domingo, 10 de abril de 2011

Exerça Seu Pós-Conceito

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Hoje vivemos numa sociedade politicamente correta. Ou, pelo menos, que em meios públicos tenta sê-la (em outras palavras, que tenta fingir descaradamente que é). Programas de comédia não são mais os mesmos, críticas tem que ser escritas numa linguagem quase criptografada para que não haja risco de processo legal contra o autor e por aí vai. Nesse cenário, emerge a figura do preconceito como a nova paranóia urbana. Será que as pessoas são tão preconceituosas como os tempos atuais sugerem ou seria a opinião própria sobre um determinado assunto, caso negativa, que virou um tabu?



O dicionarioweb define a palavra preconceito como:

preconceito (pre-con-cei-to)

s. m.


fôrma de pensamento na qual a pessoa chega a conclusões que entram em conflito com os fatos por tê-los prejulgado. O preconceito existe em relação a quase tudo e varia em intensidade da distorção moderada a um erro total.


A definição é bem próxima do óbvio, do senso comum, ou seja, é caracterizada pelo julgamento sobre algo que contradiz os fatos sobre ele. Bom, pelo menos eu sempre pensei isso. Mas eu percebi que a maioria das pessoas faz uma associação indevida: liga preconceito automaticamente à opinião negativa. Assim, se você decide que não gosta de algo, está sendo preconceituoso. De certa forma isso não é um erro tão feio assim porque se pensarmos bem, a maior parte do que é classificado como preconceito é de natureza negativa. É só lembrar dos nazistas que consideravam os judeus, eslavos, homossexuais, maçons, negros, deficientes e ciganos (quase qualquer um que não fosse ariano) como seres inferiores e que mereciam a morte. Essa idéia é baseada em algum fato? Os relativistas extremos de hoje, mesmo nas universidades, poderiam falar algo como: sob qual perspectiva de fato o preconceito se refere? O fato científico, o discurso científico é só mais um modo de determinarmos o que é fato e o que não é. 


Tendo em vista que fato é aquilo que é comprovado, só podemos contar com o método científico para darmos esse tipo de status a algo. Obviamente que a perspectiva nazista sobre os grupos humanos referidos não é um fato, nem chega perto disso. Isso configura o preconceito, claramente; e ainda é acompanhado de um caráter negativo, pois está inferiorizando alguém por motivos falsos. Ao longo da história muitas amostras de preconceito existiram e não vou citar todas (darwinismo social e teorias eugenistas em geral). 

O centro da questão hoje é que essa relação de preconceito com opinião negativa virou algo tão profundo na nossa cultura que basta falar mal de algo pra ser chamado de preconceituoso. Darei alguns exemplos. Obviamente todas as pessoas possuem algum tipo de gosto musical. É raro ver alguém que simplesmente adora todos os estilos; na verdade nem sei se isso existe. Imagine que você se encontra com alguém que gosta de pagode, sendo que você odeia esse tipo de música e resolve dar a sua opinião negativa. Pronto, vai ser taxado de preconceituoso na certa. O mesmo acontece com filmes. Não adianta, não dá pra adorar todo gênero. Caso você resolva dizer que não curte terror, por exemplo, os amantes do cinema sangrento vão classificar essa pessoa como preconceituosa! 


Em nome dessa situação complicada vou até criar um novo termo: pós-conceito. Essa palavra se refere àquilo que pensamos sobre um determinado assunto, seja elogiando ou depreciando, mas que é fruto de uma análise, de uma reflexão e da ponderação de evidências.

Por mais que tentemos respeitar a opinião dos outros, o estilo de vida e etc, nós naturalmente pensamos algo sobre aquilo, seja algo bom ou ruim. E isso não vale só para músicas e filmes, serve também para pessoas. Podemos muito bem respeitar todas as pessoas, independentemente de qualquer diferença, mas não somos obrigados a gostar de tudo que elas fazem, e temos o direito de demonstrar nosso pós-conceito. Quando se trata de pessoas a coisa fica mais quente ainda. Ainda mais hoje em dia que os grupos que sofrem discriminação adquiriram um grau tal de milindre, que qualquer coisa é motivo para processo. Acho que um bom exemplo dessa paranóia é o das pessoas que não gostam de samba, Carnaval e afins. Isso é facilmente visto como uma prova de que a pessoa é preconceituosa com relação aos negros. Outras vezes o indivíduo é acusado de ser amante dos EUA e contra o Brasil. Veja quantas questões surgiram só porque o cidadão disse que não gosta de samba! E acreditem, isso não é ficção! Acontece! E os exemplos podem ser dados aqui ad infinitum. Talvez a imagem hoje mais destacada nesse assunto seja a do homossexual. É evidente que ainda hoje muitas pessoas discriminam. Mas também existem aquelas que não concordam com algumas bandeiras levantadas pela comunidade gay (desde que essa opinião não esteja indo contra os fatos). Isso é natural. Seria um disparate alguém desejar que todos concordassem com seu modo de agir, de se manifestar. Até os nerds sofrem preconceito. Existem vários estereótipos solidificados na cultura que eu nem mesmo sei se tem alguma base real. Por exemplo, o nerd é visto como alguém lerdo, com a cara cheia de espinhas, óculos com lentes fundo de garrafa, sedentário e que não tem namorada. Eu assumo, existem muitos nerds assim, de fato. Mas eu não sei se esse estereótipo é baseado numa maioria nerd, ou nos primeiros nerds, ou nos mais famosos, ou se é realmente fruto de preconceito, isto é, uma imagem errônea mantida só para submeter esse grupo ao ridículo. 


As pessoas são livres para manifestarem o que pensam sobre a vida, a sociedade, as pessoas e todo o resto. Não gostar de algo não é agir preconceituosamente, desde que você não defenda teses absurdas que vão contra os fatos; e isso vale tanto para defender um grupo quanto para ir contra. Uma pessoa pode gostar da maneira disciplinada de ser dos japoneses e não achar boa a postura por demais discontraída e cabeça fresca da maioria dos brasileiros. Alguém pode achar mais interessantes as músicas americanas e não as brasileiras; ou pode gostar mais de mpb do que de funk. Portanto, exerçam seu pós-conceito à vontade.

OBS: acho que ficou implícito no post que eu não discrimino qualquer um dos grupos usados como exemplo, ao contrário, sou o primeiro a ir contra opiniões  que depreciam, ou não, indevidamente qualquer tipo de pessoa. Veja aqui o que já escrevi sobre o assunto.