Como já vimos em outro post, Descartes ousou mudar o pensamento de toda uma época e ainda continua influenciando a nossa cultura, principalmente no que se refere à distinção básica que marca o Ocidente em relação ao Oriente: a dualidade cartesiana do corpo e da alma. Mas aqui pretendo falar de outro ponto de sua filosofia: a “prova” da existência de Deus, segundo Descartes.
O filósofo racionalista se utiliza de dois princípios para fundamentar seu argumento: o onírico e o cosmológico.
O argumento cosmológico é o seguinte: Descartes pensa que, sendo um ser imperfeito (o que é provado pelo fato de que ele tem dúvidas, logo não tem conhecimento de tudo e é falho), ele nunca poderia cogitar a hipótese da existência de um ser que, ao contrário dele mesmo, é perfeito. Isso é impossibilitado porque existe um requisito cartesiano que diz que a causa deve ser igual ao efeito no que diz respeito à condição de perfeição ou imperfeição. Portanto, uma idéia perfeita nunca poderia ser criada por uma mente imperfeita. Assim, Descartes afirma que a conclusão lógica seria a de que Deus teria colocado esse conceito em nós, já que, assim, uma idéia perfeita corresponderia a um ser perfeito. Esse estilo de argumentação ainda é muito usado quando alguém quer forçar a conclusão de que tudo tem que ter tido um início, e esse início é sempre descrito como Deus.
Considero uma falha dessa lógica o fato de Descartes tomar como certo o fato de uma idéia perfeita ter basicamente de sair de um ser perfeito. Como ele verificou tal condição? Eu poderia dizer que Deus, supostamente um ser perfeito, criou o homem, que por sua vez é um ser imperfeito; logo, Deus é imperfeito. Outro ponto instável é a retórica que envolve a causa primeira. Tirando a questão bem mais coerente de que provavelmente o universo não tem um início específico, mas é algo cíclico; posso atacar especificamente a noção de que a questão o que teria sido o início de tudo necessariamente é Deus. Ora, por que devemos finalizar a regressão nesse ponto? Poderíamos muito formular a pergunta “E de onde veio Deus?”. Algum fiel ou defensor de Descartes poderia argumentar dizendo que Deus é auto-suficiente. Mas já que é a auto-suficiência que importa, podemos ser ainda mais lógicos e aplicar o princípio da parcimônia (A explicação mais simples e que explica a maior quantidade de fenômenos é sempre a melhor) e transferir essa auto-suficiência ao próprio Universo. Assim, o Universo seria eterno e suas leis físicas seriam o suficiente para “causar” tudo o que conhecemos hoje, inclusive a nós mesmos (como declara o físico Stephen Hawking em recente livro)
Mas, sejamos justos por um momento; evidentemente que Descartes não dispunha de tanto conhecimento sobre o Universo em sua época, portanto seria difícil chegar a essas conclusões. Mas, vejo necessária a crítica acima porque ainda hoje vejo muitas pessoas usando tais argumentos para fundamentar suas crenças teístas; lembrando que Descartes era deísta(Um ser inteligente criou o universo e desde então não interferiu mais nele), ou seja, atualmente os cristãos usam argumentos antigamente usados por deístas, para fundamentar suas crenças em um Criador pessoal e milagreiro. Assim como ainda é muito utilizada a noção de alma e corpo (dualidade cartesiana), apesar de todos os atributos atribuídos a uma alma imaterial hoje terem sido reconhecidos como provenientes de nosso maravilhoso cérebro.