Autor: André Rabelo
Blog: Social Mente
Nas grandes cidades, vivemos nossas vidas
em meio a uma multidão de desconhecidos. Cruzamos todos os dias com
estranhos que não conhecíamos e que, provavelmente, não vamos conhecer
também. Nessa atmosfera, não é de se surpreender que a apatia pelo
sofrimento alheio e a distribuição de grosserias tenham se tornado tão
comuns e aceitáveis. Podemos até nos surpreender se um completo estranho
emergir a partir da multidão nos oferecendo um ato de gentileza, sem
pedir nada em troca.
Você não se surpreenderia se, ao chegar
no caixa de um restaurante para pagar a sua conta, fosse informado de
que uma pessoa gentilmente pagou a sua conta e não quis se identificar?
Uma situação como esta pode parecer muito improvável, mas foi exatamente o que aconteceu em um restaurante na Filadélfia, em 2009, nos Estados Unidos [1].
O ato de gentileza inspirou, nas 5 horas seguintes, várias pessoas
naquele restaurante a pagar a conta de outras mesas sem se importar com o
valor da conta e de maneira anônima. Os trabalhadores do restaurante
ficaram emocionados, pois nunca tinham visto algo tão solidário como
aquilo acontecer. Como diz na reportagem da NBC10 Philadelphia: ”É uma história de feriado verdadeira que prova como um pequeno gesto de gentileza pode criar um pouco de magia.”
A gentileza é um tipo de ação espontânea e, muitas vezes, sutil, onde
uma pessoa beneficia outra, seguindo normas implícitas de conduta. É um
tipo de comportamento de baixo custo para quem o realiza, mas que pode
beneficiar muito quem recebe. O vídeo acima demonstra vários exemplos
de como a gentileza pode se manifestar no cotidiano.
Este vídeo é uma bela ilustração do que a
gentileza é capaz de produzir no cotidiano das pessoas. Ela é
contagiante. O vídeo (que encontrei no Treta) é uma produção do projeto Life Vest Inside
(“Salva-Vidas Interno”), que busca promover a gentileza como uma
maneira simples, mas poderosa e ativa, de melhorar o mundo. Uma parte da
descrição do projeto merece ser traduzida aqui:
O trabalho de caridade e o serviço comunitário são ferramentas inestimáveis para melhorar o nosso mundo, mas a gentileza é mais do que boas ações ou voluntariado apenas. Gentileza é empatia, compaixão e conexão humana; é um sorriso, um toque ou uma palavra confortante. Mesmo o menor gesto pode clarear um dia escuro ou aliviar um fardo pesado.
O tema tem se tornado cada vez mais presente em campanhas empresariais como exemplifica o Movimento Trânsito + Gentil.
Este projeto busca promover a gentileza entre motoristas no contexto do
trânsito. Qualquer um que dirija em uma grande metrópole sabe
reconhecer o valor de campanhas desta natureza, considerando a grosseria
e falta de solidariedade que se pode observar facilmente no trânsito
das grandes cidades. Como os idealizadores do projeto colocam de maneira
simples: “E se você ouvisse uma música, em vez de buzinar? Ou apontasse
o erro, em vez de xingar? Gentileza gera gentileza e se multiplica. Experimente.” Seguem abaixo dois vídeos curtos da campanha, onde um taxista fala sobre a importância que ele vê na gentileza:
Outras iniciativas também promovem a gentileza como um instrumento de mudança social, como a Random Acts of Kindness Foundation e o Help Others.org. Toda
esta atenção dirigida para a gentileza tem um motivo – ela pode ser um
meio extremamente simples, mas poderoso, de melhorar a vida das pessoas e
o convívio social.
