Um homem tímido sem dúvida teme a atenção de estranhos,
mas dificilmente pode-se dizer que tem medo deles.
Ele pode ser ousado como um
herói na batalha e mesmo assim não ter
autoconfiança em relação a um herói na
batalha e mesmo assim não ter autoconfiança em relação
a frivolidades na
presença de estranhos.
- Charles Darwin
Belíssima
frase do gênio Charles Darwin. Me identifico com ela tremendamente, e acho que
isso acontece com muitas pessoas hoje, que é um tempo em que a extroversão é o
traço de personalidade cobiçado. Os quietos – introvertidos – parecem ter
perdido seu lugar, ou melhor, parecem ter seu lugar apenas nos cantos escuros
da estranheza. Tente começar um papo mais reflexivo e demorado num grupo de
amigos, em qualquer ocasião, e na maioria das vezes a resposta será algo como:
“Caraca, isso é hora de pensar sobre isso?”. Bom, eu devolveria, mentalmente, a
questão: “E quando é que vc se sente preparado para falar desse tipo de
assunto? Porque parece viver só para baladinhas, álcool, futebol e fofocas de
celebridades...”. Ou, ainda, experimente se comportar de forma mais reservada
numa festa: será logo acusado de “lerdeza”.
Certamente
cada um de nós pode ser analisado em busca do motivo pelo qual nos tornamos –
eu não – tão superficiais, mas um outro plano de análise nos oferece essas
razões sob um panorama geral, mais social. Susan Cain, a autora do ótimo livro
O Poder dos Quietos
nos oferece explicações sobre essas
duas esferas. Certamente tenho muito o que falar desse assunto, afinal, sou um
introvertido nato que vez ou outra se indigna com um mundo regido pela
extroversão ditatorial. No entanto, neste post tentarei traçar as possíveis
causas socio-culturais dessa tendência atual.
O culto à personalidade como substituto do culto ao caráter
Nem sempre a sociedade foi tão sedenta
por extroversão. Antes da urbanização, quando a maior parte da população vivia
no campo, as coisas eram diferentes. Imagine viver numa fazenda onde você terá
a chance de conhecer apenas – se chegar a tanto - poucas dezenas de pessoas. O que acontece
nesse tipo de ambiente é que as pessoas possuem muito mais chances de se
encontrarem mais de uma vez (veja como encontros repetidos molda nossas escolhas em contextos sociais) e dividirem suas experiências profundas sobre a vida e tudo o mais. Mesmo que
o grau de instrução não seja dos mais elevados, a convivência propiciará um bom
grau de elaboração de considerações profundas sobre as coisas, e isso será dividido
com os poucos amigos existentes ao redor.
O ritmo ali também não é dos mais
rápidos, isso implica numa maior quantidade de tempo livre para empreender
esses bate-papos contemplativos. As relações de trabalho ali também eram um
pouco diferentes. Os indivíduos precisavam confiar nos empregados, o que só era
alcançado com a convivência, através de demonstrações de moralidade e bom
caráter. E havia tempo para isso. Dessa forma, não importava se você era calado
ou falastrão, simpaticíssimo ou do tipo mais reservado e sério.
Com o
surgimento das cidades, esse mecanismo que regia as interações foi sendo
modificado aos poucos em virtude das próprias necessidades desse novo meio. As
cidades foram crescendo e o campo, se esvaziando.
Das relações de trabalho à vida pessoal
Como um empregador de uma empresa ou
de um estabalecimento comercial, por exemplo, selecionaria seus empregados?
Lembre-se de que os critérios para contratar alguém continuaram sendo os
mesmos. O sujeito que tinha que ser confiável e moral, no entanto, um
comerciante ou um rico empresário não teriam tempo hábil para conviver com
aquela pessoa e descobrir se ela era digna ou não, sentia-se necessidade de um
modo mais rápido, afinal, “tempo é dinheiro”.
Assim, uma
pessoa bem vista deveria ser aquela capaz de demonstrar mais rapidamente “quem
ela era”. E como todos queriam ser bem quistos, a superficialidade (falar o mais rápido e superficialmente sobre um
assunto era bom, afinal, era preciso mostrar seu know-how rápido e
eficientemente), a alegria (você
teria que demonstrar que é uma pessoa de bem com a vida, sorridente, capaz de
atrair clientes e impressioná-los com um novo produto) e etc, foram
priorizados.
E foi dessa
forma que acabamos embarcando nesse caminho. Claro que nem todas as pessoas
extrovertidas são superficiais ou fúteis. Não é o que estou tentando dizer, mas
sim que os valores que regem as relações hoje, para além das de trabalho, são
as que estão dentro deste pacote da extroversão. Quer ver uma coisa? Tente
puxar um assunto que necessite de mais reflexão no seu grupo de amigos ou mesmo
com a família. Provavelmente, se as pessoas corresponderem ao seu chamado, elas
se deterão no assunto por no máximo uns 3 minutos. Qualquer um que tente
prolongar ou aprofundar a coisa será “o chato”.
Já passou por
essa experiência? Qual dos dois tipos de pessoas você era, a extrovertida ou a
introvertida? Se for do
segundo tipo, é provável que já tenha sido chamado de lerdo, certo? (hehe)
Mas será que
só a sociedade tem o poder de moldar as pessoas dessa forma? Bom, como vimos em
outros posts, o ser humano não é uma tábula rasa, então,
existe uma interação entre nossa biologia e o ambiente (ver textos Inato e
Aprendido 1 e 2). Por isso, no próximo
post, abordarei um pouco da questão biológica que envolve esses dois traços.