Estamos
vivendo numa época onde o ter sobrepuja o ser. Essa frase se tornou um clichê. Mas
ela diz a verdade, realmente estamos muito mais sensíveis ao que o outro tem do
que ao que ele é. Às vezes, o que se tem funciona como um indicador daquilo que
se é. Claro que algumas pessoas fogem a essa regra, mas o quanto elas realmente
fogem? Será que é possível fugir de tal tendência totalmente? Estudos
interessantíssimos mostram que, além de avaliarmos a confiabilidade, beleza,
respeitabilidade e status de alguém de acordo com o que essa pessoa possui,
também levamos em conta – e muito – o valor gasto. Alguns estudiosos chegam a
dizer que esse mecanismo está por trás não só da mente humana, mas também das
relações de seleção sexual de outros animais, mostrando que essa é uma
tendência antiga que compartilhamos com outros seres.
Costly Signaling Theory
O pavão é uma das aves mais bonitas
que existem. Chama atenção a sua cauda, muito grande em relação ao corpo e
coloridíssima. Certamente ela chama a
atenção de muitos predadores [ou talvez seus predadores sejam incapazes de
perceber a cor das penas da mesma forma que nós, o que faça essas aves chamarem
menos a atenção] mas algum outro benefício deve existir em sustentar uma
plumagem tão chamativa e custosa. É sabido que as fêmeas são atraídas pelos
machos que exibem a mais graciosa das caudas, isto é, de alguma forma, toda
aquela parafernália ajuda na cópula, favorecendo a reprodução de uma maneira
que supera o suposto risco de atrair predadores e parasitas. Mas o que chama a
atenção das fêmeas ao verem aquela cauda? Será que o esquema de cores e o
tamanho tornam aquele arranjo algo irresistível para elas?
A costly signaling theory (Miller, 2009;
Saad, 2007) tem sido invocada com sucesso para explicar o uso de recursos que
não possuem nenhuma funcionalidade manifesta (prática) (Bliege Bird &
Smith, 2005; Cronk, 2005). Segundo essa idéia, o pavão, com todo seu
dispendioso rabo, estaria sinalizando que é saudável e apto o suficiente para
gastar recursos na manutenção de tal aparato e ainda conseguir obter alimento e
sobreviver. Ou seja, é a lógica da ostentação
das qualidades invisíveis possuídas. É como um marketing pessoal dos luxuosos recursos do animal.
O Consumo Conspícuo – Preferindo o cara ao invés do barato
Pássaro-caramancheiro |
De acordo com o Global Luxury Retailing, os gastos mundiais com produtos de luxo
chegarão a $450 bilhões em 2012, e 41,9% dos gastos se referem somente ao gasto
com roupas (citado em Nelissen, 2011). Nelissen (2011) destaca o fato de que
não é preciso ter uma renda muito alta para que a preferência pelo luxo se
manifeste. De fato, até mesmo pessoas pobres em países em desenvolvimento se
comportam dessa forma, por exemplo, preferindo roupas de marca do que sem marca
ou de marcas menos luxuosas (mais baratas), o chamado consumo conspícuo (Veblen, 1899). De fato, essa face do comportamento humano acaba
com a visão de consumidor racional que alguns economistas alimentam. Mas a
lógica da preferência pelo mais caro é regida pelo ganho de status social. Status pode ser definido como a posição
mais alta ocupada em algum setor das relações humanas, seja no mundo acadêmico,
nas empresas, na rua, em casa, numa tribo e etc (Hyman, 1942).