O
poder da gentileza não está apenas no benefício concreto que a pessoa
ajudada recebe, mas a própria pessoa que ajuda também pode se
beneficiar. Ser gentil pode tornar as pessoas mais felizes, até mesmo a
longo prazo. Isto é o que alguns estudos indicam [2, 3, 4, 5]. Ser
gentil com outras pessoas pode aumentar momentaneamente a felicidade de
alguém que, por sua vez, aumenta a probabilidade dela agir gentilmente
em situações subsequentes [2, 3]. Alguns pesquisadores como a
professora Sonja Lyubomirsky,
da Universidade de Stanford, propõem que a retroalimentação positiva
existente entre a felicidade e a gentileza pode funcionar como um
mecanismo para a sustentabilidade da felicidade a longo prazo.
Um artigo publicado na revista Science relatou
evidências correlacionais, longitudinais e experimentais de que há um
aumento maior na nossa felicidade quando gastamos nosso dinheiro com
outras pessoas [3]. O dado mais interessante e contra-intuitivo é que,
independente da quantia de dinheiro gasta, maiores gastos com outras
pessoas se relacionaram com maior felicidade, mas maiores gastos consigo
mesmo, não. Isto pode soar estranho, já que poderíamos esperar,
intuitivamente, que quanto mais gastamos conosco, mais felizes
deveríamos nos sentir. Entretanto, estes estudos indicam que utilizar
dinheiro para beneficiar outras pessoas pode nos tornar mais felizes do
que se os usarmos para nós mesmos, independente de quanto seja.
Adicionalmente, outros dados indicam que
pessoas mais felizes também são mais propensas a agir gentilmente [5, 6,
7]. Em outro estudo que replicou a relação entre felicidade e
gentileza, uma simples intervenção onde era pedido aos participantes
que, ao longo de uma semana, ficassem atentos e contassem quantos atos
de gentileza realizaram, resultou em um aumento na felicidade subjetiva
dos participantes [5]. Todos estes estudos indicam que a gentileza tem o
poder de nos tornar mais felizes, tanto momentaneamente quanto a longo
prazo, se a praticarmos com as outras pessoas.
O vídeo abaixo da Random Acts of Kindness Foundation mostra
uma admirável ação de duas crianças que aprenderam desde cedo com uma
professora sobre como é bom ser gentil. Se você gostaria de praticar
mais a gentileza, mas não sabe por onde começar, boas dicas podem ser
encontradas nessa página do Help Others.org.
E nunca se esqueça do poder da gentileza – ela é contagiante,
beneficia quem a recebe e, de brinde, ainda pode tornar mais feliz quem a
pratica!
Referências
[1] Johnson, D. (2009). Mystery couple starts “magical” chain reaction. Recuperado em 4 de Janeiro, 2011 de http://www.nbcphiladelphia.com/news/local/Mystery-Couple-Pay-It-Forward-79179347.html
[2]
Aknin, L., Dunn, E., & Norton, M. (2011). Happiness runs in a
circular motion: Evidence for a positive feedback loop between prosocial
spending and happiness. Journal of Happiness Studies DOI: 10.1007/s10902-011-9267-5
[3] Dunn, E., Aknin, L., & Norton, M. (2008). Spending money on others promotes happiness. Science, 319 (5870), 1687-1688 DOI: 10.1126/science.1150952
[4] Buchanan, K. E., & Bardi, A. (2010). Acts of kindness and acts of novelty affect life satisfaction. The Journal of Social Psychology, 150 (3), 235-7 PMID: 20575332
[5]
Otake, K., Shimai, S., Tanaka-Matsumi, J., Otsui, K., &
Fredrickson, B. (2006). Happy people become happier through kindness: A
counting kindnesses intervention. Journal of Happiness Studies, 7 (3), 361-375 DOI: 10.1007/s10902-005-3650-z
[6] Feingold, A. (1983). Happiness, unselfishness, and popularity. The Journal of Psychology, 115 (1), 3-5 DOI: 10.1080/00223980.1983.9923590
[7] Lyubomirsky S, King L, & Diener E (2005). The benefits of frequent positive affect: Does happiness lead to success? Psychological Bulletin, 131 (6), 803-55 PMID: 16351326