sábado, 4 de fevereiro de 2012

Stay Hungry, Stay Foolish

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 Para mim, quem seguir uma carreira por outros motivos é um idiota. O trabalho é uma opção de vida e quem não gosta do que faz não se realiza na atividade. - Joseph Campbell *

 Acabei de ler a biografia de Steve Jobs. Certamente, foi fascinante descobrir como foi a vida do criador de uma das maiores empresas de tecnologia – a Apple – e da Pixar, a empresa por trás da criatividade e gráficos perfeitos das últimas animações que foram ao cinema desde Toy Story. Sim, ele era um empresário fascinante; talvez mais do que isso, Jobs foi um gênio criativo que ergueu duas empresas prestes a irem à falência. E como todo gênio, teve uma personalidade complexa, questionadora e, muitas vezes, rude. Lendo esse livro, descobri que eu compartilho de algumas de suas opiniões sobre religião. Mas, talvez, o que tenha me tocado mais no livro tenha sido a paixão de Jobs pelo produto e não pelo dinheiro. Ele fazia o que gostava de fazer, ou seja, bons produtos não só em sua funcionalidade mas também em sua aparência. E isso me mostrou a importância de perseguir aquilo que gostamos de fazer, pois só assim realizaremos um ótimo trabalho.

“O cristianismo perde sua essência quando fica baseado demais na fé em vez de viver como Jesus ou ver o mundo como Jesus o viu. (...)”

Muitos dizem que Jobs era ateu. Bom, sim, isso é verdade, afinal, ele era zen-budista, ou pelo menos ele praticou essa religião na primeira metade de sua vida. Para os budistas (sejam zen, tibetanos ou qualquer outra corrente) o ser humano é o responsável por sua própria vida. Só ele é capaz de empreender mudanças, assim, a existência de uma ou mais divindades acaba sendo algo que não é digno de importância. Como Buda dizia: “Se vc é ferido por uma flecha, o que vc faz? Procura quem lançou a flecha ou tenta curar o ferimento?” Steve Jobs, então, era ateu, mas na condição de zen-budista.

Na sua adolescência, Jobs se encaixou no movimento hippie, indo viajar para a Índia, inclusive, atrás de um mestre etc. Sua ênfase estava na experiência espiritual que obtinha através de jejuns, dietas vegetarianas e meditação. A prática meditativa, segundo ele, aguçava em nós algo que não é muito valorizado no Ocidente, a intuição. Nós somos treinados desde sempre a agir pela lógica, racionalidade e etc, e acabamos esquecendo que a intuição é uma ferramenta poderosa (obs: intuição não tem nada de sobrenatural). Jobs parece ter conseguido unir as melhores partes dessas duas ferramentas. É como ele disse no seu discurso em Stanford:
“E o mais importante: tenha coragem de seguir o seu próprio coração e a sua intuição. Eles de alguma maneira já sabem o que você realmente quer se tornar. Todo o resto é secundário.”
Quando criança, seus pais adotivos o levavam à igreja, mas logo percebeu que o caminho que as igrejas protestantes ofereciam não era o que ele buscava. Steve ficava indignado com a pregação de que existe um Deus benevolente em algum lugar e que nos ama, mas, ao mesmo tempo, que permite tanto sofrimento no mundo. E tinha outras coisas que o incomodavam:
“O cristianismo perde sua essência quando fica baseado demais na fé em vez de viver como Jesus ou ver o mundo como Jesus o viu. Acho que as diferentes religiões são portas diferentes para a mesma casa. Às vezes, acho que a casa existe, e às vezes, não. É o grande mistério.” (Isaacson, 2011. P. 33).
A simplicidade é a máxima sofisticação
Esse foi o lema que perseguiu Jobs por toda sua vida. Herança de escolas européias de design que ele admirava e da simplicidade zen, Jobs seguia essa idéia ao extremo. Os produtos da Apple são evidência disso. Jobs insistia para que a empresa não reproduzisse a lógica da maioria das empresas, em que o design do produto era subjulgado à sua funcionalidade, ou seja, os designs tinham que se sujeitar ao que os engenheiros determinassem. Na Apple essa seta se invertia, e isso deixava os engenheiros furiosos. No entanto, no final, todos viam que Jobs estava certo na maioria das vezes em sua paranóia de tornar o produto o mais agradável e intuitivo possível para o consumidor. E esse foi o motivo da ascensão e ruína da Apple. Com sua ênfase na produção de uma experiência completa para o usuário, com hardware e software integrados, produzidos juntos. Isso era ótimo, Jobs estava certo, mas ele não esperava que a abordagem fragmentadora da Microsoft fosse gerar mais admiradores com o tempo, pois não gerava um deleite completo no consumidor mas dava liberdade para que ele unisse software e hardware da maneira que quisesse. E isso deixou Jobs irritadíssimo (o que não era muito difícil), principalmente, porque o modelo do Windows (da Microsoft) era uma cópia descarada do Macintosh da Apple. Outros episódios de natureza semelhante ocorreram anos mais tarde, quando, por exemplo, a Apple se viu numa polêmica com relação à permissão de que aplicativos pornográficos pudessem ser baixados pelo iPad e iPhone. As pessoas pareciam querer liberdade para fazerem o que quisessem mas Jobs acreditava que essa não era bem a definição de liberdade. Acima de tudo, ele queria proporcionar a tal experiência totalizante no usuário, e um aparelho livre a ponto de ser modificado em sua essência iria corromper esse todo. O curioso é que a Apple começou e permaneceu por um extenso período como a empresa revolucionária no meio das outras que eram conservadoras, vistas como o Big Brother owelliano do livro 1984. E foi exatamente essa analogia que a Apple usou na propagando Macintosh no ano de 1984. Ironicamente, décadas depois, a Apple, em nome desse pensamento revolucionário acabaria sendo vista como o oposto disso, seria taxada por alguns como o próprio Big Brother por causa de sua sede de controle sobre a experiência do usuário. 



