No post anterior sobre o Batman, falei sobre sua motivação para ter dedicado toda sua
vida, desde criança, em torna-se um herói e combater a criminalidade em Gotham
e além. Com alguma dose de reflexão, mostrei que ele pode mais ser classificado
como alguém que pune os bandidos do que alguém que simplesmente está atrás de
uma vingança pessoal, alguém que ainda, no fundo corre atrás do assassino de
seus pais. No entanto, acho que, na mesma linha do que Randall M. Jensen disse
num capítulo do livro Batman e a Filosofia, o simples desejo de punir não é suficiente para Batman fazer o
que faz. O que será esse componente a mais, então?
Como você já
deve ter percebido através do título, esse elemento é a promessa que Bruce Wayne fez diante dos cadáveres de seus pais,
diante do chão ensanguentado do beco. Nesse momento, além de o jovem garoto
estar, provavelmente, nutrindo um forte ódio e desejo de levar à justiça (ou
fazê-la ele mesmo) o assassino de sua família, ele começa a perceber que aquele
faz parte de um problema muito maior, como só uma onda em todo um oceano de
outras ondas ainda maiores e brutais.
Assim, é como
se Bruce adquirisse um novo centro de gravidade para que sua vida possa girar
de novo, substituindo o anterior que, como é normal na vida de toda criança,
era seus pais. Assim, um pouco mais velho, ele viaja e adquire conhecimento e
técnicas marciais para voltar a Gotham e dar o que ela merece. Mas, se pensarmos bem, quando prometemos
algo, prometemos a alguém. E essa promessa geralmente é feita tendo em vista a
possibilidade de essa pessoa – a quem a promessa foi feita – reconhecer seu
cumprimento ou falha. Será que o Homem Morcego faz a promessa a seus pais? A
grande questão é que eles estão mortos agora, portanto, será a promessa do
herói realmente válida de alguma forma?
A resposta
disso depende, sobretudo, do que pensamos sobre a morte. Epicuro, filósofo grego, tem idéias interessantes sobre o tema.
Para ele, vida e morte são dois pólos que nunca se sobrepõem. Isso significa
que não existe motivo para nós temermos a morte de forma alguma, afinal,
estamos vivos, assim, a morte não se faz presente. Também, quando morrermos, a
vida não estará presente, logo, qualquer chance de sofrermos e/ou sentirmos dor
perante esse fato inexorável também não existirá. Assim, aproveite a vida, o
momento presente.
Essa visão do
filósofo Epicuro tem como base a concepção de que tanto o prazer quanto a dor
só são possíveis através das experiências
de sentido, que existem graças ao nosso corpo e seus órgãos sensoriais, por
exemplo. Como para ele quando morremos nosso corpo de esvai em pedaços e nada
sobrevive, só podemos ter essas experiências se estivermos vivos.
Nesse
sentido, Batman fica em maus lençóis. Se seus pais morreram, de acordo com
Epicuro nenhuma promessa poderá ser feita a eles, primeiramente, porque eles
não poderão ouví-la e, segundo, eles não poderão contribuir para o final de
toda promessa que é quando a quem ela se dirige tem o poder de contemplar seu
resultado, alegrando-se ou decepcionando-se com ele. Mas nem tudo está perdido
ainda. Parece que Aristóteles
oferece uma opção bem mais reconfortante para nosso herói encapuzado.
Para o
filósofo, não há a necessidade de alguém dar sentido a um ato para que ele
possa ser considerado bom ou ruim, prazeroso ou doloroso. Considere por um
momento a traição. Esse é um gesto abstrato que pode envolver namorados ou
amigos, familiares e etc. O fato de você ser traído necessita do seu
conhecimento do caso para que esse seja um ato reprovável e causador de
sofrimento? Não. A atitude de trair em si já é ruim, mas considere também a
reputação. O que as pessoas pensariam de você pelas costas ao saberem que sua
namorada agiu dessa forma?
Assim,
Aristóteles mostra que o sentimento do indivíduo sobre a dor e o prazer não é
uma parte essencial da equação. Não precisamos, em suma, estar conscientes de
uma traição para que esta gere consequências dolorosas para nós. O mesmo
pensamento pode ser aplicado aos mortos. Não precisa existir uma vida pós-morte
para que a pessoa morta seja violada de alguma forma.
Agora,
conseguimos o gancho necessário para voltar ao Batman e reconsiderar
positivamente sua promessa. Ao longo de sua história, não importa qual versão,
o herói mascarado vem dando dicas de que a promessa que ele faz é bem no estilo
aristotélico de ser.
No filme Batman Begins, por exemplo, o pai de
Bruce aparece como um médico bilionário que presta serviços à Gotham através de
seus dotes médicos e, também, de obras que ajudam a integrar a estrutura da
cidade, oferecendo oportunidades para a população de baixa renda, que é bem
numerosa. De certa forma, é esse legado que Batman carrega, mas de uma forma
diferente.
Todos esses
atos contribuem para o cumprimento de sua promessa e, ao mesmo tempo, para
honrar a memória de seus pais. Afinal de conta, se nos guiarmos pelo pensamento
aristotélico, a única possibilidade que temos de mobilizar os mortos de alguma
forma é, no fundo, através de sua reputação, de sua memória. E podemos dizer
que Batman é o exímio cumpridor de promessas, tanto que talvez seja essa
característica que sirva de centro gravitacional para sua tão temida
incorruptibilidade e compromisso em levar os maus elementos à justiça.