Às vezes acho
que sou o único a prestar atenção em certas coisas. Cometemos erros de
português o tempo todo, afinal, é impossível falar o português formal no
dia-a-dia; mas sou a favor de que o discurso oral tenha que se aproximar o
máximo possível da norma culta.
Também tem o fato de que, muitas vezes, dada
expressão linguística pode ser tida como certa do ponto de vista informal da
fala – e até da escrita - mas pode estar errada na norma culta, mas a coisa se
propagou de tal forma que nem temos conhecimento disso e achamos que está
correto. Enfim, erros acontecem.
No entanto,
há muitos anos que reparo que há certa organização até mesmo no modo como esses
errinhos vão se espalhando. Será que todo mundo percebe isso ou eu sou estranho
demais por captar esses padrões? Pois bem, vamos aos exemplos.
O Gerundismo
Uma tendência que deve estar fresca na
memória de muitos é o “gerundismo”. Por que fazer
algo no futuro se vc pode estar fazendo
algo? Essa mania esteve sendo popularizada
através dos operadores de telemarketing, que estiveram usando constantemente tal jargão. Não estive lendo nada
oficial sobre a causa desse fenômeno, mas minha hipótese é de que o uso desse
termo estaria sendo recomendado pelos superiores dos atendentes para que o
cliente tivesse a falsa impressão de que sua solicitação estaria sendo cumprida mais rápido do que de fato seria. Assim, em
lugar de dizer um simples “seu problema será
resolvido até tal data”, dizia-se “estaremos
resolvendo seu problema...”.
Aí, vai uma giriazinha?
Se a estratégia dava certo eu não sei,
mas o costume se espalhou velozmente. E o mesmo parece acontecer com gírias.
Lembro que, esse ano mesmo, passava na rua e via adolescentes e até jovens
adultos homens chamando uns aos outros de “viado”. Mas não era como na época em
que eu era pequeno em que usava-se o termo para zuar o amigo (não que eu ache que o fato de alguém ser homossexual seja motivo pra chacota. Patrulha politicamente correta, calma!); agora parecem
usá-lo como uma espécie de vocativo: “Aí viado, já viu tal filme?”. Sei que uma
ou talvez duas semanas depois vi um professor na academia falando assim com um
dos alunos! Como a coisa se espalhou!
Reprovei a matéria, e aí?
Mas, voltando
aos erros de português – gírias não constituem erros de português -, existe um
hoje que está me incomodando demais, e que se espalhou tão rápido quanto as gírias. Um dia ouvi um conhecido meu dizendo algo
sobre faculdade, e no meio do papo, ao querer dizer que não passou numa
matéria, pronunciou a seguinte sentença: “(...)reprovei a matéria...que droga,
né(...)”.
Aquilo ali me
cheirou meio mal já de início, mas não falei nada, afinal, podia ser um errinho
besta, por distração mesmo. Mas o problema foi que num intervalo de dias eu ouvi
uma amiga minha falando a mesma coisa, usando o termo “reprovei tal matéria”.
Posteriormente, em um curto intervalo de tempo, vi pessoas mais próximas
falando assim e logo parecia que a praga desse erro tinha se espalhado por todo
o globo!
Não resisti e
perguntei a uma estudante de letras se a minha implicância era fundamentada.
Ela disse que sim. Quando você diz que reprovou tal coisa, está querendo dizer
que você exerceu o ato de reprovar aquela coisa – óbvio, não?. Quando você diz que reprovou uma matéria no
seu curso, escola ou seja lá o que for, está dando a entender que exerceu a
ação de reprovar a disciplina. Na prática, é como se o professor tivesse, ao
fim do semestre ou ano, distribuído um questionário de avaliação do curso e o
aluno tivesse avaliado-o de maneira muito ruim; em outras palavras,
reprovando-o.
Quando o
aluno quer dizer que não passou em uma disciplina – ou de ano, se ainda estiver
no colégio – ele deve dizer que foi reprovado. Isso deixará claro que o ato foi
passivo, isto é, não foi vc que reprovou a disciplina, foi ela quem te reprovou
por ter deixado de atingir a pontuação requerida.
Outro dia, li
uma matéria em que até mesmo o prestigiado jornalista e autor de novelas Walcyr
Carrasco cometeu a gafe: “Tudo fica defasado tão rapidamente que até assusto.”
Outro exemplo
é aquele comercial de TV sobre uma peça de teatro, creio eu, em que a atriz
fala algo como “(...) que eu logo apaixono”.
Se você diz
que “assusta” é porque está assustando alguém e não levando um susto. Se fala
“apaixono” é porque está fazendo alguém se apaixonar por você e não se
apaixonando por alguém.
Por que esses
erros bobos se espalham como uma epidemia de varíola? Engraçado que ninguém
consegue fazer com que o uso correto da língua se espalhe com facilidade, mas
bastou alguém falar uma coisinha mínima errada que todos copiam. Eu passei 23
anos ouvindo as pessoas falarem corretamente na voz passiva, mas do nada todos
resolvem emburrecer e falar na voz ativa. Por que?!
Por que as pessoas erram?
Talvez a resposta esteja no fato de
que existem muito mais maneiras de se fazer algo errado do que certo. A opção
certa geralmente é só uma, mas existem aí infinitos modos de se errar. Logo,
errar é mais fácil. Mas por que o erro se espalha e o acerto não? Chuto dizer
que esse efeito peste bubônica se dá porque as pessoas anseiam por liberdade,
mesmo que seja uma que não signifique nada. De certa forma, algumas pessoas se
sentem ultrajadas por terem de ceder os seus caprichos aos de uma norma culta
que nos manda falar e escrever de uma determinada maneira e não da que
queremos.
É como o
garotinho do Ensino Fundamental que quer porque quer usar boné num colégio que
o proibe. Nem que ele tenha que entrar no colégio com o adereço e ser abordado
pelo inspetor para que tire-o, ele vai fazê-lo. Ou, ainda, ele estrará no
colégio sem o maldito boné mas logo que entrar na sala de aula irá colocá-lo.
Por que faz isso se sabe que levará um baita de um esporro? Porque sente
necessidade de ser diferente, sente necessidade de ir contra uma norma que foi
imposta.
Quer um
exemplo melhor ainda? Já viu garotos que usam o boné com a aba virada para
trás? É a mesma coisa: o utensílio foi feito para que a aba fique para frente,
provavelmente para proteger o rosto do indivíduo do Sol. Mas, num gesto de pura
rebeldia e independência (grandes coisas), ele usa-o virado para trás, querendo
passar a mensagem de que não precisa daquela proteção, ou que ousa fazer
diferente.
A mesma coisa
é a língua.