O blog Uma Visão de Mundo postou essa semana um ótimo texto sobre um assunto hoje polêmico entre os estudantes: trote. O texto abaixo disse tudo que eu sempre quis falar sobre sobre o assunto. Claro que frente a qualquer tentativa de argumentar contra o trote, a maior parte dos estudantes virão com o clássico argumento de que participa quem quer e além disso ele é bom porque favorece a interação e facilita a formação de amizades na universidade. Sim, isso não é mentira, mas o argumento se torna falacioso a partir do momento que consideramos que as próprias atividades acadêmicas fornecem um contexto propício para a formação de amizades e interação; e ainda conta com um plus que é a possibilidade de abordar temas complexos e muitas vezes exaustivos, de maneira descontraída e leve.
O trote é um ritual de passagem, e como tal é perfeitamente comum, mas deixa de sê-lo no momento em que faz com que os estudantes sejam humilhados com tarefas sem cabimento e constrangedoras. E o mais bizarro é ver que a cultura do "tudo é festa" está sendo levada para dentro das universidades e incutindo a mentalidade de que somos obrigados a estarmos constantemente fazendo piadas, interagindo socialmente para propósitos desligados da atividade acadêmica e sempre indo em "festinhas". E o trote, infelizmente, virou mais um desses passaportes para a popularidade, de forma que quem não participa fica com medo de ser excluído pelos demais. Enfim...apreciem o texto à seguir.
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(Edison Tsung Chi Hsueh, após ralar muito de estudar, passou no vestibular de medicina mais concorrido do país, mas foi morto em trote na USP em 1999)
Todo ano, a vergonha se repete. Estudantes veteranos aplicam trotes nos novatos. Humilham. Agridem. Violam a liberdade. Cometem crimes sob a desculpa do “ah, é apenas um ritual pelo qual todos passam”. E parece que muitos aceitam. E para quê, afinal? Para nada, eu respondo.
Muitos dizem que é para “recepcionar”, para fazer amizade, para integração. Convenhamos, nunca vi uma amizade de verdade começar após alguém obrigar o outro a rolar em estrume ou raspar a cabeça. A inviolabilidade das pessoas é assegurada por lei. “Não me toque”, eu digo, e você deve respeitar sob pena de ser punido legalmente. Ninguém que entra na faculdade, aliás, é obrigado a fazer amigos. Alguém me perguntou se eu quero me “enturmar”? Desde quando fazer amigos virou obrigação? Pior, desde quando o nascimento da amizade foi desvirtuado a ponto de começar não com um gesto nobre e educado, mas com sofrimento e dor?
Alegar que o trote é “tradição”, sempre foi feito e por isso é “permitido” não convence. É o argumento dos tolos que só são capazes de repetir o que ouvem, sem refletir ou ponderar se tem sentido ou não o que matracam. A desculpa da tradição é uma tentativa covarde de legitimar atitudes que não se sustentam em seus argumentos. Humilhar outrem apenas porque ele irá entrar na sua faculdade (não é nem na sua turma ou classe!) não faz sentido. Nem mesmo o trote solidário se sustenta. A obrigação do aluno que entrou numa faculdade é manter frequência e notas dentro do que foi estipulado pela instituição até a obtenção do diploma. Fim.
O trote violento mostra a natureza doentia de pessoas que não poderiam exercer o que almejam. Como um futuro veterinário pode maltratar um ser vivo? Como um futuro médico pode sequer pensar em fazer algum tipo de mal a outro ser humano? Usarão a desculpa de brincadeira? Corrijam-me se estiver errado, mas... brincadeiras não são aquelas coisas que as pessoas fazem por vontade própria para se divertir? Qual a diversão de obrigar alguém a pedir dinheiro no semáforo ou chupar uma linguiça com leite em público como se fosse sexo oral? Se para estas pessoas humilhar os outros é uma brincadeira, teremos médicos, veterinários e outros profissionais temerosos!
Como confiar sua saúde a alguém que, um dia, enfiou álcool goela abaixo de um inocente até o coma alcoólico? Ou confiar em pessoas que lançaram ácido corrosivo (de brincadeira, claro, sempre de brincadeira) em pessoas inocentes? Este tipo de gente merece ir para a cadeia, não para o mercado de trabalho. E este aqui não é um discurso moralista. É uma dissertação sobre os direitos mais fundamentais de um ser humano, como a saúde e o bem estar. E ninguém tem o direito de violar o espaço do outro para diversão própria.
Como resolver a questão dos trotes? Com respeito. Os calouros que quiserem participar sabendo o que virá, ótimo. Temos aí uma festa. Contudo, quando for necessária coerção dos novatos, aí temos um crime. E todo crime deve ser punido exemplarmente. Trote não é brincadeira: é barbárie.
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