Estudos de psicologia e outros com viés comparativo
sugerem que esse é um fenômeno que rege o comportamento humano (Cummins, 2005;
Miller, 2009; Saad, 2007), assim como o de primatas não humanos (de Waal,
1982); isso sem falar no exemplo do pavão, que mostra que essa é uma tendência
dos animais em geral. Dessa forma, é coerente refletir sobre o fato de que para
que os humanos consigam ostentar algo com sucesso, é de suma importância que o
observador consiga processar aquilo como um indício das qualidades do
ostentador. E o motivo de a seleção natural ter selecionado uma mente com
capacidade para processar esse tipo de relação, é que a ostentação, seja do que
for que tenha valor em dado cenário e época, beneficia as relações sociais para
o ostentador. Nelissen (2011) realizou experimentos que corroboram essa
hipótese. Mas, antes, vamos definir os critérios para que um comportamento seja
considerado um consumo conspícuo:
1) Deve ser algo facilmente observável (ex: o rabo do pavão; uma longa capa, coroa brilhante e outros adereços dos reis; ninhos exageradamente ornamentados do pássaro-caramancheiro, um logo de uma roupa de grife);
2) Deve ser um sinal difícil ou/e custoso de se falsificar;
3) O sinal deve estar relacionado a algo que não é observado diretamente, ainda que seja desejável e que denote as qualidades do ostentador, como saúde, proteção e bons genes para uma prole saudável; 4) O adereço, ou sinal, deve produzir um chamamento corporal.
Os exemplos
do item 1 servem para todos os outros itens. Mas ao qual eu quero dar evidência
é o último, as marcas de roupas.
As Marcas de Roupas e a Ostentação do Consumo Conspícuo
Como vimos, os animais tendem a
evidenciar os seus atributos não visíveis diretamente através do gasto funcionalmente desnecessário com
elementos dispendiosos e chamativos, como uma forma, também, de promover seu
status. Os humanos fazem exatamente isso. Observe os trajes e adereços desses
indivíduos nas fotos a seguir:
Essa relação
entre o consumo conspícuo, ostentação como referência a qualidades invisíveis e
status ficou bem evidente, por exemplo, nos 9 experimentos feitos por Nilessen
(2011) e sua equipe. No primeiro, um pequeno bloco em que a capa tinha a foto
de um rapaz de boa aparência e as outras folhas eram de um também pequeno
questionário, foram distribuídos nas ruas. O objetivo do questionário era
avaliar o homem nos quesitos status, condição financeira, atratividade, amizade
e confiabilidade. O detalhe é que, para um grupo de pessoas foi distribuído um
conjunto de testes em que a blusa de gola polo que o homem usava, possuía uma
pequena logo de uma famosa marca. Outro grupo de fotos foi manipulado para ter
a logo de uma marca menos valorizada. Os blocos que apresentavam a foto do
homem com a logo mais famosa foram melhor avaliados nos
quesitos status e condição financeira.
Num segundo
experimento, um homem saiu por um shopping pedindo doações para uma instituição
de caridade. A tarefa foi dividida em duas etapas: primeiro usou uma blusa
verde e lisa, e depois, a mesma blusa, porém, com um logo de uma marca bem
conceituada. Os resultados mostraram que a coleta realizada com a blusa com a
logo foi mais bem sucedida.
Outro estudo
mostrou que candidatos a uma vaga de estágio em um laboratório tinham mais
chances de serem selecionados quando estavam usando uma blusa de marca também
(com o logo da marca visível).
Conclusão dos Experimentos
Mais outros
experimentos foram feitos mas os resultados sempre mostravam que as marcar mais
bem conceituadas eram sempre mais bem avaliadas em relação à importância,
status e condição financeira, também eram mais aceitas socialmente e conseguiam
despertar com mais sucesso a atenção do público e convencê-los de algo, tanto
das qualidades necessárias para uma vaga de estágio quanto para convencer
alguém a fazer uma doação.
