Qualquer
pessoa que já leu sobre psicologia evolucionista (PE)
pode reparar que ela possui inimigos declarados. Em geral, eles estão
espalhados pelas ciências humanas [leia um texto que escrevi descrevendoespecificamente o radicalismo da psicanálise]. Arrisco dizer que isso deve-se ao fato de que nessa área, os estudiosos não
raramente tem um profundo apego por escritos antigos, que deixam de levar em
conta muito do conhecimento produzido até então, bem como um explícito senso de
antropocentrismo.
Em uma
discussão num fórum pela internet, uma vez, conversei com uma pessoa que se
dizia socióloga ou filósofa, não lembro bem. Falávamos sobre darwinismo e ele
discordava veementemente da teoria. Ninguém é obrigado a gostar do assunto, mas
discordar no mínimo é algo que tem que ser feito com propriedade. Mas não foi o
caso, pois o cara simplesmente começou a apelar para argumentos de Platão e Aristóteles,
que falavam de essência da espécie. Nessa visão, uma espécie não poderia virar
outra ou ser modificada de nenhuma forma pois ela tinha uma essência; como
gato, um gato tem essência de gato, então, sua espécie não vir a se tornar
outra futuramente, por exemplo.
Outro caso
emblemático foi numa aula no meu curso de psicologia, em que o professor dizia
que falar que nos reproduzimos para passar os genes adiante é no mínimo um
absurdo, “pois não conheço ninguém que tenha feito sexo com essa intenção”
[outra idéia repudiada é a de Gene Egoísta; leia mais]. Essa visão é
simplesmente absurda, pois nenhuma teoria diz isso. E esse tipo de argumentação
é utilizado com frequência para refutar a psicologia evolucionista.
No caso, o
tal professor se referia ao pressuposto de toda a biologia, em que os organismos
possuem suas características codificados por genes, e estes, por sua vez, são
passados adiante conforme vão sendo bem sucedidos em se proliferarem e
sobreviverem. Claro que isso é feito através dos organismos que eles produzem.
Nesse sentido, somos máquinas desenvolvidas por genes devido à disputa cega
entre eles (claro que nenhum gene disputa diretamente um com o outro).
Causas
próximas e distantes
Tinbergen |
Para entender
isso é preciso saber da existência dos 4 porques de Nikolaas Tinbergen, um etólogo que viveu em
meados do século XX. Segundo ele, é possível analisar o comportamento dos
animais – inclusive os humanos – sob quatro esferas: fisiologia, ontogênese,
história evolutiva e causa última. A primeira, diz respeito à como o corpo
humano funciona fisiologicamente durante esse comportamento, o que inclui
também a atividade cerebral. A ontogênese seria a história do indivíduo; como o
seu percurso individual moldou suas reações ao ambiente e etc. Quando estamos
falando sobre como um mesmo comportamento se manifesta em diferentes espécies,
estamos fazendo menção à história evolutiva. Essas esferas podem ser
condensadas sob a denominação de causas
próximas, e geralmente são as invocadas sempre que se quer explicar
determinado comportamento no dia-a-dia.
As causas últimas, por outro lado, dizem
respeito à psicologia evolucionista, e versam sobre o motivo pelo qual um dado
comportamento se constituiu uma possibilidade ao longo da evolução da espécie. Se
pegarmos uma emoção como exemplo, o medo, e quisermos dizer o motivo pelo qual
uma pessoa o sentiu, como prosseguiremos? Nesse caso, provavelmente invocaremos
as causas próximas. No entanto, por qual motivo o ser humano tem o medo no seu
repertório de emoções básicas, independentemente dos gatilhos ambientais que o
dispara? [para ler mais sobre esse assunto]
O feminismo
Mais uma vez: aí sim começamos a poder
falar das causas últimas, e é aí que a psicologia evolucionista entra. Entretanto, esse parece ser um osso
demasiadamente duro de roer para alguns. Um dos grupos que eu queria já citar
desde o início do texto, era o das feministas.
Eu não sou um expert em feminismo, sabendo só o básico de acordo com o que as feministas
que eu conheço – bem como as que simplesmente são pró-feminismo – fazem e dizem.
A principal crítica
das feministas diz respeito à alegação da PE de que a evolução moldou não somente o nosso
corpo, mas nosso cérebro também. Como consequência, homens e mulheres
diferem nesse dois sentidos. As feministas em geral alegam não gostarem muito disso, pelo menos as do
meio acadêmico. Aborde esse assunto em sala de aula e você entenderá do que eu
estou falando quando uma delas se manifestar.
