Esqueça os relógios pendurados balançando monotonamente, espirais letárgicas e pessoas inconscientes sujeitas ao que o hipnotizador quiser fazer. Essa imagem estereotipada não passa de lenda que no fundo só o que faz é ocultar o lado mais interessante, útil e verdadeiro da hipnose. Hoje é usada para tratamentos de fobias até anestesia em cirurgias. Essa é uma prática mais antiga do que imaginamos. A ciência está começando a decifrar essa misteriosa técnica graças a modernas técnicas de imageamento cerebral; e a boa notícia é que a hipnose realmente funciona.
ANTECEDENTES
'Lição clínica no hospital da Salpêtrière', tela de 1887 do pintor francês Pierre-André Brouillet (1857-1914) que retrata uma aula de hipnose. |
Tudo começou no século XVIII, quando o médico alemão Franz Anton Mesmer defendeu uma tese um tanto exótica na Universidade de Viena: a atração gravitacional entre a Terra e outros corpos celestes afetava a saúde das pessoas, sendo responsável por doenças mentais. O mais impressionante é que suas idéias nem um pouco convencionais faziam fama, como foi o caso de mais uma de suas besteiras: nós possuiríamos líquidos magnéticos cujo desequilíbrio era nocivo e deveria ser corrigido. Para tratar seus pacientes o médico sentava em frente a eles em uma cadeira e olhava fixamente em seus olhos, pedindo que se concentrassem. Sua fama chegou a tal ponto de cientistas de prestígio serem chamados para desvendar seu truques, como Benjamin Franklin. A conclusão dessas investigações foi a de que Mesmer não passava de um charlatão, mas que possuía de alguma forma um incrível poder sobre as pessoas, sendo capaz de enfeitiçá-las, ou mesmerizá-las. Com o tempo, o alvoroço popular cessou e suas técnicas foram jogadas para debaixo do tapete até que um de seus discípulos, James Braid, em 1843, resolveu sob o nome de hipnotismo; e também usando-a de forma mais séria. Essa abordagem mais sóbria fez com que gente famosa se interessasse pelo tema, de Jean-Martin Charcot (1825-1893), pai da neurologia, até Freud, seu discípulo; e também o estudioso russo Ivan Pavlov.
HIPNOSE HOJE
Freud: criador da psicanálise também chegou a usar hipnose |
Apesar desse passado turbulento a técnica só foi validada cientificamente em 1997, com os estudos do psiquiatra americano Henry Szechtman. Ele realizou uma experiência com 8 voluntários: foram vendados e ouviram uma gravação que repetia a seguinte frase: O homem não fala muito. Mas, quando fala, vale a pena ouvir o que ele diz. Szechtman desligou o som e pediu aos voluntários que tentassem imaginar a frase. Depois, hipnotizou todos de novo e disse que ia tocar o som novamente. Era mentira, não havia som nenhum. Mesmo assim os voluntários disseram ter ouvido. Durante essa experiência, os cérebros de todos os participantes estavam sendo monitorados. Os resultados ajudaram os cientistas a chegarem a uma curiosa conclusão. Tanto durante a alucinação provocada pela hipnose quanto durante o momento em que as pessoas ouviam o som real, o cérebro se comportava da mesma forma. Mas o realmente interessante é que quando os voluntários eram requisitados a imaginar o som, aí sim a atividade cerebral mudava. Conclusão: durante a hipnose o paciente é enganado, seu cérebro não diferencia a realidade da ficção. Portanto, seu efeito é muito mais poderoso do que o de uma simples sugestão ou a imaginação.
