quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O problema das feministas com a psicologia evolucionista

+A +/- -A


Qualquer pessoa que já leu sobre psicologia evolucionista (PE) pode reparar que ela possui inimigos declarados. Em geral, eles estão espalhados pelas ciências humanas [leia um texto que escrevi descrevendoespecificamente o radicalismo da psicanálise]. Arrisco dizer que isso deve-se ao fato de que nessa área, os estudiosos não raramente tem um profundo apego por escritos antigos, que deixam de levar em conta muito do conhecimento produzido até então, bem como um explícito senso de antropocentrismo.

Em uma discussão num fórum pela internet, uma vez, conversei com uma pessoa que se dizia socióloga ou filósofa, não lembro bem. Falávamos sobre darwinismo e ele discordava veementemente da teoria. Ninguém é obrigado a gostar do assunto, mas discordar no mínimo é algo que tem que ser feito com propriedade. Mas não foi o caso, pois o cara simplesmente começou a apelar para argumentos de Platão e Aristóteles, que falavam de essência da espécie. Nessa visão, uma espécie não poderia virar outra ou ser modificada de nenhuma forma pois ela tinha uma essência; como gato, um gato tem essência de gato, então, sua espécie não vir a se tornar outra futuramente, por exemplo. 

 Outro caso emblemático foi numa aula no meu curso de psicologia, em que o professor dizia que falar que nos reproduzimos para passar os genes adiante é no mínimo um absurdo, “pois não conheço ninguém que tenha feito sexo com essa intenção” [outra idéia repudiada é a de Gene Egoísta; leia mais]. Essa visão é simplesmente absurda, pois nenhuma teoria diz isso. E esse tipo de argumentação é utilizado com frequência para refutar a psicologia evolucionista

No caso, o tal professor se referia ao pressuposto de toda a biologia, em que os organismos possuem suas características codificados por genes, e estes, por sua vez, são passados adiante conforme vão sendo bem sucedidos em se proliferarem e sobreviverem. Claro que isso é feito através dos organismos que eles produzem. Nesse sentido, somos máquinas desenvolvidas por genes devido à disputa cega entre eles (claro que nenhum gene disputa diretamente um com o outro). 

Causas próximas e distantes
Tinbergen
Para entender isso é preciso saber da existência dos 4 porques de Nikolaas Tinbergen, um etólogo que viveu em meados do século XX. Segundo ele, é possível analisar o comportamento dos animais – inclusive os humanos – sob quatro esferas: fisiologia, ontogênese, história evolutiva e causa última. A primeira, diz respeito à como o corpo humano funciona fisiologicamente durante esse comportamento, o que inclui também a atividade cerebral. A ontogênese seria a história do indivíduo; como o seu percurso individual moldou suas reações ao ambiente e etc. Quando estamos falando sobre como um mesmo comportamento se manifesta em diferentes espécies, estamos fazendo menção à história evolutiva. Essas esferas podem ser condensadas sob a denominação de causas próximas, e geralmente são as invocadas sempre que se quer explicar determinado comportamento no dia-a-dia. 

As causas últimas, por outro lado, dizem respeito à psicologia evolucionista, e versam sobre o motivo pelo qual um dado comportamento se constituiu uma possibilidade ao longo da evolução da espécie. Se pegarmos uma emoção como exemplo, o medo, e quisermos dizer o motivo pelo qual uma pessoa o sentiu, como prosseguiremos? Nesse caso, provavelmente invocaremos as causas próximas. No entanto, por qual motivo o ser humano tem o medo no seu repertório de emoções básicas, independentemente dos gatilhos ambientais que o dispara? [para ler mais sobre esse assunto]
 
O feminismo
Mais uma vez: aí sim começamos a poder falar das causas últimas, e é aí que a psicologia evolucionista entra. Entretanto, esse parece ser um osso demasiadamente duro de roer para alguns. Um dos grupos que eu queria já citar desde o início do texto, era o das feministas. Eu não sou um expert em feminismo, sabendo só o básico de acordo com o que as feministas que eu conheço – bem como as que simplesmente são pró-feminismo – fazem e dizem.

A principal crítica das feministas diz respeito à alegação da PE de que a evolução moldou não somente o nosso corpo, mas nosso cérebro também. Como consequência, homens e mulheres diferem nesse dois sentidos. As feministas em geral alegam  não gostarem muito disso, pelo menos as do meio acadêmico. Aborde esse assunto em sala de aula e você entenderá do que eu estou falando quando uma delas se manifestar. 

