Hoje vivemos numa sociedade politicamente correta. Ou, pelo menos, que em meios públicos tenta sê-la (em outras palavras, que tenta fingir descaradamente que é). Programas de comédia não são mais os mesmos, críticas tem que ser escritas numa linguagem quase criptografada para que não haja risco de processo legal contra o autor e por aí vai. Nesse cenário, emerge a figura do preconceito como a nova paranóia urbana. Será que as pessoas são tão preconceituosas como os tempos atuais sugerem ou seria a opinião própria sobre um determinado assunto, caso negativa, que virou um tabu?
O dicionarioweb define a palavra preconceito como:
preconceito (pre-con-cei-to)
s. m.
fôrma de pensamento na qual a pessoa chega a conclusões que entram em conflito com os fatos por tê-los prejulgado. O preconceito existe em relação a quase tudo e varia em intensidade da distorção moderada a um erro total.
A definição é bem próxima do óbvio, do senso comum, ou seja, é caracterizada pelo julgamento sobre algo que contradiz os fatos sobre ele. Bom, pelo menos eu sempre pensei isso. Mas eu percebi que a maioria das pessoas faz uma associação indevida: liga preconceito automaticamente à opinião negativa. Assim, se você decide que não gosta de algo, está sendo preconceituoso. De certa forma isso não é um erro tão feio assim porque se pensarmos bem, a maior parte do que é classificado como preconceito é de natureza negativa. É só lembrar dos nazistas que consideravam os judeus, eslavos, homossexuais, maçons, negros, deficientes e ciganos (quase qualquer um que não fosse ariano) como seres inferiores e que mereciam a morte. Essa idéia é baseada em algum fato? Os relativistas extremos de hoje, mesmo nas universidades, poderiam falar algo como: sob qual perspectiva de fato o preconceito se refere? O fato científico, o discurso científico é só mais um modo de determinarmos o que é fato e o que não é.
Tendo em vista que fato é aquilo que é comprovado, só podemos contar com o método científico para darmos esse tipo de status a algo. Obviamente que a perspectiva nazista sobre os grupos humanos referidos não é um fato, nem chega perto disso. Isso configura o preconceito, claramente; e ainda é acompanhado de um caráter negativo, pois está inferiorizando alguém por motivos falsos. Ao longo da história muitas amostras de preconceito existiram e não vou citar todas (darwinismo social e teorias eugenistas em geral).
O centro da questão hoje é que essa relação de preconceito com opinião negativa virou algo tão profundo na nossa cultura que basta falar mal de algo pra ser chamado de preconceituoso. Darei alguns exemplos. Obviamente todas as pessoas possuem algum tipo de gosto musical. É raro ver alguém que simplesmente adora todos os estilos; na verdade nem sei se isso existe. Imagine que você se encontra com alguém que gosta de pagode, sendo que você odeia esse tipo de música e resolve dar a sua opinião negativa. Pronto, vai ser taxado de preconceituoso na certa. O mesmo acontece com filmes. Não adianta, não dá pra adorar todo gênero. Caso você resolva dizer que não curte terror, por exemplo, os amantes do cinema sangrento vão classificar essa pessoa como preconceituosa!
Em nome dessa situação complicada vou até criar um novo termo: pós-conceito. Essa palavra se refere àquilo que pensamos sobre um determinado assunto, seja elogiando ou depreciando, mas que é fruto de uma análise, de uma reflexão e da ponderação de evidências.

As pessoas são livres para manifestarem o que pensam sobre a vida, a sociedade, as pessoas e todo o resto. Não gostar de algo não é agir preconceituosamente, desde que você não defenda teses absurdas que vão contra os fatos; e isso vale tanto para defender um grupo quanto para ir contra. Uma pessoa pode gostar da maneira disciplinada de ser dos japoneses e não achar boa a postura por demais discontraída e cabeça fresca da maioria dos brasileiros. Alguém pode achar mais interessantes as músicas americanas e não as brasileiras; ou pode gostar mais de mpb do que de funk. Portanto, exerçam seu pós-conceito à vontade.
OBS: acho que ficou implícito no post que eu não discrimino qualquer um dos grupos usados como exemplo, ao contrário, sou o primeiro a ir contra opiniões que depreciam, ou não, indevidamente qualquer tipo de pessoa. Veja aqui o que já escrevi sobre o assunto.