quinta-feira, 23 de junho de 2011

O Deus de Descartes

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Como já vimos em outro post, Descartes ousou mudar o pensamento de toda uma época e ainda continua influenciando a nossa cultura, principalmente no que se refere à distinção básica que marca o Ocidente em relação ao Oriente: a dualidade cartesiana do corpo e da alma. Mas aqui pretendo falar de outro ponto de sua filosofia: a “prova” da existência de Deus, segundo Descartes.

O filósofo racionalista se utiliza de dois princípios para fundamentar seu argumento: o onírico e o cosmológico.


O argumento cosmológico é o seguinte: Descartes pensa que, sendo um ser imperfeito (o que é provado pelo fato de que ele tem dúvidas, logo não tem conhecimento de tudo e é falho), ele nunca poderia cogitar a hipótese da existência de um ser que, ao contrário dele mesmo, é perfeito. Isso é impossibilitado porque existe um requisito cartesiano que diz que a causa deve ser igual ao efeito no que diz respeito à condição de perfeição ou imperfeição. Portanto, uma idéia perfeita nunca poderia ser criada por uma mente imperfeita. Assim, Descartes afirma que a conclusão lógica seria a de que Deus teria colocado esse conceito em nós, já que, assim, uma idéia perfeita corresponderia a um ser perfeito. Esse estilo de argumentação ainda é muito usado quando alguém quer forçar a conclusão de que tudo tem que ter tido um início, e esse início é sempre descrito como Deus. 

Considero uma falha dessa lógica o fato de Descartes tomar como certo o fato de uma idéia perfeita ter basicamente de sair de um ser perfeito. Como ele verificou tal condição? Eu poderia dizer que Deus, supostamente um ser perfeito, criou o homem, que por sua vez é um ser imperfeito; logo, Deus é imperfeito. Outro ponto instável é a retórica que envolve a causa primeira. Tirando a questão bem mais coerente de que provavelmente o universo não tem um início específico, mas é algo cíclico; posso atacar especificamente a noção de que a questão o que teria sido o início de tudo necessariamente é Deus. Ora, por que devemos finalizar a regressão nesse ponto? Poderíamos muito formular a pergunta “E de onde veio Deus?”. Algum fiel ou defensor de Descartes poderia argumentar dizendo que Deus é auto-suficiente. Mas já que é a auto-suficiência que importa, podemos ser ainda mais lógicos e aplicar o princípio da parcimônia (A explicação mais simples e que explica a maior quantidade de fenômenos é sempre a melhor) e transferir essa auto-suficiência ao próprio Universo. Assim, o Universo seria eterno e suas leis físicas seriam o suficiente para “causar” tudo o que conhecemos hoje, inclusive a nós mesmos (como declara o físico Stephen Hawking em recente livro)


Mas, sejamos justos por um momento; evidentemente que Descartes não dispunha de tanto conhecimento sobre o Universo em sua época, portanto seria difícil chegar a essas conclusões. Mas, vejo necessária a crítica acima porque ainda hoje vejo muitas pessoas usando tais argumentos para fundamentar suas crenças teístas; lembrando que Descartes era deísta(Um ser inteligente criou o universo e desde então não interferiu mais nele), ou seja, atualmente os cristãos usam argumentos antigamente usados por deístas, para fundamentar suas crenças em um Criador pessoal e milagreiro. Assim como ainda é muito utilizada a noção de alma e corpo (dualidade cartesiana), apesar de todos os atributos atribuídos a uma alma imaterial hoje terem sido reconhecidos como provenientes de nosso maravilhoso cérebro.


Comentários (2)

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Olá Davi! Sou do textosagrado.com.br, porém creio que seu e-mail (a@a.com) esteja incorreto! Seu link está em nosso site!

Algumas questões devem ser esclarecidas. Primeiro quanto a sua fala: "Portanto, uma idéia perfeita nunca poderia ser criada por uma mente imperfeita." Corretíssimo, e é justamente aí que Descartes trabalha, sendo que o ser humano é imperfeito e não pode criar ideias perfeitas quem então pôs ideias de coisas perfeitas em sua mente? Como por exemplo a infinitude, bondade suprema e a ideia de Deus, para Descartes só pode ter sido o próprio Deus, pois o homem por si só não seria capaz de tal pensamento. E o homem se assemelha a uma máquina no que diz respeito a marca do criador que é posta na máquina, e a marca de Deus que está no homem é essa capacidade racional que ele não teria sozinho. E assim duas coisas, diante de sua dúvida hiperbólica, ele pode ter certeza, que existe (cogito ergo sum) e que Deus também existe por ter posto essa ideia em sua mente. Neste ponto ele se assemelha a Anselmo que diz que a partir do momento que você pensa em Deus, ainda que seja para dizer que Ele não existe, é porque Ele realmente existe, pois como pensaria a respeito de algo que não existe? Aí pode ser argumentado que penso em várias coisas que não existem, como por exemplo um cavalo com asas, um unicórnio, ou seja, uma quimera, porém a saída de Descartes para esse situação é simples, você pensou em conceitos existentes, um cavalo e as asas, num potrinho e num chifre, o que foi feito incorretamente foi a relação e no caso de Deus você pensou no conceito, assim Deus existe.

Obrigado pelo comentário, queria conversar mais, mas não é possível, senão teria que escrever um artigo.

Abraços.
Rafael, acho que ocorreu algum engano aqui. Eu não comentei em seu site e meu nome não é Davi! ahha

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