Outro experimento nos ajuda a entender o poder da hipnose e como ela funciona. Imagens coloridas foram observadas por 16 voluntários, na tela de um computador e foram levados a acreditar que a figura colorida na verdade era cinza. A região do cérebro que inibe a visualização de cores foi ativada, de fato, o que significa que o cérebro realmente viu o cinza. Mais tarde, indivíduos foram induzidos a olhar para imagens e ver ali cores que não existiam na figura. Assim como da primeira vez, a região cerebral que vê cores foi ativada. Isso nos leva a corroborar a hipótese de que o cérebro é enganado e realmente obedece ao comando do hipnotizador. Mas isso não significa que já se sabe absolutamente tudo sobre esse fenôeno. A ciência está só começando a desvendá-lo. “A gente ainda não conhece os detalhes do processo, mas o quadro está cada vez mais claro”, disse à SUPERINTERESSANTE o americano Stephen Kosslyn, psicólogo e neurologista de Harvard, e um dos cordenadores dessas experiências acima mencionadas.
Parte dessa possibilidade de um maior entendimento sobre a hipnose do ponto de vista científico se deve ao PET, cuja precisão é maior que a de aparelhos antigos. Tais experiências mostraram que os centros cerebrais ligados à atenção permanecem ativados, o que derruba o mito de que a hipnose é um processo no qual o paciente permanece dormindo ou inconsciente. “A hipnose é um estado de vigília. Ela não tem nada a ver com adormecer”, afirma Giancarlo Carli, do departamento de fisiologia da Universidade de Siena.
POR QUE SOMOS HIPNOTIZÁVEIS?
Uma das maiores dúvidas que cercam os estudos nessa área é como que se dá a trajetória que leva o cérebro a esse estado. Pesquisadores acharam indícios de que há uma área cerebral semelhante a uma rede, formação reticular, que funciona como elo entre a voz do hipnotizador e a massa cinzenta do hipnotizado. “A formação reticular controla a vigília e o sono e ainda seleciona em que informações devemos nos concentrar”, explica o psiquiatra Fernando Portela Câmara, da UFRJ. A tese mais aceita por enquanto é a de que a voz do hipnotizador, processada pelo nervo auditivo, chega até a a ponta dessa rede na base do cérebro, se espalhando por toda a massa cinzenta. Se tratando se estímulos repetitivos, quando eles chegam no lobo frontal concentram a atenção do paciente em um único foco, bloqueando tudo o que está ao redor.
Uma outra experiência serve para lançar luz a mais questões relativas à hipnose. O teste feito por Pierre Rainville, Univerdade de Monstreal, pediu que voluntários mergulhassem a mão em água quente (47 ºC). Hipnotizadas, as cobaias não sentiam dor. Observando o funcionamento do cérebro dessas pessoas concluiu-se que o sistema límbico (área que processa emoções, fome, iniciativa, desejo sexual, memória, dor, vergonha, medo e etc), também chamado de cérebro reptiliano, funcionava normalmente. Mas o neocórtex (consciência, julgamento, pensamento) ignorava os sinais do cérebro reptiliano. Assim, como a consciência fica sem referencial, sem reservas, acaba por aceitar qualquer sugestão dada.
Toda essa formalização e investigação sobre a hipnose serve para desmistificar a prática e trazê-la para a área médica e para os laboratórios. Seria um desperdício se usássemos uma prática tão útil somente em shows de circo ou apresentações de palco em geral. O Hospital das Clínicas de São Paulo já a utiliza para tratar as dores de pacientes com câncer; o Conselho Federal de Odontologia também já regularizou seu uso e a tendência é sua prática ser cada vez mais aceita. A hipnose é um fenômeno tão comum que está presente em nosso dia-a-dia sem que percebamos: “O estado hipnótico é parecido com o que acontece quando você fica absorto lendo um livro ou vendo um filme”, afirma David Spiegel, Univerdade Stanford. Sendo assim, seria um enorme desperdício não reconhecer o seu valor.
Fontes / Saiba Mais
- Hipnose Médica e Odontológica - Jefrey Zeig / E. L. Rossi - Psy - The pratical application of medical and dental hypnosis
- Ciência Hoje - Hipnose Fora do Palco
- Galileu - O Lado Sério da Hipnose