O Olhar da Mente é
mais do mesmo, posso dizer seguramente. Esse é o prelúdio geralmente de mal
agouro para uma crítica literária, mas no caso de Sacks, não mesmo. Ser mais do
mesmo significa que seu último livro não perdeu as características que tornam o
neurologista e suas obras tão magníficas.
Creio que, apesar de ser um livro de relatos de caso
entremeados com suas reflexões pessoais e profissionais, sua escrita agrada a
qualquer um, do leigo ao especialista.
A combinação é perfeita: há a descrição de casos
interessantíssimos, casos raros mas que ao mesmo tempo dizem muito sobre o
sujeito neurotípico. Ao refletir sobre alguém que perdeu a visão, por exemplo,
Sacks nos faz embarcar numa viagem pela vida pessoal do paciente, sua história
de vida e experiências, além de como esses fatores foram afetados pela
sua condição e como a situação foi encaixada em sua vida. São relatos muito
vívidos e humanos, sem colocar o paciente como um peça de estudo puramente - o que agradaria bastante a maneira do neurocientista Antonio Damásio enxergar cérebro, corpo e mente.
No curso de psicologia é muito comum ouvir a crítica de que
a psiquiatria, neurologia e neurociências tratam as pessoas como objetos frios
de estudo, como máquinas. Eu tendo a discordar um pouco disso, mas comparando a
escrita tão humana e literária do autor é impossível não comparar com a postura
de muitos desses profissionais que perto de Sacks parecem realmente técnicos de
informática descrevendo algoritmos de uma programação! (somente em termos de comparação! Não
estou afirmando que sempre deve-se agir de um ou outro modo.)
Meu lado curioso e científico também fica muito bem
satisfeito com suas obras. Olhando para a quantidade de trabalhos hoje
publicados, é até engraçado pensar que ainda hoje existem pessoas que põem o dualismo cartesiano (no qual a mente
seria uma substância totalmente separada do corpo, como um espírito mesmo) em
alta conta, travando os mais sanguíneos debates quando alguém afirma que
provavelmente o fisicalismo está certo (segundo o qual a mente não seria uma
substância diferente da matéria, mas o resultado da atividade cerebral, ou a
atividade cerebral em si mesma). E O
Olhar da Mente nos faz chegar exatamente nesse ponto da discussão, mesmo
indiretamente, através dos relatos de danos no cérebro que por menores que
sejam trazem perturbadoras modificações na percepção, memória e até
personalidade. E mesmo assim, vemos o quão humanos são os relatos do médico, o
que anula de vez aquela propagada falácia de que um mundo fisicalista, monista,
abriria as portas para a frieza psicopática das pessoas.