho muito difícil que coincidentemente todos os humanos tenham chegado socialmente a essas especulações. 
Pinturas Rupestres
 
Isso não significa dizer que todo o conjunto de fatores sociais foi ignorado por Hamer. Ele destaca bem que “Não acho que o vmat2 seja ‘o’ gene que torna as pessoas espirituais, só acho que seja parte da via bioquímica no cérebro das pessoas que é usada para esse tipo de sentimento ou resposta emocional”, disse em entrevista à Folha de São Paulo. Como era de se esperar teólogos, sociólogos e antropólogos caíram em cima. “A crença religiosa não está relacionada apenas à pessoa mas também à sociedade, à tradição, ao caráter...”, declara ao jornal britânico The Daily Telegraph o teólogo Walter Houston, do Mansfield College. E quem disse que está? É incrivel como a comunidade de teólogos e cientistas políticos age como se fosse propriamente uma Igreja defendendo suas crenças. Nesse tipo de debate, como destaca o neurocientista e psicólogo evolucionista Steven Pinker no livro Tábula Rasa – A Negação Contemporânea da Natureza Humana, termos como “predisposição”, “probabilidade” e “propensão” se tornam todos sinônimos de “100%”, “determinação”. 

Sinceramente eu não conheço bem, como conheço a reação dos cientistas ligados à área de ciências sociais e políticas, como reage a maior parte da comunidade cristã frente a opiniões como essa. Mas, antecipando o que alguns com certeza diriam: não, ter genes ou áreas cerebrais ligadas a fenômenos de natureza religiosa não significa que fomos projetados por um ser inteligente que construiu em nós esses mecanismos e estruturas para reconhecê-lo. Primeiro que a biologia não pode testar essa hipótese, então é inútil se descabelar por ela. Segundo que essa hipótese genética não indica que temos propensão a acreditar num deus exatamente, mas a termos espiritualidade, o que não está ligado a religião alguma e nem mesmo a divindades especificamente; é só olhar para o Budismo e Taoísmo, que são religiões sem deuses. E terceiro que um princípio bem mais elegante e compatível com o que realmente sabemos hoje, é alegar que mais uma vez estamos utilizando o que Stephen Hawking chama de Princípio Antrópico (ele utiliza isso na Cosmologia, mas tal princípio, como mostrarei, é eficiente na hora de explicar fenômenos em outras áreas). Tal Princípio pode nos ensinar que caso o homem não fosse do jeito que é, isto é, não tivesse consciência, linguagem, bem como o aparato biológico que propicia tal coisa, ele não possuiria meios para realizar os questionamentos que citei parágrafos acima, logo, a idéia de uma divindade ou qualquer coisa que abarcasse uma espiritualidade nunca seria cogitada. Isso significa que esse homem nunca alegaria que um Deus o criou, devido ao mecanismo biológico que ele deveria ter mas não tem. Nós, humanos do mundo “real” no qual estou (estamos), fomos moldados pela seleção natural de forma a termos a tendência de falar do Além, de deuses e etc, logo, isso se torna condição natural de nosso ser desde mais ou menos 50 mil anos atrás, que foi quando o homem passou a apresentar os primeiros sinais de pensamento simbólico (com inscrição em cavernas e enterros, por exemplo). Então pelo menos uma vez na vida nos perguntarmos sobre essas coisas é inevitável.

Livre-Arbítrio?
Por parte das ciências sociais, acho que esse terror sentido toda vez que comportamento é relacionado com genética é sentido porque isso vem de um princípio que acho que a maioria, senão todos, os humanos compartilham: o desejo ter ter livre-arbítrio. Nos enche de temor a idéia de que não somos totalmente conscientes, donos de nossas próprias ações e pensamentos.             

E por último quero acrescentar, para reforçar os últimos parágrafos, que o fato de a espiritualidade e a habilidade (ou mania?) de acreditar, de pensar em algo além da vida, ou seja, o pensamento mágico em geral não é prova de que exita, de fato, algo além; no máximo essas descobertas provam que a crença nessas coisas existe e faz parte não só de um conjunto de fatores socio-culturais, mas também da própria natureza humana. O que não significa que não possamos nos esforçar para mudar. 

 Fontes / Saiba Mais





-Tábula Rasa: A Negação Contemporânea da Natureza Humana - Steven Pinker

-O Universo Numa casca de Noz - Stephen Hawking




4 comentários:

Alexandre Magnos Gomes disse...

Acredito que seja sim uma questão bio-química, baseado na visão que somos uma espécie social e dependemos do coletivo, poderiamos ter uma disposição a seguir um lider, e então a facilidade de credulidade em um grupo, ou religião.

Felipe disse...

Exato....mas além disso eu diria que existe em nós uma propensão ao pensamento mágico.

Eder Juno disse...

Compartilho a idéia multidimensional de Daniel Dennett quando diz que nosso tipo de mente age através de uma postura intencional popperiana, ou seja, criamos crenças e valores não só apenas a partir de nossos instintos, nem através do que experiênciamos, mas nossa peculiaridade se dá através da capacidade de imaginar o fenômeno, hipotetizá-lo, e agir de acordo com esta crença - que se torna parte de nossa realidade. Este é um mecanismo muito inteligente para nossos genes, mas leva o homem ao seu pior pesadelo - não diferenciar o real do falso, viver um sonho, não ter liberdade de perceber o mundo como ele, realmente, é.
Não existe o gene da espiritualidade, o autor deste livro me lembra Yung quando percebe algo de errado acontecendo, mas por falta de contextualização cai no erro e na ilusão.

Felipe disse...

mas o autor não quis dizer que existe um gene da espiritualidade. Ele até deixou bem claro que o que ele descobriu foi um dos genes que tem um papel na bioquímica cerebral envolvida na produção do comportamento espiritual humano. Sem esse gene, ou seja, sem esse aparato biológico, é impossível ter a tendência a vivenciar a espiritualidade. Esse fundo biológico não exclui a idéia de Dennett. Na verdade ela não exclui nenhuma idéia que mostra que o comportamento espiritualista tem algum embasamento social ou ambiental de qualquer natureza. O autor só quis dizer que para que o ser humano esteja apto a ter essas experiências, precisamos ter uma arquitetura genética que a permita.

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