A leitura do livro 1984 foi impactante em muitos sentidos. O
livro foi escrito em 1948, mas parece descrever um futuro muito próximo do que
nós vivemos, pelo menos em relação a certos aspectos. Ele nos faz refletir
sobre o mundo em que vivemos (passado e presente) e no qual viveremos, bem como
o que desejamos para esse futuro e quais as consequências imprevistas disso.
Mas ele também reserva uma boa dose de reflexão a cerca de nós mesmos.
Eu sempre fui o tipo de pessoa que gosta de seguir regras,
ou que simplesmente as segue se forem justas e colaborarem para a organização da
vida privada e em sociedade. Para mim, o clichê “regras foram feitas para serem
desobedecidas” típico de rebeldes sem causa nunca foi algo válido. E acho isso
não só porque algumas regras são benéficas mas porque viver num mundo anárquico
e sem regras é algo impossível. A criação de regras emerge espontaneamente da
convivência.
Então, posso dizer que, pelo menos quando acho que são
úteis, sempre fui um cumpridor de regras, apesar de odiar tê-las jogadas na
minha cara. É bom cumprí-las quando eu concluo que são necessárias, não porque
alguém está exigindo aleatoriamente. Nesse mesmo sentido, posso citar outra
característica minha que é a de ter incorporado certos hábitos que para os
outros não passa de mera obrigação.
Cena do filme 1984, com o Grande Irmão em destaque |
Pegue o exemplo mais comum de todos: estudar. Eu sempre fui
bom aluno, mas claro que nem sempre eu gostei de estudar. Mas juntando minhas
próprias características individuais com minha criação, acabou que tive o gosto
pela coisa despertado e passei a estudar com mais prazer do que a maioria dos
meus amigos pelo menos. E também desenvolvi a vontade natural de procurar saber
sobre os assuntos que mais gosto (leia outros textos do blog e você saberá
quais ;) ).
Então, a não ser que eu tenha que estudar algo que eu não
goste tanto para alguma prova, ou algo que eu goste ou não num momento em que
estou querendo ler mais sobre outro assunto, estudar é sempre uma atividade
agradável. Perceba: é a obrigação de fazê-lo que me deixa um tanto incomodado e
desmotivado.
Em relação a trabalhar é o mesmo. É algo que todos temos que
fazer, não adianta choramingar. O máximo que podemos fazer é tentar mais cedo
ou mais tarde entrar no campo de atuação que mais nos toca pessoalmente. De
resto, não há motivo para espermear.
Esse meu modus operandi faz com que eu não tenha nem mesmo a
mesma paranóia que a maioria tem de durante a semana ficar pensando: “Nossa,
estou doido que chegue o fim de semana para que eu me divirta.” Bom, nenhum
problema com isso, afinal, todos querem se divertir e fazer o que gosta. A
questão peculiar que vejo aí é que é tido quase como consensual o fato de que
diversão implica em sair para a balada e consumir álcool em algum grau.
De alguma maneira, fazer as coisas que eu já faço
normalmente - como trabalhar, estudar os assuntos que a faculdade requisita, os
que eu quero aprender, ver filmes e séries, namorar, jogar jogos eletrônicos e
de tabuleiro, praticar artes marciais e esportes – já é algo que me preenche
bastante como divertimento, com prazer. Então, me pergunto se o modo típico de “arejar acabeça” é algo que muitas pessoas internalizam porque a sociedade fez com quefosse aprendido por osmose quase, ou se as pessoas realmente aprendem a sedivertir dessa fora, legitimamente.
Você deve estar se perguntando o que isso tudo tem a ver com
o livro 1984. No livro, vivemos num futuro distópico em que todas as pessoas
são vigiadas 24h por dia por uma teletela – uma tela que funciona como uma
câmera, que tanto observa o ambiente como transmite imagens e sons de
comunicados do governo, sobre toques de recolher, progresso do país e etc.
Qualquer postura errada, hábito suspeito ou olhar diferente já é motivo para
que agentes sejam mandados para investigar a situação e prender o cidadão.
O livro é bem mais complexo que isso, mas aprofundar mais a
coisa escaparia aos propósitos deste post. Mas para fazer o link com o que
quero mostrar, preciso dizer que na história, os cidadãos participam diriamente
de explícitos e sutis modos de doutrinamento em que aprendem a quem devem
odiar, o que devem almejar para suas vidas e como devem se portar no dia-a-dia.
Ou seja, aprendem a serem cumpridores de regras que não se levantam contra seus
superiores.
Daí, a comparação comigo mesmo e com a sociedade atual foi inevitável.
Somos o tempo todo bombardeados com propagandas que visam nos convencer
sutilmente de que felicidade é sinônimo de consumo, álcool e festas. Para você
ser feliz e estar satisfeito, tem de possuir aquela roupa da moda – que mudará
novamente daqui a 3 meses – ou aquele novo aparelho eletrônico – que dará lugar
a um mais novo ainda em menos de 6 meses.
Pensando mais privadamente, assim como em 1984, o cidadão é
aquele que internaliza aquilo que a sociedade quer que ele internalize. Claro,
eu não sou desses que fica compulsivo por se atualizar e estar na moda
mensalmente, até me achava mais conoclasta nesse sentido, mas fiquei pensando
se meu costume internalizado de obter prazer pessoal ao estudar, trabalhar e
etc, não seria eu me iludindo achando que sou mais independente do que a
maioria quando, na verdade, não estou.
A questão é que é impossível viver desconectado da sociedade
e da cultura. É um imperativo que faz parte de nossa própria constituição
biológica fazer parte desse todo; influenciar e ser influenciado por ele.
Então, talvez a questão não seja até que ponto somos ou não somos marionetes,
mas até que ponto temos “liberdade mental” para escolhermos para nosso próprio
bem de que forma vamos ser influenciados e em que momentos deixaremos isso
valer.