Não me
interpretem mal. O feminismo tem uma proposta interessante, que é a da
igualdade de direitos entre homens e mulheres. Apesar de soar meio óbvio, esse
assunto tem muitas nuances muito mal compreendidas. Em artigo que visava
responder às deturpações que sofre a PE, Barry X. Kuhle (2012) escreveu que
existem dois tipos de feministas, as equity
feminists e as gender feminists.
Enquanto as
primeiras estão interessadas em garantir o que tem de mais óbvio, para mim, em
termos de luta feminista, isto é, a igualdade de direito entre os gêneros, as
outras estão preocupadas com a defesa de uma variação disso. Essas segundas
parecem querer que homens e mulheres sejam iguais não só em direitos, mas
também num nível – se assim posso dizer – ontológico. Em suma, querem que os
dois sexos funcionem da mesma forma.
Para a PE
isso é um tanto problemático, pois, como eu havia dito antes, não foram só
nosso corpos que foram moldados pela seleção natural, mas nosso cérebro também.
Por isso, homens e mulheres não pensam iguais sobre muitos assuntos. Mas, no
fundo, isso não implica necessariamente
em conflito com a visão feminista equaty
feminism. Pois então, por qual
motivo as feministas mais radicais insistem nessa incompatibilidade?
Por que a
briga?
O primeiro
motivo que aponto é a não compreensão da esfera de explicação do comportamento
onde a PE se encaixa, dentro dos 4 porques de Tinbergen. Outra razão é apontada
por Kuhle, o mito da imutabilidade
e, também, a falácia naturalista. A
esses, acrescento ainda um que talvez sirva para cobrir todos os outros que é a
incrível mania de se criticar um assunto qualquer sem nunca ter lido um livro
sobre o tema.
Vamos a cada
um dos mitos, então. Como já falei dos porquês de Tinbergen, irei direto aos
outros. O mito da imutabilidade é como a gripe, de tão fácil que é de ser pego
por ele. Exemplo: quando dizemos que as guerras fazem parte de um comportamento
inato, não estamos querendo dizer que devemos perder as esperanças pois nunca
conquistaremos uma sociedade pacífica. Não. O que se está fazendo é
simplesmente dizer que a guerra é um dos eventos desencadeados por uma
predisposição comportamental de todo primata.
E nada dessa
história de que existe um gene responsável pela guerra ou violência. Até para
características simples é exigido o trabalho de um conjunto deles. E como toda
característica codificada por genes, seu funcionamento depende de gatilhos
ambientais. Isso, por si só, é suficiente para que esse mito fosse lavado em
toda a academia; mas não é. Assim, detonamos o mito da imutabilidade no melhor
estilo Mith Busters, afinal, biologia
não quer dizer, necessariamente, destino [leia dois textos explorando mais a
questão aqui e aqui]
A falácia
naturalista também é mais comum do que se pensa. Lembro que quando a polêmica
do casamento gay e cura gay estavam quentes, muitas pessoas alegavam que o comportamento
gay é correto ou moralmente aceitável, afinal, outros animais possuem o mesmo
comportamento, portanto, é algo de natureza biológica mesmo, não sendo pura
modinha cultural.
Bom, se
pensarmos puramente em termos de lógica dos termos, então, a resposta é não. O
fato de outras espécies exibirem tendências homossexuais não torna esse ato
moralmente defensável necessariamente, afinal, a violência também é algo presente no reino animal como um todo e nem
por isso aparecem pessoas fazendo apologia á violência. Mas, calma, não
estou dizendo que sou a favor da cura gay nem que ser gay é imoral. Não acho
que exista nenhum problema inerente aos gays, acho que eles tem liberdade de
serem felizes seguindo a orientação sexual deles, só não posso assumir a partir
daí que é possível defender tal posição a partir de um argumento falacioso.
Mito derrubado.
Segundo Kuhle,
esses são os maus entendidos que fazem as feministas de gênero se indignarem
tanto toda vez que alguém fala em biologia, evolução e comportamento numa mesma
frase. Como sempre, o maior antídoto é a informação e o equilíbrio. Para
defender uma causa, não precisamos ser radicais e nem insistir em argumentos
falaciosos sobre o que estamos desaprovando.
Referências
Kuhle, B. (2012). Evolutionary Psychology is
Compatible with Equity Feminism, but Not
with Gender Feminism: A Reply to Eagly and Wood (2011)Evolutionary Psychology
www.epjournal.net – 10(1): 39-43.
with Gender Feminism: A Reply to Eagly and Wood (2011)Evolutionary Psychology
www.epjournal.net – 10(1): 39-43.