Depois que escrevi um texto criticando o artigo da Eliane Brum, muitos comentários surgiram, principalmente no facebook. Eles foram bem relevantes pois só me fizeram constatar algo que já percebia há tempos: as pessoas das áreas de Humanas não entendem bem como funcionam outras áreas. E, em parte, isso não é culpa exclusiva dos alunos, mas de todo um sistema que sustenta uma guerrinha besta entre os “biologizantes e os humanistas”, como se meio ambiente, organismo e comportamento estivessem desconectados. Inclusive, já abordei temas relacionados a isso por aqui.
Não trata-se
de negar o social e o cultural. É nítido para qualquer um que produzimos essas
instâncias e ao mesmo tempo somos influenciados por ela. O problema é não
enxergarmos que existem outras a serem analisadas igualmente. Em uma aula,
inclusive, a professora debatia sobre o que é reducionismo e por que uma abordagem que não leve em conta a
cultura e sociedade seria reducionista. Essa formulação do problema me
incomodou um pouco: “Mas, professora, por
que isso? A meu ver, todas as áreas de estudo são reducionistas de alguma
maneira, afinal, cada uma vai analisar um mesmo fenômeno sob o seu ponto de
vista, ignorando didaticamente os outros. Seria impossível estudar a pobreza e
traçar as causas culturais, individuais, subjetivas, sociais, governamentais,
econômicas e etc. Assim, cada área cuida de sua parte, apesar de não negar
outros ‘causadores’ envolvidos aí. Portanto, ser reducionista é um requisito
para se fazer ciência, para se estudar algo. Não vejo esse termo como um
demônio a ser exorcizado.”
Isso é até
confuso de começar a explicar, pois uma coisa não tem nada a ver com a outra. Até
onde sabemos – esse modelo tem funcionado bem – tudo o que somos, nosso “eu”,
incluindo aí processamentos conscientes e inconscientes, aparecem graças ao
funcionamento cerebral (digo “cerebral” mas quero me referir ao funcionamento
do sistema nervoso e do organismo como um todo – já que não consigo ver como
podemos existir só com a atividade do sistema nervoso, desde que li sobre os
marcadores somáticos, em O Erro de
Descartes, escrito por Antonio Damásio). Então, digamos que uma pessoa
tenha nascido com uma modificação no córtex pré-frontal que tenha
impossibilitado que ela desenvolvesse o tipo de atenção necessária ao bom
desempenho de tarefas que exigem concentração. As ressonâncias magnéticas
mostrarão a modificação na região afetada. Agora, considere que outro indivíduo
nasceu com o córtex pré-frontal normal. Todavia, no início de sua vida não foi
exposto a estímulos ambientais que treinassem essa preciosa atenção. Mais
tarde, se fizer um exame de ressonância, serão detectados os mesmos indícios em
seu córtex pré-frontal, comparando com a criança do exemplo anterior.
Isso é o
oposto da visão propagada tradicionalmente pelo senso comum, que parecem achar
que somente há modificação cerebral quando há uma mutação genética desde o
nascimento, mas quando trata-se de algo de natureza externa (social e cultural)
é como se o mesmo conjunto de sintomas (o de TDAH, que é o do exemplo citado)
se relacionassem com algum tipo de substância mental diferente da substância do
corpo – algo que lembra muito o ultrapassado dualismo de substância cartesiano.