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No
texto Consumo Conspícuo e a Seleção Sexual – Porque Preferimos o Mais Caro, eu mostro que, de acordo com o visionário economista e sociólogo
Thorstein Veblen, o ser humano, ao longo da história, sempre encontrou
um modo de expressar culturalmente um tipo de comportamento bem
incrustado nos genes de várias espécies, a ostentação. O homem se
utiliza do consumo de itens desnecessários sob o ponto de vista prático,
para mostrar que ele tem recursos suficientes para poder
desperdiçá-los. Em outras palavras, é como se eu tivesse tanto dinheiro
que pudesse usar um pouco dele como substituto da linha numa lareira.
Certamente, isso sinalizaria que eu tenho tantos recursos que posso
gastá-los de maneira indiscriminada. Outro exemplo: estou de frente para
duas camisas de gola polo do mesmo tecido, da mesma cor. Porém, uma
possui a logo de uma marca prestigiada e a outra, é de uma marca
desconhecida, e possui um símbolo escondidinho. Qual será a preferida?
De acordo com as pesquisas (citadas, inclusive no texto referido), a
camisa da marca famosa será a escolhida. Por que isso? De acordo com
essa idéia defendida por Veblen, a marca seria um indicador de que
aquela camisa foi mais cara do que poderia ser uma outra, de uma marca
menos famosa, portanto , o gasto nela foi maior. Isso sinaliza o
indivíduo tem recursos de sobra para poder gastar na tal mercadoria, ao
invés de optar pela blusa que, funcionalmente, é idêntica a outra, mas
que é mais barata. Claro que, hoje em dia, com o advento das roupas de
marcas famosas falsificadas, isso pode ser burlado, mas a idéia continua
valendo, pois é como se a mensagem implícita da ostentação continuasse
sendo mandada.
Espiritualidade e Consumo Conspícuo
O
meu questionamento foi se, apesar de ser, digamos, um impulso natural
do ser humano, assim como de outros animais, seria possível burlar esse
mecanismo. Para responder essa questão, realizei uma busca por estudos e
encontrei uma uma série deles mostrando que a espiritualidade e/ou a
religião poderiam porporcionar uma diminuição no consumo conspícuo sim,
bem como no materialismo* em geral (Stillman, 2012).
Espiritualidade: Em Busca de uma Definição
Antes
de tudo, devemos diferenciar esse nebuloso termo que constantemente é
confundido com religião. Hill et al. (2000) define espiritualidade como o
lado mais subjetivo da experiência religiosa, com o termo “religiosa”
aí sendo utilizado não para se referir especificamente a uma religião,
mas simplesmente a um sistema organizado de crenças, rituais e outras
tradições associadas a um grupo. Eu discordo dessa definição, tendendo a
seguir mais o que eu aprendi lendo várias coisas sobre o Dalai Lama.
Segundo o monge budista, a espiritualidade não tem necessariamente a ver
com religião. Se trataria mais de uma postura que possibilitasse a ação
do indivíduo no sentido de fazer valer seus sentimentos humanos para
com o próximo, tendo compaixão e se sentindo conectado a todos,
inclusive à natureza em si. No blog Terapia Biográfica,
encontrei ainda esta definição, dada pelo próprio Dalai Lama:
“Espiritualidade é aquilo que produz no ser humano uma mudança
interior”.
Em
suma, esses estudos mostram que, de fato, existe uma relação entre
espiritualidade/religiosidade, consumo conspícuo e materialismo.
Aparentemente, como cogita Stillman et al. (2012), a espiritualidade, de
algum modo, desperta no indivíduo um sentimento de que o consumo
material desnecessário é algo errado, ou mesmo, que o indivíduo perde a
vontade de consumir coisas muito além de sua necessidade. Por sua vez,
essa característica viria por intermédio de uma amplificação do senso de
coletividade em detrimento do ego. Um experimento que pode sugerir isso
é o que mostra que os religiosos que se engajaram em orações diárias
apresentaram um menor índice de egoísmo em relação aos controles
(Lambert, Fincham, Stillman, Graham & Beach, 2010). No entanto, um
bom questionamento sobre esse estudo seria se as pessoas menos egoístas
tendiam a rezar mais ou seguirem uma religião ou se era o fato de
seguirem a religião e orarem é que as tornava menos egoístas.
Testando Hipóteses
Mas,
afinal, qual fator intrínseco à religião/espiritualidade medeia a
diminuição do consumo conspícuo? Stillman, cujo artigo já foi citado,
realizou um estudo interessante sobre o caso. Ele colocou como
mediadores os itens auto-controle e materialismo.
Estaria a espiritualidade agindo de forma a aumentar o auto-controle do
indivíduo, tornando-o mais contido e consciente na sua forma de gastar
dinheiro? Ou será que a pessoa tem a vontade de gastar em demasia com
coisas não tão necessários sob o ponto de vista prático, diminuída, se
tornando assim, menos materialista? Para testar essas hipóteses, o
estudo foi dividido em dois.