Não me interpretem mal. O feminismo tem uma proposta interessante, que é a da igualdade de direitos entre homens e mulheres. Apesar de soar meio óbvio, esse assunto tem muitas nuances muito mal compreendidas. Em artigo que visava responder às deturpações que sofre a PE, Barry X. Kuhle (2012) escreveu que existem dois tipos de feministas, as equity feminists e as gender feminists.

Enquanto as primeiras estão interessadas em garantir o que tem de mais óbvio, para mim, em termos de luta feminista, isto é, a igualdade de direito entre os gêneros, as outras estão preocupadas com a defesa de uma variação disso. Essas segundas parecem querer que homens e mulheres sejam iguais não só em direitos, mas também num nível – se assim posso dizer – ontológico. Em suma, querem que os dois sexos funcionem da mesma forma. 

Para a PE isso é um tanto problemático, pois, como eu havia dito antes, não foram só nosso corpos que foram moldados pela seleção natural, mas nosso cérebro também. Por isso, homens e mulheres não pensam iguais sobre muitos assuntos. Mas, no fundo, isso não implica necessariamente em conflito com a visão feminista equaty feminism. Pois então, por qual motivo as feministas mais radicais insistem nessa incompatibilidade?

Por que a briga?
O primeiro motivo que aponto é a não compreensão da esfera de explicação do comportamento onde a PE se encaixa, dentro dos 4 porques de Tinbergen. Outra razão é apontada por Kuhle, o mito da imutabilidade e, também, a falácia naturalista. A esses, acrescento ainda um que talvez sirva para cobrir todos os outros que é a incrível mania de se criticar um assunto qualquer sem nunca ter lido um livro sobre o tema. 

Vamos a cada um dos mitos, então. Como já falei dos porquês de Tinbergen, irei direto aos outros. O mito da imutabilidade é como a gripe, de tão fácil que é de ser pego por ele. Exemplo: quando dizemos que as guerras fazem parte de um comportamento inato, não estamos querendo dizer que devemos perder as esperanças pois nunca conquistaremos uma sociedade pacífica. Não. O que se está fazendo é simplesmente dizer que a guerra é um dos eventos desencadeados por uma predisposição comportamental de todo primata. 

E nada dessa história de que existe um gene responsável pela guerra ou violência. Até para características simples é exigido o trabalho de um conjunto deles. E como toda característica codificada por genes, seu funcionamento depende de gatilhos ambientais. Isso, por si só, é suficiente para que esse mito fosse lavado em toda a academia; mas não é. Assim, detonamos o mito da imutabilidade no melhor estilo Mith Busters, afinal, biologia não quer dizer, necessariamente, destino [leia dois textos explorando mais a questão aqui e aqui]

A falácia naturalista também é mais comum do que se pensa. Lembro que quando a polêmica do casamento gay e cura gay estavam quentes, muitas pessoas alegavam que o comportamento gay é correto ou moralmente aceitável, afinal, outros animais possuem o mesmo comportamento, portanto, é algo de natureza biológica mesmo, não sendo pura modinha cultural. 

Bom, se pensarmos puramente em termos de lógica dos termos, então, a resposta é não. O fato de outras espécies exibirem tendências homossexuais não torna esse ato moralmente defensável necessariamente, afinal, a violência também é algo presente no reino animal como um todo e nem por isso aparecem pessoas fazendo apologia á violência. Mas, calma, não estou dizendo que sou a favor da cura gay nem que ser gay é imoral. Não acho que exista nenhum problema inerente aos gays, acho que eles tem liberdade de serem felizes seguindo a orientação sexual deles, só não posso assumir a partir daí que é possível defender tal posição a partir de um argumento falacioso. Mito derrubado. 

Segundo Kuhle, esses são os maus entendidos que fazem as feministas de gênero se indignarem tanto toda vez que alguém fala em biologia, evolução e comportamento numa mesma frase. Como sempre, o maior antídoto é a informação e o equilíbrio. Para defender uma causa, não precisamos ser radicais e nem insistir em argumentos falaciosos sobre o que estamos desaprovando. 

Referências

Kuhle, B. (2012). Evolutionary Psychology is Compatible with Equity Feminism, but Not
with Gender Feminism: A Reply to Eagly and Wood (2011)Evolutionary Psychology
www.epjournal.net – 10(1): 39-43.