Sua insistência no design puro e minimalista dos objetos era tanta que, mesmo milhonário, sua casa em Palo Alto era praticamente isenta de móveis. Jobs era tão perfeccionista que nenhum móvel o agradava, ou, nos termos de Jobs, “era tudo uma bosta”. Do mesmo modo, quando foi internado por causa do câncer, sua esposa relatou que Jobs simplesmente pirou de inquietude quando colocaram em um de seus dedos aquele aparelho que mede pressão. Ele insistia que o design daquilo “era uma merda” e que era complexo demais, poderia ser mais enxuto e simples. Esse rigor quanto è beleza e simplicidade do design em seus mínimos detalhes (mínimos mesmo; às vezes Jobs empacava a fase final de produção de um produto por causa do formato de um botão) abriram as portas para a bem sucedida parceria com a Pixar, após ser demitido da empresa que ele mesmo tinha criado. 

 
“Seu trabalho vai preencher uma parte grande da sua vida, e a única maneira de ficar realmente satisfeito é fazer o que você acredita ser um ótimo trabalho. E a única maneira de fazer um excelente trabalho é amar o que você faz.”
É uma realidade que, hoje, profissionalmente, vivemos um embate: o que devemos procurar? Dinheiro ou prazer naquilo em que trabalhamos? É possível unir ambos? A pressa em ganharmos um salário bom e o foco excessivo no dinheiro acaba nos tirando do caminho da felicidade no trabalho. Como Jobs disse, nós passamos a maior parte do tempo no trabalho, então, como vamos fazer um bom trabalho se não gostarmos verdadeiramente do que fazemos? Para realizar um ótimo trabalho é preciso se identificar intimimamente com a tarefa. É como na faculdade. Os nossos melhores trabalhos são aqueles cujas disciplinas nós gostamos de verdade. Isso é uma questão de motivação. Quanto mais nos sentimos motivados, mais queremos produzir, conhecer etc.

“As pessoas ficam presas nesses padrões, como sulcos em um disco, e nunca saem deles. Claro, algumas pessoas são naturalmente curiosas, crianças para sempre em sua admiração pela vida, mas são raras.”
Steve foi o representante máximo de tal idéia. O desejo de mudar o mundo, o cotidiano das pessoas através de produtos que elas nem sabiam que precisavam, fazia parte de sua vida pessoal também. E foi isso que permitiu que, aos 45 anos, continuasse inovando, criando. Existem pesquisas que mostram que, em geral, os cientistas e grandes inovadores produzem intensamente até os 30 anos em média. É como se a maioria deles desse uma amornada depois de uma certa idade. Não foi o caso do criador da Apple.
 “Quanto mais velho fico, mais vejo como a motivação importa. O Zune era uma bosta porque o pessoal da Microsoft não ama realmente a música ou a arte da forma como nós amamos. Vencemos porque adoramos música. Fizemos o iPod para nós mesmos, e quando faz algo para si mesmo, ou para se melhor amigo, ou para sua família, você não vai fazer porcaria. Se você não ama uma coisa, não vai fazer o esforço a mais, trabalhar no fim de semana, desafiar tanto o status quo.” (p. 425)
Realmente foi uma lição para mim e tenho certeza que a vida dele também será uma injeção de vitalidade para qualquer um que leia sua biografia. Ele teve força e energia infinitas para que continuasse mesmo depois de ser expulso de sua própria empresa, mesmo depois de ter sido diagnosticado com câncer. Como diz a música de Bob Dylan:

Oh the loser will be later to win
For the times, they are a changing


Referência
 

 Isaacson, W., Steve Jobs: a biografia; tradução Berilo Vargas, Denise Bottmann, Pedro Maia Soares – São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

Saiba Mais
Assista aqui os videos das apresentações de Steve Jobs apresentando os produtos Apple (Veja mais videos no blog Macmaníacos)

Apresentação do Macintosh em 1984