Recentemente, a atriz Marina Ruy Barbosa se envolveu numa
polêmica ao dizer em entrevista que “é difícil mulheres rodadas encontrarem um
cara legal”. Logo depois, em sua página de uma rede social, Nana Gouveia, diz:
"Ah! Como eu quis dizer essas palavras quando li o que essa garotinha mimada, preconceituosa e que não sabe absolutamente nada da verdade da vida falou nessa tal entrevista. Marina Ruy Barbosa: 'Criança, suas palavras foram de uma ignorância machista sem dimensões. O que você mostrou com seus comentários foi tão somente que você deseja que as pessoas que lhe considerem uma puritana".
Fiquei sabendo dessa história ao ver no facebook várias
moças que se consideram feministas, criticando a atriz. Diziam, basicamente, o
que a própria Nana disse, que Marina era preconceituosa e machista. Pensando na
atual linha de raciocínio que as pessoas estão seguindo, a opinião de Marina
realmente foi bem retrógrada, principalmente considerando sua idade. Mas
acredito que a coisa não seja tão fácil de criticar quanto as feministas
acreditam. Existe uma diferença essencial entre o ser e o dever ser que muitas
críticas acaloradas e passionais deixam de considerar. Essa diferença consiste em deixar claro que às vezes nossa opinião toma por base aquilo que a sociedade faz, outras, o que a sociedade deveria fazer.
Considero a afirmação de Marina legítima, ou seja, na
maioria das vezes, homens confiam menos em mulheres “rodadas”, no que diz
respeito à desenvolver um relacionamento mais sério. Digo isso não só de boca,
mas por ser homem e ter vários amigos que já confidenciaram pelo menos certa
relutância em ter algo mais sério e assumido com mulheres com posturas que
podem ser classificadas como “rodadas”. Não que não considerar sua virgindade
ou sexualidade um cálice sagrado inviolável e reservado ao príncipe encantado
seja algo essencialmente recriminável, ou que tenha relação direta e inequívoca
com a incapacidade de levar um relacionamento sério. Mas, infelizmente, é essa
a primeira questão que surge para o homem próximo desta. Isso não é a emissão de um julgamento moral, é somente uma análise sobre o que costuma acontecer nesses casos.
Além disso, esperava que as feministas agissem de outro modo nessa situação. Não são elas que pregam a igualdade? Não acham que as mulheres tem o direito de escolherem o que fazer com seus corpos? E se Marina escolheu viver de uma forma conservadora? Ela deveria ser criticada?
Isso é o que chamo de ser.
Agora, como deveria ser? Deveríamos
ter discernimento o suficiente para saber que esse comportamento feminino não
garante que as mulheres não sejam capazes de casar e serem fiéis, por exemplo.
O mesmo serve para o homem. As pessoas deveriam pensar desse modo e não
desenvolver preconceitos. Mas nem tudo é como gostaríamos que fosse.
Como eu disse, esse tipo de confusão é própria de pessoas
muito engajadas pessoalmente em alguma coisa. Se comportam assim quando algo
ofender seus brios pessoais também.
Um exemplo bom e que todos podem se lembrar foi a
repercussão do filme Tropa de Elite. A história se passa sob o ponto de vista
da BOPE, o batalhão de operações especiais da polícia militar do Rio de
Janeiro. Eles lidam com a corrupção dentro da polícia e com a bandidagem que
assola o estado. Como esperado, o filme é extremamente violento, mostrando
policiais batendo e matando bandidos, e falando deles – e dos policiais corruptos
– como a escória da sociedade. O pessoal dos direitos humanos e simpatizantes
acharam o filme horrendo. Trataram-no como uma incitação ao ódio, como se
quisesse convencer a alguém de que esse é o modo correto de se agir. Ora, o que
esperavam de um filme sobre o BOPE? Policiais bonzinhos, distribuindo doces
para traficantes?
Aqui, o problema se repete. O filme é extremamente feliz em
mostrar como se dá a luta contra o tráfico, do ponto de vista de militares. É assim que as coisas acontecem para eles.
O filme em momento nenhum revela-se um dever
ser, isto é, ele não diz que as coisas devem
ser assim.
Outro caso recente em que podemos apreciar essa lógica – ou
falta de – foi o conflito entre o prefeito Eduardo Paes e o cantor Bernardo Rinaldo Botkay. Ao que as notícias indicam, o músico desferiu uma série de
ofensas contra Paes, que estava jantando em família, num restaurante. O
prefeito descontrolou-se e deu um soco no rosto do músico.
Os críticos do governo Paes logo alardearam: “Ele é
prefeito, e como tal, não poderia de jeito nenhum agir dessa forma! Está
errado!”. Já os que são a favor tenderam a ressaltar o fato de trata-se de um
ser humano, não só de um prefeito, e seres humanos se descontrolam de vez em
quando. Eu, assim como outras pessoas que conheço, não sou um partidário do
governo Paes, mas também reconheci que apesar de ele ter um compromisso de
maior importância com a cidade, sua reação foi erradíssima. Não recomendaria
igual atitude nunca. Entretanto, os defensores tem certa razão, Paes é um ser
humano!
Agora, trazendo para a formulação que venho fazendo,
considero que os críticos estão ressaltando algo que deveria ser: Como prefeito, automaticamente ele NUNCA deveria se
comportar de tal forma. Mas, o que colocaríamos na categoria de ser, daquilo que ocorre na prática?
Estaríamos falando de um prefeito, mas ainda assim de um ser humano, e todos
sabem que seres humanos podem perder a cabeça por descontrole emocional. O
cargo de prefeito do Rio de Janeiro não inclui nenhum treinamento com monges
budistas para que seja exigido um controle emocional incomum.
Essa diferença entre o ser e o dever ser é uma interessante
confusão que todos nós estamos preparados para cometer, justamente porque o
componente emocional próprio de certas polêmicas nos cega para a visão mais
nítida dos fatos – por mais que uma visão nítida nunca esteja totalmente
desprovida de nossa cor pessoal. Em filosofia, essa falha é chamada de
Guilhotina de Hume, em homenagem ao filósofo David Hume.