sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Considerações aversivas sobre a escravidão humana e o especismo como revanchismo hipócrita

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Se você é corajoso o suficiente para ver Terráqueos, veja. Eu não consegui.

Esse é do tipo de conteúdo que dá material para pensarmos sem parar durante uma semana inteira. Muitas questões surgiram para mim nos quase 20 minutos que tive estômago de assistir, vejamos alguns.
Não sei se você já se deu conta, mas nosso país abandonou a escravidão há menos de 200 anos atrás. Isso é um milésimo de segundo para a história – somos um jovem país que ainda está sofrendo com resíduos históricos de uma época cujos hábitos desumanos duraram muito. Nosso preconceito tão manifesto talvez seja um reflexo desse passado ainda recente. Se pensarmos em escala mundial, somos um adulto que ainda nem chegou aos 40 mas que já carrega nas costas um baita currículo de senhor de engenho.

Gostamos de sacralizar os povos antigos, bem ao modo Rousseau de ser (referência ao mito do “bom selvagem”, criado pelo filósofo em uma de suas obras), mas a verdade é que a escravidão nem ao menos foi invenção do homem europeu – não usando isso como desculpa. Há 10 mil anos atrás o homo sapiens já guerreava rotineiramente com tribos vizinhas, seja por alimento, seja por território; e uma das penas do perdedor era ter seus membros transformados em escravos, inclusive os próprios africanos mantinham tal prática (Entre a guerra e o pacifismo: a natureza dualista do ser humano e Instintos, sociedade e causas da violência). A questão aqui não é achar um culpado nem um inocente, mas fazer constar que carregamos uma baita coágulo de sangue, covardia e desumanidade – e mesmo sem praticar tais atos, fazemos parte do sistema e herdamos seu legado direta ou indiretamente.

Soldado soviético pousa ao lado de vários corpos num campo de concentração nazista
Fui longe demais? Então vamos falar de algo mais recente: nazismo. Há quanto tempo isso ocorreu? Há menos de um século! Judeus, eslavos, ciganos, homossexuais, comunistas e deficientes físicos e mentais (entre homens, mulheres e crianças) foram simplesmente obliterados da face da terra por um complexo industrial dedicado a matar – e às vezes a usá-los como cobaias nos mais aberrantes experimentos científicos (e pseudocientíficos). Coloque no podium invertido também Mao Tsé-Tung e Stálin.

Décadas depois desses fatos que todos tentam esquecer e demonizar, como bem manda um dos clichês sociais mais toscos que existem, tentamos nos convencer de que agora somos pessoas livres e de bem (tipo assim oh), mas não esqueça que a liberdade é uma vadia sentada em muito sangue, morte e guerra, como diz o Caolho em Deuses Americanos – porque geralmente lembramos da glória mas esquecemos do sangue derramado.

Aparentemente, percebemos que fizemos besteira entre nós, com nossa própria espécie; mas essa percepção ainda não se alastrou com relação a outras espécies. Podemos ter abandonado um pouco o (em larga escala, pois tudo que vou citar aqui ainda existe em grande número) racismo, o machismo e outras tendências nocivas hoje diminuídas graças a muita luta, mas definitivamente o especismo ainda está com raízes plantadas e imóveis. 

Animais ainda são tratados como escravos, não só porque desempenham certos trabalhos, mas porque são tratados como se não fossem seres vivos, é como se fossem máquinas criadas para nos servir. Isso em parte é uma influência judaico-cristã, afinal, o Antigo Testamento é bem claro ao dizer que os animais estão aqui para nos servir.

E o que me deixa ainda mais indignado são os comentários que vi no link do vídeo no youtube. Como era de se esperar, muitos comentaram lá indignados e tristes, mas outros pareciam achar todo esse “drama” um absurdo. Num dos comentários, um usuário disse que eram todos hipócritas, pois quando paravam no sinal de trânsito ignoravam as crianças pedindo um trocado, mas quando veem um animal sofrendo, aí acham ruim. A comparação é totalmente esdrúxula. Muitas vezes essas crianças estão no sinal a mando de algum adulto (às vezes seus próprios pais) que no final do dia recolhe a grana para si. A atividade vira uma espécie de terceirização da “pedintice”, às vezes até para pegar os dividendos do dia e comprar uma pinga. Claro, existem crianças realmente necessitadas, acho que é muita teoria da conspiração achar que não, mas mesmo assim; quando falamos de um animal sofrendo por maus tratos humanos, estamos nos referindo a algo direto, ao sofrimento de um ser vivo que não tem como ser fruto de uma estratégia de manipulação e etc. Mesmo assim, sentir compaixão de um não exclui a possibilidade de sentir do outro.

Ouroboros
É bom ressaltar também que não contribuir para esse espetáculo de sangue que faria inveja à Commodus, Imperador romano que aparece em Gladiador, podemos verificar empresas de cosméticos que não fazem testes em animais, optar menos vezes por alimentos de origem animal (não necessariamente virar vegetariano nem tão pouco vegano, pois a alimentação da vida por si própria, como o ouroborus, é um fato, não podemos mudar isso; mas podemos transformar esse processo em algo digno e limpo para todos).

Abaixo, deixo alguns links úteis relacionados ao assunto:


- Consumo sem crueldade, do Instituto Nina Rosa

- Perguntas e respostas sobre Veganismo


- Lista de produtos cujas empresas fabricantes não fazem testes em animais