As Preferências Feminina e o Consumo Conspícuo Masculino
Outro interessante dado é a maior atenção dada pelas mulheres ao consumo conspícuo durante o
período de ovulação (Lens, 2011). Isso é compatível com o modelo da psicologia evolucionista, que considera que a mente humana possui uma cognição moldada no
ambiente de adaptação evolutiva (AAE), no Pleistoceno. Isso significa que, caso
essa predileção feminina esteja relacionada diretamente a uma tendência
evolutiva, relacionada à seleção sexual, o grau dessa característica seria
variável ao longo do ciclo menstrual, com uma maior tendência à prestar atenção
aos indícios de status social durante a fase da ovulação (período fértil)
(Anderson et al., 2010). De fato, já foi verificado que nessa fase, as mulheres
apresentam alterações nas preferências de características masculinas,
apresentando maior atração por homens altos, com rosto mais másculo do que
infantilizado, e com papel social dominante (Gangestad,
Thornhill &Garver-Apgar, 2005; Lukaszewski & Roney, 2009). Assim, seria
natural pensar também numa consequência para a percepção dos indícios de status
masculino, assim como uma eliminação desses efeitos nas mulheres que fazem uso
de pílulas anticoncepcionais. O resultado da pesquisa corroborou essas
hipóteses, mostrando que produtos relacionados a luxo e que não são destacados
por sua funcionalidade, despertavam dignificativamente mais a atenção das que
estavam em período fértil.
Conclusão
Todas essas evidências mostram uma estrutura cognitiva
comum aos seres humanos e aos animais não humanos. Primeiramente, podemos dizer
que uma evidência é o fato de que para a lógica do status funcionar, precisamos ter uma mente
que saiba evidenciá-lo e, por outro lado, uma que saiba percebê-lo como tal. Esse mecanismo é
evidente na seleção sexual, como no exemplo do pássaro-caramancheiro, que gasta energia, recursos, tempo, e
corre o risco de ficar mais visível aos predadores, ao enfeitar seu ninho da
melhor manira possível a fim de “seduzir” as fêmeas.
O consumo conspícuo é como se fosse
uma regra que permanece constante mas que assume diversas faces no caso dos
humanos. Hoje podemos dizer que essa estratégia é uma característica que foi
mais útil na seleção sexual no nosso AAE até pouco tempo atrás, qundo era bem
mais complicado de ostentar luxo sem que isso correspondesse diretamente a uma
ampla gama de recursos, saúde e outras características buscadas pelas fêmeas.
No caso dos humanos modernos, a possibilidade de comprar usando cartão de
crédito, por exemplo, fez com que pessoas com baixa renda pudessem comprar
coisas incompatíveis com suas possibilidades financeiras, considerando a compra
à vista. Nossos ancestrais caçadores-coletores usavam adereços que mostravam
claramente sua posição dentro do grupo. Indivíduos das altas hierarquias sempre
eram os de idumentária mais barroca, o que persistiu até não muito tempo atrás,
basta olhar as fotos de Reis e Imperadores e suas roupas e adereços barrocos. Porém,
mesmo essas táticas não sendo tão eficazes hoje, essas pesquisas mostram que
ainda continuamos com um cérebro ancestral.
Isso levanta uma hipótese
interessante sobre a origem das roupas. Talvez as primeiras roupas servissem ao
propósito de separar os indivíduos de acordo com sua posição social dentro das
coalizões dos primeiros Homo sapiens
sapiens e não para proteger do frio ou do calor, ou de parasitas. Ou, até,
as primeiras roupas tenham servido a todos esses propósitos, matando vários
coelhos com uma cajadada só.
Referências
- ANDERSON, U. S., Perea, E. F., Becker, D. V., Ackerman, J. M., Shapiro,
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attractive men. Journal of Experimental Social Psychology, 46(5),
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- BLIEGE, B.,
R., & Smith, E. A.; Signaling theory, strategic
interaction, and symbolic capital. Current Anthropology, 46, 221–248, 2005.
- CRONK, L. ;
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- CUMMINS, D.
D., Dominance, status, and social hierarchies. In
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- DE WAAL,
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- HYMAN, H.
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- LENS, Inge,
Karolien Driesmans, Mario Pandelaere, Kim Janssens, Would male conspicuous
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- MILLER, G.;
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- SAAD, G.; The Evolutionary Bases of Consumption. Mahwah, NJ:
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- NELISSEN, Rob
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- VEBLEN, Thorstein B. A teoria da classe ociosa: um estudo econômico
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