Estudo 1
Nesse
estudo, os participantes tinham que classificar em uma escala de 1 (Em
total desacordo comigo) a 6 (Concordância total com meu modo de pensar)
frases que descreveriam o perfil espiritual deles. Eram frases como: “Eu
sinto a presença de Deus”, “Eu sinto uma forte conexão com a Vida”, “Eu
sinto compaixão pelo próximo” e “Eu sinto uma profunda paz e harmonia”.
Logo
após, era proposta uma tarefa: se recebessem 5000 dólares, como eles
gastariam em cada um dos seguintes itens: um celular, uma viagem,
pagando almoço com os amigos e em um carro.
Estudo 2
O
segundo estudo contou com a presença de cristãos, agnósticos e judeus,
sendo que os primeiros eram os mais numerosos (75%). Assim, foram
conduzidas perguntas e sugestões que estimulassem o surgimento de um
sentimento de espiritualidade em todos, independentemente da crença:
“qual foi o momento mais espiritual de sua vida? O que isso significou
para vc? Isso significou uma proximidade com Deus, uma sensação de
conexão com a humanidade, proximidade da natureza ou sentimento de
unidade com o universo?
Para
evitar a variável de que o sentimento de espiritualidade fosse indicado
por sentimentos de prazer simplesmente, um grupo controle foi usado. A
pergunta feita a eles era sobre o momento mais prazeroso de suas vidas,
ao invés de ser perguntado diretamente sobre o momento mais espiritual,
como no outro grupo.
Dessa
vez, os mediadores testados foram: materialismo, significado da vida e
observação de um poder sobrenatural. Eles foram testados através de
perguntas semelhantes às do estudo 1 e, também, responderam a uma escala
que media o consumo conspícuo, também semelhante ao estudo anterior.
Também foi usada uma escala para saber se as tarefas afetavam o humor
dos participantes positiva ou negativamente.
Resultados e Discussão
Assim,
parece que os líderes espirituais estavam certos ao dizer que o
consumo, o materialismo e a espiritualidade e religião são inimigos
entre si (Landis, 1957; McKibben, 1998). Um não está presente se o outro
estiver, pelo menos não no mesmo grau em que estão presentes em pessoas
não-religiosas e sem espiritualidade (lembrando, mais uma vez, que
espiritualidade não depende de religião).
Dúvidas
Apesar
de muito esclarecedor, esse estudo e outros já produzidos sobre o
assunto, possuem suas limitações e ambiguidades. Por exemplo, o que
fazer no caso das religiões em que os fiéis consideram o progresso
financeiro um indício da graça divina? Se essas pessoas pensam assim,
talvez seja coerente que elas queiram mostrar esse sucesso através da
ostentação. Desse modo, a espiritualidade, nesse caso, talvez não seja
incompatível com altos níveis de consumo conspícuo. Mas, será que não
estaríamos falando, assim, de uma espiritualidade superficial ou, até
mesmo, de uma pseudoespiritualidade? Ou será que a espiritualidade pode
se mostrar de diversas formas, porém, mantendo sua essência? Enfim, são
questões em aberto que impulsionam novas pesquisas e nos fazem
compreender melhor assuntos tão nebulosos como religiosidade e
espiritualidade e sua relação com o consumo conspícuo, ostentação e
riqueza.
Referências
*Observe
que existem dois significados diferentes para o termos materialismo.
Existe o materialismo que é a postura filosófica que prega que a única
coisa que existe é aquilo que é material. Não existiria Céu, Inferno,
deuses, isto é, nada de metafísico, somente o mundo material. Mas existe
o materialismo que é referente ao consumismo.
- Stillman, Tyler, at al (2012); The material and immaterial in conflict: Spirituality reduces
conspicuous consumption, Journal of Economic Psychology 33,1-7
-
Hill, P. C., Pargament, K. I., Hood, R. W., McCullough, M. E., Swyers,
J. P., Larson, D. B., et al (2000). Conceptualizing religion and
spirituality: Points of commonality, points of departure. Journal for
the Theory of Social Behavior, 30, 51–77.
-
Watson, P. J., Jones, N. D., & Morris, R. J. (2004). Religious
orientation and attitudes toward money: Relationships with narcissism
and the influence of Mental Health, Religion & Culture, 7, 277–288.
-
Sood, J., & Nasu, Y. (1995). Religiosity and nationality: An
exploratory study of their effect on consumer behavior in Japan and the
United States. Journal of Business Research, 34, 1–9.
-
Gwin, C. F. & Gwin, C. R. (2009). Religiosity: Does it make you
richer or poorer? Paper presented at the association of Christian
economists 25th anniversary conference.
-
Lambert, N. M., Fincham, F. D., Stillman, T. F., Graham, S. M., &
Beach, S. R. M. (2010). Motivating change in relationships: Can prayer
increase forgiveness? Psychological Science, 21, 126–132.
- Landis, B. Y. (1957). World religions. New York: E.P. Dutton & Company Inc..
-
Mckibben, B. (1998). Returning God to the center: Consumerism & the
environmental threat. In R. Clapp (Ed.), The consuming passion (pp.
40–50). Downers Grove, IL: Intervarsity Press.